Page 61 - ARTE!Brasileiros #47
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INVENTANDO CORPOS

                               E/OU DESVELANDO

                               O ERÓTICO EM

                               INQUIETANTE

                               DEVASSIDÃO:

                               O ENCANTAMENTO

                               DOLORIDO



                               É EM NOSSO CORPO QUE EXPERIMENTAMOS
                               a obra de Nazareth Pacheco: somos tomados pela
                               vertigem de um mundo que nos estraçalha, esparra-
                               mando vísceras em orgasmos bizarros entre a dor e
                               o êxtase. É o nosso corpo que fica desnudado diante
                               dos objetos agudos e cortantes. É a própria noção
                               de sujeito psíquico que fica questionada, o jogo de
                               espelhos se inverte, perdemo-nos do olhar que nos
                               constituiu, tornamo-nos ferida exposta. Desruptor
                               movimento de campos do desejo, esvaindo contornos,
                               degelando montanhas. É essa a radicalidade do traba-
                               lho de Nazareth Pacheco: instaurar um corpo-carne
                               naquele que olha seu trabalho. E, ao fazer assim,
                               obriga a um trabalho de recostura do próprio eu.
                               Nisso, vários eus se tornam possíveis, vários corpos
                               podem acontecer. Nazareth Pacheco trabalha com
                               a questão do gozo, desse gozo que é barrado pelo
                               desejo. Isso implica em romper barreiras, um enfren-
                               tamento com os limites. O gozo é do campo do que
                               não cabe na palavra, do que não pode ser nomeado.
                               Gozo tem a ver com pura intensidade, forças em rede-
                               moinho. Gozo força a barreira do princípio do prazer,
                               e, portanto, questiona o interdito. Nazareth Pacheco
                               propõe uma mais além do desejo, um encontro com
                               o que é originário no erotismo. Transgride, indo em
                               direção a um real pulsional. Libertinagem contempo-
                               rânea, invenção de uma linguagem que faz coincidir
                               sentido e signo. Não há metáfora possível, estamos
                               no nível do real, das paixões do corpo. E o real está
                               além do bem e do mal. A obra de Nazareth Pacheco
                               busca desalienar nossa imagem, sempre construída
                               a partir de um olhar que nos olha. Somos obrigados
                               a refazermo-nos como sujeitos de nossos desejos.


                                                                                                                      61




         BOOK_ARTE_47_JUNHO2019.indb   61                                                                        17/06/19   22:32
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