Cristhiano autografa exemplares do livro no lançamento na Banca Tatuí. Foto: Levi Fanan/Divulgação

*Por Rafael Mastrocinque

 

Doze anos depois do seu último livro ficcional, Cristhiano Aguiar, 37, volta o fluxo criativo às suas narrativas novamente. Os tempos de experiência acadêmica, curadoria de revistas literárias e outras ações culturais, levaram ao amadurecimento do escritor campinense até a sua mais engenhosa obra, Na Outra Margem, O Leviatã. Natanael, Faustine e Estevão representam a melancolia da capital paulista, que os forçam aos devaneios, até se chocarem com a brutalidade urbana que assola as suas vidas. Cristhiano trás em um fluxo refinado, contos entrelaçados que interpretam o mal dos trópicos modernos; a melancolia.

Na Outra Margem, O Leviatã se divide em sete contos, boa parte deles compostos pelos mesmos personagens, com histórias simultâneas caminhando lado a lado a catarse do protagonista de cada capítulo. Cristhiano Aguiar passou seis anos a procura do tom ideal para traduzir em sua narrativa, o mau estar existencial de cada indivíduo em meio a um cenário de hostilidade policial, que se prolonga pelas memórias de cada personagem. Os contos, em especial Teresa, trabalham as identidades de cada um a partir de suas cicatrizes familiares, com elementos mágicos que trazem belezas sublimes à narrativa. Artifício que só os grandes contistas possuem.

“Trancada no quarto, jogou toda a sua roupa no chão e observou, com desgosto, o próprio corpo. Considerou-se horrivelmente branca. Deitada na cama, manteve-se quieta e observou a caminhada da noite através do seu corpo sem manchas.”

Cristhiano ressalta as suas referências na poesia de Murilo Mendes, os contos de Alice Munro, Hilda Hilst e Borges como as raízes para o surgimento de Na Outra Margem, O Leviatã.

Formado em letras pela Universidade Federal de Pernambuco, Cristhiano conta o desafio de conciliar a sua vida acadêmica com a sua produção literária, hoje professor doutor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Depois do lançamento de seu primeiro livro de contos Ao Lado do Muro, do qual não se orgulha tanto, Cristhiano participou fielmente a projetos literários de pernambuco. Foi um dos editores da Revista VacaTussa, participou da Antologia Granta: Os melhores jovens escritores brasileiros em 2012, ano que começou os seus “tropeços e barrancos” nas palavras do autor, ao caminho de produzir o livro e outras obras paralelas, conforme foi equilibrando a tumultuosa vida acadêmica.

“Levantado, veio a pancada na cara, o cassetete nos rins. Nos desenhos animados, quando caímos, surgem uns passarinhos ou uma órbita de estrelas ao redor de nossa face, não é mesmo? Ali, só houve tempo para o chão” do capítulo Desaparecido, Cristhiano narra a repressão do morador de rua Caetano, perdido no meio de uma manifestação.

Autoritarismo

As personagens Faustine e Caetano são figuras antagônicas. Assombradas pela violência da polícia militar em posições sociais distintas. Na Outra Margem, O Leviatã apresenta um diálogo sobre as fissuras do autoritarismo a partir de Faustine, neta de um militar envolvido no Golpe de 64. A partir das memórias de infância, na fazenda de seu avô, Faustine trás em trechos as raízes mais profundas pela sua aversão ao autoritarismo.

Privilegiada, e protegida por um homem de confiança, a personagem se divide entre a ternura e horror aos últimos momentos que passou com o avô. “O ponto desse conto, ‘Os recém-nascidos’, e da trajetória de Faustine em especial, é o fato de que nosso país tem em suas instituições a marca do autoritarismo como um elemento articulador. Infelizmente, o nosso aparato jurídico, policial e político não escapa desse autoritarismo.”, explica Cristhiano.

Melancolia

Cristhiano Aguiar trás em sua nova obra o impacto dos contistas renomados. Suas personagens se deparam com o absurdo durante o cotidiano banal da cidade, deixando suas memórias e fraquezas translúcidas a partir de encontros. Uma desocupação no interior da Paraíba, a custódia de um boliviano pela polícia até o constrangimento de Lina e Estevão presos por horas no elevador de São Paulo. Sobre o lugar dos contistas brasileiros, Cristhiano inspira-se nos clássicos e entende a tarefa a ser cumprida pelos escritores atuais. “Cada tempo, cada cultura, exige de seus escritores e escritoras o desempenho de diferentes papéis. Em pleno 2018, voltamos ao olho do furacão de uma crise política aguda e cujas consequências são ainda imprevisíveis. Assim, sinto uma demanda por narrativas e posicionamentos públicos, por parte da autoria contemporânea, que possam dar conta de todo esse turbilhão.”

Depois de seu grande lançamento na Banca Tatuí, pelo selo independente Lote 42, Cristhiano guarda alguns novos títulos que foi trabalhando em paralelo ao Na Outra Margem, O Leviatã. Ele estará presente no dia 13 de abril, na SP-Arte para o seu próximo lançamento.

Assista ao vídeo em que Cristhiano narra um trecho do livro, cedido com exclusividade pela Lote 42:

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