Page 77 - ARTE!Brasileiros #46
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ANDRÉ KOMATSU, REALIDADE PERECÍVEL #14, 2018, 3 X 630 X 420 CM, TELA DE FIBRA DE VIDRO, MADEIRA, TINTA ESMALTE A BASE D’ÁGUA E VERNIZ ACRÍLICO SOBRE CONCRETO




                               gastar dinheiro...”. Até começar a realmente tirar   palavra de ordem”, independente da linha editorial:
                               um sustento de suas criações, Komatsu trabalhou   O Mundo, A República, O Manifesto. Komatsu cobre
                               como motorista particular, professor e barman.   o jornal com placas de chumbo, deixando apenas o
                               A servidão voluntária, as relações do trabalho,   nome visível: “Eu isolo a informação, fazendo uma
                               a sistematização das ações, a objetificação do   relação com o reflexo de hoje, onde a informação
                               sujeito são alguns dos pontos que André trabalha   está ali mas é velada, que são as verdades que
                               como artista, se colocando como um pensador que   acabam direcionando o público”.
                               investiga a ética, a política e a sociedade. Muitas   As discussões que o artista busca trazer estão
                               vezes, ele utiliza reflexões sobre a arquitetura e a   muito ligadas à sua base teórica. As leituras são
                               construção civil para falar sobre isso, por exemplo   frequente e indispensáveis pra ele: “Os livros que
                               em obras como a da série Realidade Perecível,   acabo lendo são muito ligados à Filosofia. Não
                               na qual ele apresenta textos escritos sobre telas   tem nada a ver com arte. Raramente leio coisas
                               finas feitas com concreto, que simulam um tipo de   sobre arte”, ele explica que receia que as leituras
                               cortina. Tão frágeis que vão se desfazendo com o   sobre arte reduzam tudo a um microcosmo: “Eu
                               tempo e com o manuseio, desintegrando palavras   tento entender uma outra coisa. E utilizo a arte
                               termos como “o progresso”, “o novo mundo” e até   para isso”. Para isso, ele se debruça sobre autores
                               mesmo a frase “hoje como ontem”, retirada de um   como Michel Foucault e Vilém Flusser.
                               jornal nazista. O estrutural e o esfarelamento da   Os questionamentos de André se somam em uma
                               estrutura aparecem como analogias, já que ele   representação da realidade, buscando acompa-
                               admite: “Eu acredito que as coisas só mudem com   nhar as questões do contemporâneo e olhando
                               a quebra das estruturas”.                   também para o passado. De referências aos can-
                               Outra série ligada às palavras, mais especifica-  dangos que construíram Brasília às que envol-
                               mente à comunicação, mostrada recentemente   vem a recente crise hídrica em São Paulo, André
                               na exposição individual Estrela Escura, na Galeria   se envolve com uma espécie de preservação da
                               Vermelho, Acordo Social mostra jornais coletados   História, afinal: “Quando você apaga a História,
                               de vários países cujos “nomes estabelecem uma   você apaga o entendimento sobre a realidade”.


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