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FARNESE DE ANDRADE, OS DIAS FELIZES, 1976–94


                               Tal esquecimento é muitas vezes explicado pelo   contido no Farnese dos 1960”, defende ela. Dei-
                               fato de sua obra apresentar um certo descompasso   xando de lado uma cronologia rígida, o visitante
                               em relação ao que se fazia hegemonicamente em   é apresentado a famílias de obras, a momentos
                               seu período de atuação. Ele enfrentou o que Denise   marcantes em sua trajetória. Tem sempre diante de
                               Mattar define como “ditadura da abstração” e uma   si um artista que parece estar permanentemente
                               resistência vigorosa a formas de expressão mais   testando a si mesmo e a suas possibilidades plás-
                               vinculadas a uma figuração próxima ao expres-  ticas, simbólicas, metafóricas.
                               sionismo e ao surrealismo. O que supostamente o   Os trabalhos mais antigos da exposição constituem
                               aproxima de autores que o antecedem, como seu   um núcleo disposto mais ao fundo da galeria. Ali
                               mestre Guignard (cujas indicações lhe garantiram   estão os desenhos compulsivos e intrincados que
                               emprego como ilustrador em diversas publica-  dizia fazer para “chamar o sono” e que ganharam
                               ções quando mudou-se para o Rio, em 1946, para   o nome de “Obsessivos”; um exemplar (bem com-
                               curar-se de uma tuberculose). No entanto, a força   portado) da fase erótica que desenvolve no final
                               pulsional de sua obra, a capacidade de lidar com   dos anos 1960; e um dos três desenhos, chamados
                               os tormentos e agonias íntimas (não só suas, mas   de “Censura” nos quais faz um comentário ácido
                               também do homem moderno em geral) faz com   e irônico sobre o período de repressão e dá uma
                               que esteja mais próximo da arte contemporânea   resposta ao confisco e destruição pelos militares
                               desenvolvida pelas gerações que o sucedem do   das obras que havia mandado para o 2ª Bienal
                               que de seus contemporâneos.                 da Bahia dois anos antes. Tais peças garantiram
                               Ao invés de considerar como blocos estanques   a Farnese o prêmio de Viagem no Salão de Arte
                               as produções bidimensionais e tridimensionais   Moderna de 1970, levando-o a Europa, onde fica
                               do artista, a curadoria de Mattar procura esface-  pelos cinco anos seguintes.
                               lar as fronteiras entre as linguagens, iluminando   Outros dois importantes conjuntos de trabalhos
                               e colocando em diálogo alguns dos momentos   bidimensionais foram garimpados pela mostra. O
                               mais marcantes dessa trajetória. “Uma coisa está   primeiro deles é composto por 24 pinturas rea-
                               contida dentro da outra. O Farnese dos 1990 está   lizadas entre 1963 e 1980. Além de demonstrar


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