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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
FARNESE DE ANDRADE, NARCISO, 1982
sua versatilidade – “ele fazia como diz Mattar, “paralisar
tudo ao mesmo tempo”, diz o tempo”.
Denise –, esse enorme painel Os temas são recorrentes. Há
evidencia alguns interesses as anunciações, os mergulhos
do artista, como um fascí- nas memórias afetivas rela-
nio pela sensualidade do cionadas às figuras paterna e
corpo humano (não apenas materna, uma longa série de
de cunho homoerótico) e sua trabalhos intitulados “Viemos
capacidade de reinventar do mar”, e outros campos de
formas de fazer arte. Nes- pesquisa aos quais retorna de
ses casos, por exemplo, ele forma obsessiva e compulsiva,
desenvolve uma técnica parti- como que num esforço de
cular, que ele chama de “tinta expurgo e organização interna.
transformada” e que consiste Há algo de lúgubre, nostálgico,
na aplicação de aquarela mis- neste retorno ao passado, que
turada com um produto quí- reabrem feridas, deixam sen-
mico secreto no avesso da tela timentos à mostra. Como bem
já pintada, transferindo para a definiu Charles Cosac no texto
obra manchas de cores e for- de abertura do catálogo, “ele se
mas sedutoras, sobre as quais alimentou de saudade”.
tinha controle apenas parcial. O E nos contagia nesse processo.
segundo é um conjunto de mono- Suas peças colocam à flor da pele
tipias feitas a partir de objetos que encontra à emoções que deveriam ficar sepultadas, sobretudo
beira-mar ou em aterros no início dos anos 1960 num país que apostava na via unívoca, redentora
e que em pouco tempo seriam incorporados em de uma arte de ângulos retos e símbolos abstratos,
suas colagens tridimensionais. deixando para trás seus pés de barro, suas madei-
Iniciadas em 1964 e produzidas de forma inces- ras roídas por cupins, uma sensualidade estranha e
sante até sua morte, em 1996, essas peças que seus santos decapitados. Ao contar suas histórias,
reúnem madeiras carcomidas; carcaças de bone- marcadas por memórias coletivas terríveis como o
cas; santos de devoção popular; objetos garimpa- afogamento de seus dois irmãos alguns anos antes
dos em antiquários, no lixo ou nas ruas; conchas de seu nascimento e por um estado depressivo mar-
encontradas ao acaso ou imagens herdadas de um cado por várias crises, Farnese ecoa em cada um
tio fotógrafo formam o corpo da exposição. Embal- de forma subjetiva. Porém, inevitavelmente mexe
samados em um ambiente de resina, encerrados de forma intensa com sentimentos que vão muito
em oratórios que passa a adotar no período em além da razão.
que reside em Barcelona, protegidos por redomas
de vidro ou abrigados nos ocos das tradicionais Farnese de Andrade - Memórias Imaginadas
gamelas de madeira usadas na cozinha popular Curadoria de Denise Mattar
de sua Minas Gerais natal, essas composições ao Até 25 de maio
mesmo tempo angustiantes e sedutoras – de um Galeria Almeida e Dale:
Rua Caconde, 152 - Jardim Paulista, São Paulo - SP
preciosismo formal impressionante – parecem,
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