A editora Todavia acaba de lançar o livro A Guerra – Ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, escrito pelo jornalista Bruno Paes Manso e pela socióloga Camila Nunes Dias. Os dois pesquisadores e estudiosos da área se segurança pública e direitos humanos usaram como ponto de partida para o livro as rebeliões sangrentas que ocorreram no Brasil nos últimos anos.
Leia entrevista de Maria Carolina Trevisan com a autora Camila Nunes Dias, publicada na edição 114 da revista Brasileiros, em fevereiro de 2017:
O Primeiro Comando da Capital, PCC, nasceu oficialmente em 1993, quase um ano após o Massacre do Carandiru, em que 111 presos da Casa de Detenção de São Paulo foram mortos. O grupo foi constituído a partir de um “estatuto” que define princípios e valores, como lealdade, respeito e solidariedade, e luta por liberdade, justiça e paz , tendo regras e normas de conduta – “o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do sistema”– e de comportamento –“jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais”.
O que pode parecer um código de ética em nome da paz da facção também indica penalidades violentas para quem não seguir os preceitos da carta.“Vida se paga com vida”, dizem os “irmãos”, como os integrantes se referem uns aos outros. As penas para os desobedientes podem ser humilhação pública, agressão física e execução. “Quanto mais alto o escalão e mais importante o seu papel na estrutura da organização, maiores os riscos de que a exclusão seja acompanhada de execução”, explica Camila Caldeira Nunes Dias, professora de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC e uma das mais respeitadas estudiosas do País sobre o grupo criminoso.
Camila conta que o PCC foi criado em São Paulo e os governos subestimaram a presença do grupo como organização. “O governador Geraldo Alckmin disse que São Paulo não tem nada a ver com isso. É claro que tem. As lideranças estão em São Paulo”, ela afirma.
Em sua tese de doutorado Da Pulverização ao Monopólio da Violência: Expansão e Consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Sistema Carcerário Paulista, no departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, Camila define três fases do PCC: sua constituição e seu fortalecimento dentro dos presídios paulistas, entre 1993 e 2001, que culminaram com uma megarrebelião em 29 unidades prisionais; sua força nas ruas, de 2001 a 2006, quando uma série de atentados a bancos, supermercados e aviões pagadores evidenciou o poder da facção para além dos muros das penitenciárias, contrapondo-se à negação de sua importância pelas autoridades de segurança; e o estabelecimento de seu poder, a partir de 2006, quando se inaugurou um amplo conflito entre a Polícia Militar e o PCC, que assumiu a hegemonia do crime no estado de São Paulo.
Diante dos massacres atuais ocorridos nas penitenciárias do País, que já vitimaram 136 pessoas nos primeiros dias deste ano, Camila diz que construir presídios, como o governo responde aos conflitos, não é solução.
Para ela, que também integra a equipe de pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é preciso uma mudança profunda nas políticas de segurança para resolver a crise penitenciária e o caminho passa pelo desencarceramento.
Brasileiros – Em sua tese de doutorado, a senhora pontua três fases do PCC: o nascimento, o fortalecimento dentro e fora dos presídios e o estabelecimento de seu poder contra as forças de segurança. Diante dos recentes massacres em Manaus e Roraima, seria possível determinar uma quarta etapa?
Camila Caldeira Nunes Dias – Ainda é arriscado caracterizar essa nova fase de maneira mais definitiva, mas ela mostra a nacionalização do PCC e as disputas competitivas em razão dessa nacionalização. A característica não é mais o contexto do estado de São Paulo. Quando se espalhou pelo Brasil, outros interesses surgiram e foi gerado um conflito com outros grupos. A partir dos conflitos recentes, está claro que o PCC é uma organização com presença nacional, mas cujo centro de comando continua em São Paulo. A disputa pelo controle e pelas rotas de tráfico e o comando das prisões brasileiras em outros estados também caracterizam essa etapa.
Que papel teve o Massacre do Carandiru no nascimento do PCC?
