Page 72 - ARTE!Brasileiros #46
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO






             STEPHEN DEAN, A COR


             COMO CONEXÃO DO OLHAR





             O ARTISTA FRANCO–AMERICANO TRABALHA O VIDRO DICROICO COM SATURAÇÃO, REFLEXIVIDADE E TRANSPARÊNCIA


             POR LEONOR AMARANTE


















             A OBRA DE STEPHEN DEAN se comunica com o público   escultura como em instalações e obras sobre papel e
             de forma singular, por meio de relações interpessoais e de   vídeo, em que a cor entra no processo como um conector,
             contexto do lugar. Em Rehearsal with Props, em exposição   agente para alterar as relações espaciais, formais. “Tento
             na Casa Triângulo, o artista franco-americano trabalha com   me manter no meio de um triângulo, em que um ângulo
             vidros dicroicos que têm a propriedade de exibir mais de   chega ao documentário e os outros à pintura e à vídeo-
             uma cor em certas condições de iluminação. “A concepção   arte”. Com esses elementos ele problematiza a “tela como
             desta mostra parte da conexão permanente da cor em meu   suporte-transparência”.
             trabalho, que é próximo à música”. A particularidade de seu   Contrapondo-se a Ladder, a série Atlas, mais parece obra de
             trabalho se anuncia neste jogo de transparência, saturação   gabinete, uma coleção de pequenas aquarelas, que ele chama
             e no deslocamento dos corpos. Não se trata de um olhar   de “esquetes de obras espontâneas” e que têm a capacidade
             estático, há deslocamentos no espaço e no tempo.   de expandirem os limites da cor, mesclando pinturas sobre
             A identificação imediata do visitante com a obra de Dean   papel transparente de cigarro. “É um material bem resistente,
             se dá com a escultura Ladder. É uma escada sem base   que suporta a luz e é usado pela NASA”. Com esse tipo de
             fixa, com paineis de vidro dicroico, material ao mesmo   papel pode-se enrolar um baseado e, com humor, Dean o
             tempo reflexivo e translúcido e um dos pontos chave do   chama de “maconha dicroica”. Os pequenos desenhos são
             discurso dele. Ao realçar a interioridade do vidro, ele cria   como esboços preparatórios, muito espontâneos, quase
             uma espécie de membrana transparente onde o mundo se   como em gesto, motivados por paisagens, elementos abs-
             projeta e se condensa em cores, como um divisor entre a   tratos, coisas simples que formam um caleidoscópio que
             superfície do vidro e a profundidade simulada do “espe-  não se esgota. A pintura com superfície saturada é povoada
             lho”. Na abertura da mostra, quase ninguém resistiu a   de imagens “aplainadas”, agrupadas em conjuntos de cinco
             fotografar-se diante dessa escultura enigmática que seduz   peças dispostas sobre uma mesa vitrine. Esses pequenos
             o visitante ao refleti-lo, criando uma nova obra a cada cli-  retângulos podem ser articulados de várias formas, com dia-
             que, com reflexividade e cruzamentos de olhares. Vista   gramações diferentes e traduzem momentos únicos, etéreos.
             de perto, pode-se ver a densidade e a saturação do mate-  Dean promove a reinvenção de formas ou eventos preexis-
             rial, a cor, a tentativa de recontextualizar formas comuns.  tentes em vários materiais, tendo o vidro como elemento
             Dean é um artista multimídia que se expressa tanto em   pendular em seus discursos, desde o seu início na arte. Esse


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