Page 60 - ARTE!Brasileiros #47
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
NAZARETH PACHECO: A CRIAÇÃO
COMO TRIUNFO DA VIDA
EXPOSIÇÃO REGISTROS/RECORDS... NA GALERIA KOGAN AMARO CONDENSA O TRABALHO
DE MEMÓRIA FEITO PELA ARTISTA NO DECORRER DE TODA SUA VIDA
POR MIRIAM CHNAIDERMAN*
O nome da exposição Registros/Records... é navalhas rodeava a cama de acrílico. Agora,
significativo. Traz registros, rastros, marcas, nessa exposição, os cortinados são feitos das
fissuras... radiografias que seus pais fizeram no decorrer
No corpo, as marcas de bisturis e violações do câncer que cada um viveu, com pouquíssima
autorizadas e até desejadas. Assim é Nazareth. diferença de tempo. Foi quando os irmãos
Seu corpo expressa um mundo onde sobreviver levavam as cinzas da mãe para Paris que
é imperativo categórico. Sua obra é a expressão souberam que o pai apresentava sintomas já
dessa força de vida. avançados de um câncer. Nazareth conta sobre
Essa exposição acompanhou o lançamento como era ligada ao pai. Na exposição na galeria
de um livro que reúne a obra de Nazareth e Kogan Amaro, os instrumentos de trabalho
textos que marcaram suas exposições. É uma de seu pai – que era neurologista - tornam-se
exposição que carregou a história de uma vida esculturas de bronze. Homenagem tocante onde
de criação. Ou a criação como possibilidade os gestos de um pai são eternizados. Como em
única de vida. todas as suas exposições, aqui também existe a
Intervenções cirúrgicas sucessivas para corrigir presença de seu corpo: uma sequência de fotos
defeitos congênitos foram necessárias desde que acompanham a plástica que fez ocupa uma
o seu nascimento. Em outras exposições, as das paredes da galeria. Em Nazareth há um
marcas no corpo tornaram-se obras impactantes, constante renascer. Em outra parede, a carta
sedutoras. Os vestidos construídos com lâminas que um cirurgião escocês escreveu a seu pai
cortantes e giletes afastam e fascinam. O sobre o que deveria ser feito, Nazareth ainda
jogo entre o impenetrável (referência clara a pequena. Uma corrente é construída com as
Hélio Oiticica) e o erótico impossível foi tema pulseirinhas que Nazareth usou nesse percurso
constante. A questão do corpo feminino sempre pelos médicos. Alma sensível violentada pelas
foi tema para Nazareth. Na última exposição, intervenções necessárias, agora Nazareth
o tema é o luto de seus pais, mortos há cinco escolheu cuidar de seu rosto. Essa força de vida
anos. A capacidade de elaborar dores tão atrozes me encantou desde que a conheci.
através de sua linda produção comove. Foi o que me levou a fazer o documentário
Escrevi o texto do catálogo de sua exposição “Gilete Azul”.
de 2003 na Galeria Brito Cimino, quando Trago aqui uma pequena amostragem do texto
fiz o documentário “Gilete Azul”. Nessa que está no livro que foi lançado na exposição
exposição um imenso cortinado de giletes e Registros/ Records.:
* Miriam Chnaiderman é psicanalista e cineasta, produziu o documentário Gilete Azul atualmente publicado em nosso site: artebrasileiros.com.br/video/gilete-azul/
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