O PCC surgiu um ano depois do Massacre, em 1993, a partir de um duplo homicídio que aconteceu na Casa de Custódia de Taubaté, quando os presos envolvidos fizeram um pacto, uma aliança de proteção mútua. Esses acontecimentos não resumem o processo, mas são marcadores importantes. A criação do PCC é decorrente do contexto de extrema violência que o sistema prisional de São Paulo vivia e o Massacre do Carandiru é o mais emblemático desses eventos, mas não é isolado. A política de encarceramento também é decisiva para sua criação.
Em termos de política de segurança pública, desde o Massacre até hoje, houve avanços? Ou estamos no mesmo lugar há 25 anos?
Sim. A única mudança que a gente pode identificar, em São Paulo pelo menos, é o maior cuidado, se é que dá para falar em cuidado, da Polícia Militar na invasão de presídios. Passou-se a evitar a entrada da corporação. A Secretaria de Administração Penitenciária, que ainda não existia, passou por um processo de autonomização da administração penitenciária. Foram criados grupos específicos de funcionários, não só de agentes penitenciários, mas para fazer a escolta de presos, a vigilância das muralhas, intervenção. Isso também é uma decorrência do Massacre do Carandiru e faz parte das consequências do aumento da população carcerária no estado paulista. O crescimento do sistema prisional exigiu uma estrutura burocrática administrativa separada e a criação de carreiras específicas para atuar no sistema.
Sobre os massacres no Amazonas e em Roraima, de quem é a responsabilidade pelas mortes dos detentos?
Independentemente de quem foram os assassinos, se policiais, agentes, funcionários ou outros presos, a responsabilidade pela vida da população carcerária é do Estado.
Ainda é obscuro o papel da Polícia Militar nesses massacres recentes…
É muito inquietante imaginar como todas aquelas armas de fogo foram parar nas mãos dos presos. Eram armas longas, grandes. Sinceramente, não vejo condições de isso ter ocorrido sem que houvesse facilitação ou participação direta de agentes públicos. A participação do Estado vai muito além de simples omissão. Essas armas não entram num presídio se não há conivência, participação mais robusta do Estado. A gente não sabe qual é o grau dessa participação ou até onde vai, se é um funcionário corrupto ou algo mais estrutural.
Que relação há entre políticos locais e facções criminosas?
Acompanhei por alto uma investigação que ocorreu no Amazonas, a La Muralla, que girava em torno das relações da Família do Norte com políticos. Tudo sugere que esse evento de Manaus não aconteceu por acaso. Além disso, parece que a empresa que administrava o presídio (Umanizzare, que faz a gestão privada do Complexo Prisional Anísio Jobim, o maior de Manaus) tem uma promiscuidade na relação com o governo, com a secretaria. Todo mundo quer lavar as mãos. Há um ofício informando o governo e a secretaria, comunicando a entrada de armas de fogo no final do ano passado. Havia o pedido para restringir. Todo esse conjunto de dados evidencia que existe um componente, cuja dimensão ainda não sabemos, de participação do Estado.
É comum a existência de acordos entre governos e facções?
Especialmente em São Paulo, não sei se a gente pode falar em “acordo” porque acho que Marcola (líder do PCC) e Alckmin (governador de São Paulo, Geraldo Alckmin) não se sentaram à mesa diretamente. Por isso, chamo de “acomodações”. Construiu-se em São Paulo – e talvez até isso esteja ameaçado – um quadro na segurança pública e no sistema prisional que tem uma estabilidade, em que se confia em alguns consensos. Uma questão basilar desse consenso é o fato de presos tidos como as principais lideranças do PCC nunca terem sido transferidos para o sistema penitenciário federal ou sequer terem entrado no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado, que submete o preso a um grau maior de isolamento). Estavam numa penitenciária que formalmente é comum.
O que significaria a transferência para uma penitenciária federal?
