Museu de Imagens do Inconsciente. Fernando Diniz, óleo sobre papel, 1953. Foto: Divulgação.
Fernando Diniz, óleo sobre papel, 1953. Foto: Divulgação.

A partir do dia 18 de maio, o Museu de Imagens do Inconsciente (MII) inaugura a exposição virtual Três Artistas de Engenho de Dentro, com um recorte inédito que reúne 90 obras pouco conhecidas pelo público, de Adelina Gomes (1916-1984), Fernando Diniz (1918-1999) e Octávio Ignácio (1916-1980). Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, Luiz Carlos Mello e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, seu lançamento ocorre, não por acaso, em 18 de maio, data que marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. No mesmo dia, para sinalar a abertura da mostra, haverá uma conversa virtual com a presença dos curadores e ainda de Erika Silva, diretora do Instituto Municipal Nise da Silveira, de Heloísa Helena Queiroz, gerente de Museus da Secretaria Municipal de Cultura, e Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras. A conversa estará disponível, ao vivo, no canal do MII, acesse neste link.

Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1968. Foto: Divulgação.
Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1968. Foto: Divulgação.

Três Artistas de Engenho de Dentro será de longa duração e bilíngue (português/inglês), para ampliar o acesso ao acervo do museu, instituição fundada pela psiquiatra Nise da Silveira em 1952, no bairro Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio de Janeiro. Hoje, o Museu de Imagens do Inconsciente possui uma coleção de 400 mil obras. Dessas, 128 mil foram tombadas pelo IPHAN. Até agora, 22 mil delas já foram inventariadas pelo museu como resultado da sua seleção (por dois anos seguidos) como uma das instituições da área de Defesa do Patrimônio a serem contempladas pelo edital de emendas parlamentares do Dep. Marcelo Calero. Enquanto aguarda a liberação dos recursos pelo governo federal para os selecionados de 2020, o museu finaliza as ações possíveis graças à verba recebida pela emenda em 2019. Segundo a organização do museu, assim que for liberada a verba para os contemplados em novembro de 2020, o MII alcançará a catalogação e digitalização de 64 mil obras – a metade do conjunto tombado pelo IPHAN.

Tal acervo é resultado da produção feita pelos pacientes psiquiátricos nos ateliês criados em 1946 pela Dra. Nise, um trabalho pioneiro na psiquiatria, que inspirou a Reforma Psiquiátrica brasileira. A seleção de apenas 30 obras de cada artista, considerando justamente a dimensão do arquivo, foi um dos desafios notados por Marco Antonio Teobaldo. Ele destaca que a tarefa só foi possível graças a Luiz Carlos Mello, diretor do MII e ganhador do Prêmio Jabuti por Caminhos de uma psiquiatra rebelde, e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, vice-presidente da Sociedade Amigos do MII e curador do Museu Nacional de Belas Artes. Ambos estão ligados há quase cinco décadas ao museu e, além de terem convivido com os artistas, “possuem a habilidade de resgatar as memórias contidas nos trabalhos”, segundo Teobaldo. Na mostra, cada obra escolhida é acompanhada de informações de seu tamanho, técnica empregada pelo artista e o ano de criação. A exposição traz ainda minibiografias dos três artistas, textos críticos sobre as obras de cada um deles, além de comentários da própria Nise.

Fora Três Artistas de Engenho de Dentro, para o futuro o Museu de Imagens do Inconsciente planeja ainda a digitalização de três dos quinze documentários realizados pela equipe do museu sob a supervisão da própria Nise, e dirigidos por Luiz Carlos Mello: Emygdio: um caminho para o infinito, Os Cavalos De Octávio Ignácio e Arqueologia da Psique. Também estão programadas, junto com a Editora Vozes, novas impressões dos livros O Mundo das Imagens e Imagens do Inconsciente, até o momento esgotados.

Sobre os artistas

A Dra. Nise da Silveira recebe flores de Adelina Gomes. Foto: Divulgação.
A Dra. Nise da Silveira recebe flores de Adelina Gomes. Foto: Divulgação.

Filha de camponeses, Adelina Gomes nasceu em 1916, na cidade de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Pintora e escultora, ela foi internada em 1937, aos 21 anos de idade, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Engenho de Dentro. Lá, na Seção de Terapêutica Ocupacional (STO), frequentou o Ateliê de Pintura e Modelagem. A princípio, Gomes dedicou-se ao trabalho em barro e em seguida partiu para a pintura. Até sua morte ela produziu cerca de 17.500 obras. No filme Imagens do Inconsciente, de Leon Hirszman, o episódio dedicado a Adelina tem o título de No reino das mães, devido às análises feitas por Nise nas quais a psiquiatra associa a produção de Adelina com figuras femininas através de sua biografia.

