Page 18 - ARTE!Brasileiros #43
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BIENAIS SÃO PAULO

           Campos, escrito sem pontuação, abre várias possi-  de solidão que se mantém”, conta a artista. Ao contrário de
           bilidades de leitura dos versos que ela transforma   algumas afirmações, não sinto acasos em seus desenhos, tudo
           em fragmentos. Acompanhando o CD encartado,   parece como rios que escorregam calados, reforçando sulcos.
           Haroldo lê 16 páginas de sua obra que deveria,   O presente em sua obra se compõe pela sobreposição de rea-
           segundo ele, ser lida em voz alta, como um livro-can-  lidades atemporais, no entanto tudo parece harmônico em
           ção. Essas páginas compõem o trabalho da artista, e   torno de um tempo de condições efêmeras ou temporárias.
           os furos correspondem aos silêncios que pontuam as   Qual seria a chave do conceito? “Me interesso por elementos,
           breves pausas que Haroldo realiza durante a leitura.   estruturas que não sejam fechadas ao outro, que se deixem
           São espaços de respiração, tornam visível o invisível,   marcar, transformar e permear, falando ao mesmo tempo de
           como o limite que não é limite, como limite aonde   limite e de continuidade”.
           se dá o encontro. Os furinhos são aonde o próprio   Em um voo sobre sua obra percebe-se a analogia entre a ima-
           papel respira, por onde passa luz e ar.      gem, sujeito e olhar. Mas existiria uma busca fenomenológica da
           O que mais atrai no trabalho de Maria é essa leveza   presença contínua? “Minha linguagem é visual e meu processo é
           do tempo que perpassa tanto pela natureza, mas   movido pela percepção, intuição e sentimento. Não tenho ques-
           também pelo homem, de maneira tão fluída como   tões de ordem filosófica como meu ponto de partida, como algo
           uma névoa, como se a memória se diluísse nos pen-  que me oriente. Mas é claro que o trabalho pode ser interpretado
           samentos. As costuras, as rachaduras que sugam   de um ponto de vista filosófico, e isso é bem-vindo”.
           areias, líquidos que parecem veias preenchidas   Em vídeo ou em instalação, ela tematiza o tempo e parece cap-
           com algum apagamento indevido. Quando vi sua   tar fragmentos do mundo irritadiço contemporâneo que, para o
           obra, no documentário de um canal de arte, pude   cidadão comum, apressado, parece o tempo não produtivo, des-
           perceber melhor o efeito do tempo em seu fazer.   perdiçado, excedente, uma temporalidade suspensa. Mas, em seu
           “Fico bastante tempo sozinha. E mesmo quando   universo é tudo ao contrário, porque justamente essa cadência
           não estou, existe um silêncio íntimo, um estado   lenta que dá ritmo à pulsação contínua e repousante de sua arte.




           O IMAGINÁRIO DE JENNIFER TEE





           HOLANDESA SE APRESENTA NA 33ª BIENAL DE SÃO PAULO, EM SETEMBRO PRÓXIMO, SEM REVELAR O
           TRABALHO, MAS ATUA COM ESCULTURAS,  PERFORMANCES E OBJETOS ESPALHADOS PELO CHÃO E NO AR



           NADJA É UM DOS ROMANCES ÍCONES de            Ao se apropriar da literatura ocidental, Jennifer, mais uma
           André Breton, datado de 1962. A personagem é   vez, reforça seu processo criativo destacando um território
           sua suposta amante e prostituta, que empresta   multicultural híbrido, construído a partir de necessidades, o
           o nome ao livro. De acordo com Jennifer Tee   que pode até ser The Soul in Limbo, um tema recorrente. O
           o lema de sua arte é “alma no limbo”. A pro-  conceito de limbo não é interpretado apenas por uma por-
           tagonista do romance também afirmava: “Eu    ção espacial, mas por uma relação complexa e pode ter
           sou a alma no limbo”. Quem sabe o que é uma   diferentes interpretações. Jennifer Tee também usa esse
           alma? Esta questão amarra uma das últimas    conceito em suas colagens de pétalas de tulipas secas, que
           exposições de Jennifer Tee, holandesa, que   são símbolos de sua própria origem de diáspora. Nascida
           estará na 33ª Bienal de São Paulo, em setem-  em 1973, em Arnhem, Holanda, com mãe de ascendência
           bro próximo, com trabalho ainda não definido.   inglesa e holandesa, avô e bisavô ex-plantadores de tuli-
           A artista trabalha com esculturas, tapeçarias,   pas. Seu pai, indonésio, foi para a Holanda de navio e toda
           performances, objetos espalhados pelo chão,   essa história reflete fortemente em seu imaginário. Jennifer
           suspensos no ar, leituras, performances, mas   Tee pode ser aparentemente frágil, mas seu trabalho deixa
           mantendo espaço para que o público circule e   transcender com muita força e energia sua personalidade,
           viva seu estado de limbo.                    especialmente nas leituras e performances coreografadas


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