As federais têm capacidade muito maior de cortar a comunicação. O Brasil tem quatro desses presídios. São extremamente rigorosos em termos de regime disciplinar. Neles há a área do RDD e da pena que não é RDD. Mas mesmo a área “comum” é muito mais rigorosa que as penitenciárias estaduais: o preso fica numa cela sozinho, tem duas horas de sol, não tem televisão na cela, rádio. Nas estaduais, a realidade é outra. A maioria dos presos apontados como líderes do PCC está em Presidente Venceslau II, em São Paulo, onde há uma segurança rigorosa, mas não tanto quanto nas federais. Lá, os presos têm três horas de banho de sol, estão em celas coletivas, têm televisão e visita íntima. Uma operação do Ministério Público de São Paulo denunciou que os presos têm uma série de regalias. É uma informação significativa que ajuda a entender o cenário (a Operação Ethos aconteceu no final de 2016. Constatou-se que advogados, por meio de pagamento de propina a pessoas envolvidas com órgãos do Estado, visavam concretizar o objetivo de facções criminosas, de financiar o controle de agentes públicos e colaboradores).
Por que é uma informação significativa?
Porque a imagem que se vende das penitenciárias estaduais é de que elas são muito rigorosas, de que os presos de São Paulo estariam nas penitenciárias de segurança máxima e não precisariam ir para o sistema federal. Com essa investigação do Ministério Público, várias coisas foram reveladas. Uma delas é que os presos gastavam milhares de reais com médicos, com coisas que a população comum do sistema prisional não tem. Fala-se, por exemplo, que Marcola queria colocar botox. Os presos dos outros presídios estão morrendo por falta de atendimento médico. Após essa operação, aqueles presos apontados como cúpula do PCC foram para o RDD. Fico me perguntando se o que aconteceu em Manaus seria coincidência.
No seu trabalho de doutorado, a senhora diz que o PCC tem uma dimensão regulatória. O que isso quer dizer?
Dentro das prisões, todos os conflitos, as relações que podem carregar algum grau de conflito, são mediados pelos membros do PCC. Qualquer coisa que fuja às normas de convivência na cela é levada aos membros do PCC na unidade. Eles fazem a mediação do que aconteceu, ouvem quem acusa, ouvem o acusado e as testemunhas, e definem o que fazer, seja punição ou não. Isso vale para qualquer coisa que você imaginar dentro de uma prisão, desde as coisas mais banais e cotidianas. Existem unidades prisionais em São Paulo que têm 60 presos numa cela onde caberiam 12. Imagina o grau de conflitos dessa convivência, inclusive violentos. Nessa dimensão é que o PCC tem uma atuação importante em termos regulatórios e de mediação de conflitos. Essa atuação faz com que os espaços sejam mais pacificados do que eram há 20 anos. Por isso, o PCC conseguiu se tornar essa instância central de mediação e regulação. Hoje, um preso num sistema prisional não pode resolver um conflito por ele mesmo, da maneira que achar melhor. Isso é fundamental para entender como a violência física, especialmente os homicídios, caiu muito nos presídios paulistas.
Depois dos assassinatos dos membros do PCC no Amazonas, isso pode mudar?
Não sei. Mas essa dimensão da redução da violência física é uma das características mais importantes dessa terceira fase do PCC, demonstra sua hegemonia. O PCC só passou a prescindir da violência física direta como forma de regulação dos conflitos no momento em que se tornou hegemônico em São Paulo, e não é mais ameaçado por outros grupos.
Em declarações sobre os assassinatos em Roraima e Rondônia no final de 2016, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (indicado por Temer ao STF no dia 6 de fevereiro), se negou a falar sobre as facções. “Não comento sobre criminosos”, disse. Como enfrentar a questão se não se considera a existência e a importância desses grupos?