“Há uma sutileza no começo do filme que dialoga com a produção da artista: a primeira sequência traz Adelina andando por uma ala do hospital segurando uma bolsa. Corta para ela saindo pelo portão do hospital e, na cena seguinte, ela é vista colhendo flores. Por fim, antes da narração do texto de Nise, há outro corte para a artista dentro do ateliê do hospital. Adelina sai do enquadramento segurando a mesma bolsa e a câmera focaliza em uma flor – uma daquelas coletadas – dentro da sala. De forma muito sutil, Hirszman sugere uma fusão entre o corpo da artista e a flor”, escreve o curador Raphael Fonseca.

Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1962. Foto: Divulgação.
Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1962. Foto: Divulgação.

Para ele, “seja grande e de perfil, seja em uma composição que pareça mais teatral, suas pinturas remetem ao corpo como elemento central – mesmo quando integrado a imagens que por vezes dialogam com aquilo que convencionamos chamar de paisagem ou natureza-morta”. Fonseca acrescenta ainda que “é a maneira como a artista pinta esse corpo, porém, que irá dar esse tom de metamorfose: é difícil olhar para essa série de imagens e não perceber a inteligência como ela aplica e experimenta a cor”.

“Mesmo que em grande parte desses trabalhos seus habituais verdes e azuis predominem, há uma constância no uso de cores fortes que causam um contraste desconcertante pelos vermelhos, amarelos, laranjas e rosas. A pintura de Adelina é permeada pela sugestão de movimentos dados por esse cromatismo”, conclui o curador.

Registro do artista Fernando Diniz trabalhando em uma escultura. Foto: Divulgação.
Registro do artista Fernando Diniz trabalhando em uma escultura. Foto: Divulgação.

Fernando Diniz nasceu em Aratu, Bahia, em 1918. Aos quatro anos de idade veio para o Rio de Janeiro com sua mãe. Em julho de 1944, foi preso e levado para o Manicômio Judiciário. Cinco anos depois, em 1949, foi para o Centro Psiquiátrico Pedro II, onde começou a frequentar a STO. Para Mário Pedrosa, Fernando foi um autêntico pintor cuja força decorativa, de que era profundamente dotado, não desarmava nunca. “Ritmo e cor se organizam sempre, alternando-se em ordem e graça. Os exercícios concêntricos com que Fernando enche papéis e mais papéis terminam por organizar verdadeiras engrenagens universais como sistemas que, se vêm do caos, mais se aparentam a relojoarias em busca de uma ordem intuída”, escreveu o crítico de arte. Sua produção no museu é estimada em cerca de 30 mil obras: telas, desenhos, tapetes e modelagens, incluindo também o premiado desenho animado Estrela de oito pontas, para o qual realizou mais de 40 mil ilustrações sob a orientação do cineasta Marcos Magalhães. Nela, nota-se a presença constante do geometrismo, marcado pela imagem do círculo, que representa as forças ordenadoras da psique.

Retrato do artista Octávio Ignácio. Foto: Divulgação.
Retrato do artista Octávio Ignácio. Foto: Divulgação.

Octávio Ignácio nasceu em 1916, no estado de Minas Gerais. Teve instrução primária, foi operário e serralheiro. Casou-se e teve um filho. Depois da sua primeira internação, em 1950, seguiram-se 11 reinternações. A partir de 1966, Ignácio passou a frequentar o ateliê de pintura do Museu em regime de externato. “Após 12 internações, ele começou a desenhar e pintar, e depois disso não foi mais reinternado. Octávio representava o futuro, a transição entre o velho e cruel sistema da psiquiatria tradicional e a revolução iniciada por Nise, baseada no afeto e na liberdade: hoje, nos ateliês do Museu de Imagens do Inconsciente, todos estão livres da prisão asilar. Ele tinha uma personalidade irrequieta e alegre, que reflete-se em seu trabalho criativo”, como pontua Eurípedes Gomes da Cruz Junior. O artista frequentou o ateliê até sua morte, em 1980.

Na sua obra é notável o conflito entre os opostos masculino/feminino, onde intensos desejos irrompem. “Muitos de seus desenhos revelam este drama em um nível próximo à consciência, quando os opostos assumem forma humana. Aparecem sob a forma de casais em luta ou de seu corpo masculino adquirindo características femininas. Ignácio sente-se ameaçado, percebe dentro de si mesmo a força do feminino, mas apesar disso luta para que o princípio masculino não seja completamente vencido”, lê-se em um arquivo do Museu das Imagens do Inconsciente. “Sob a pressão do violento conflito a psique cindiu-se. Cindiu-se mas não se anulou. O dinamismo das forças inconscientes é constante – instintivamente desenvolve-se um processo no sentido de promover reconciliação entre os opostos masculino/feminino em guerra”.

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