Tendo em vista as pessoas que estão à frente dos ministérios, especialmente o Ministério da Justiça, é muito difícil falar qualquer coisa. Essas pessoas não têm a menor capacidade de encontrar uma solução para o problema. Primeiro, por incapacidade, incompetência. Segundo, porque não têm esse interesse específico. O interesse do ministro da Justiça é se eleger, ser um candidato viável eleitoralmente. Nada do que ele diz tem o objetivo de resolver o problema. Fala as bobagens que fala não porque não saiba da situação. Foi secretário de Segurança em São Paulo, portanto conhece o problema do PCC. Mas fala a partir dos interesses que tem de disputar eleições. É evidente. Durante esses 23 anos de existência do PCC, São Paulo nunca reconheceu o PCC como um problema. Desde que pisei pela primeira vez na prisão, em 2001, a presença do PCC já era ostensiva. Nesses anos todos, nunca vi o governador Geraldo Alckmin (que também governou o estado entre 2001 e 2003 e de 2003 a 2006, e está no governo paulista desde 2011) reconhecer publicamente o PCC como um problema. Todos os secretários de Segurança e de Administração penitenciária também não reconheceram, salvo Nagashi Furukawa (foi secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo entre 1999 e 2006), um dos únicos que tinham uma relação muito menos nebulosa e mais transparente com essa questão. Foi no período dele, por não fazer acordos ou acomodações, que ocorreram as maiores turbulências no sistema prisional. Era um dos poucos que admitiam o PCC como problema. Fora ele, todos os outros minimizaram essa existência.
Poderia ser ignorância ou falta de conhecimento dessas autoridades?
Não acho. Se tivessem reconhecido antes que o PCC tem uma atuação tão forte em São Paulo, tão presente e tão incisiva, e que até por isso os homicídios caíram no estado, talvez os governadores do mesmo partido que se sucederam não tivessem se prolongado tanto tempo no poder. Um dos grandes pilares de sustentação dessa continuidade dos governos do PSDB em São Paulo é a política de segurança, que é muito sensível eleitoralmente. Se tivesse claro, no meu entendimento e de outros pesquisadores, que uma das questões centrais que explica a queda de homicídios no estado é justamente a hegemonia do PCC, essa regulação dos conflitos dentro e fora das prisões, talvez a eleição ou reeleição fosse inviabilizada. Por tudo isso é que a questão do PCC, da segurança pública em geral, é muito sensível no que diz respeito a interesses político-eleitorais e não é tratada de maneira honesta, franca, em que os políticos reconheçam o problema para tentar minimizá-lo. Daí, a gente não consegue avançar.
O que São Paulo tem a ver com o que aconteceu no Amazonas e em Roraima?
O governador Geraldo Alckmin disse que São Paulo não tem nada a ver com isso. É claro que tem. As lideranças estão em São Paulo.
Como vê o Plano Nacional de Segurança divulgado pelo ministro da Justiça?
Na verdade, é mais do mesmo. Além disso, é péssimo até em relação ao que sempre tivemos. Como a imprensa em geral não se interessa pela questão prisional fora desses eventos de violência extrema, daqui a pouco as coisas se acomodam e ninguém vai mais falar no assunto, nem discutir daqui a dois, três anos com Alexandre de Moraes quantos bilhões de reais foram gastos nas penitenciárias federais que ele anuncia e por que estão sendo construídas. Ele fala em investimentos para construir cinco penitenciárias federais, sendo que as quatro que existem estão com vagas ociosas.
Construir presídios resolve? Ou piora a situação, que já é calamitosa?
A cada nova crise desse sistema que está permanentemente em crise, a resposta das autoridades é construir prisões. Foi assim que o PCC cresceu, se expandiu, se fortaleceu e se tornou hegemônico. Foi assim que surgiram as facções em todos os outros estados do Brasil, como o Comando Vermelho. Dizer que vai construir mais prisões, que vai financiar para que os estados construam mais prisões significa dizer que vai aumentar o espaço de atuação dessas facções, vai crescer o número de presos e, portanto, o número de pessoas que estarão sujeitas ao controle das facções. Construir penitenciárias federais significa gastar muito dinheiro porque essas penitenciárias têm uma estrutura cara, e não vai resolver o problema. Gostaria de saber a explicação dele, considerando que as quatro penitenciárias federais têm vagas ociosas. O sistema federal não é para o cumprimento de penas. É voltado especificamente para punição, isolamento de líderes. Vai ficar impossível gerenciar.
Qual o objetivo do sistema penitenciário federal?
Ninguém sabe direito. A forma como vem funcionando é para o preso considerado líder de uma facção. Ele vai e fica um tempo. Inicialmente, não poderia passar de um ano. O sistema não é adequado à Lei de Execução Penal, no sentido de ter trabalho, escola, tudo aquilo que supostamente o detento precisa ter para a ressocialização. É um sistema diferenciado, que deixa o preso em isolamento, com pouco contato com outros seres humanos. O preso não pode cumprir pena ali, embora alguns estejam há muitos anos no sistema federal, totalmente ao arrepio da lei, não sei qual é a manobra jurídica para isso. Um deles é Fernandinho Beira-Mar. Daí, o ministro anuncia a construção de mais cinco desses. Não faz o menor sentido.
O que o ministro pretende com isso?
Quando ele anuncia, a impressão é que está dando uma resposta ao problema. Temos especialistas que falam que uma das características da punição na sociedade contemporânea é que as autoridades dão respostas muito mais simbólicas do que concretas. Porque isso não vai ser cobrado, em termos de resultado, vai cair no esquecimento. A raiz disso tudo, para mim, é que essas pessoas têm seus interesses próprios, políticos, eleitorais e usam esses massacres para sustentar esses interesses, mas sem qualquer preocupação em efetivamente discutir e reconhecer o problema. Aí não tem como entrar numa discussão séria de política pública porque não é nisso que eles estão interessados.
A situação de violência nos presídios não vai parar tão cedo, não é?
Vivemos um momento de tensão no sistema prisional, que deve durar alguns meses. Mas acho que, para a própria dinâmica de sobrevivência, para não se dizimar, vai acabar encontrando um equilíbrio. Até que isso aconteça, estaremos vivendo turbulências. Uma alternativa seria colocar os líderes desses grupos para conversar. É claro que o governo nunca vai admitir publicamente e a gente provavelmente nunca vai ficar sabendo, caso isso aconteça. Mas acho que é uma saída. Isso aconteceu em outros países, como El Salvador. Em termos de encontrar solução, traria uma pacificação. É claro que não seria a solução do problema, porque novos conflitos poderão vir.
Existe solução para a crise nos presídios?
A solução do problema não pode deixar de passar por uma política de desencarceramento. E, claro, uma política ampla que envolva prevenção e atuação de forma mais específica sobre os presos que ficam encarcerados, trabalhar na reinserção, em um sistema de proteção ao egresso, à sua família. Ou seja, uma série de políticas articuladas que pensem no antes, no cumprimento da pena em si e no depois. É uma solução que precisa considerar médio e longo prazos. Mas não teremos isso. Teremos apostas eleitoreiras, de curto prazo, liberação de milhões e milhões de reais na construção de prisões, um ralo que não tem fim, e não vão resolver nada.
Da parte das forças de segurança, não teria que se repensar esse modelo de guerra às drogas, por exemplo?
Quando falo que deveria ter uma política de desencarceramento, não tenho dúvida de que um dos elementos presentes numa política como essa teria de passar pela mudança de fato na questão do Estado em relação às drogas. Porque a gente sabe que a guerra às drogas é uma guerra contra os pobres. Os grandes fornecedores, os financiadores do tráfico não estão na prisão. Quando falo em política de descarcerização, um dos elementos centrais diz respeito a uma nova relação do Estado com as drogas, focada na prevenção e no atendimento aos dependentes, e não na punição, na repressão e no encarceramento. Hoje, no estado de São Paulo, cerca de 30% a 40% estão presos por tráfico. Isso representa uma quantidade significativa de pessoas encarceradas por tráfico e as penas podem ser altas. Se formos analisar os casos particulares, a maioria das pessoas é usuária que vendia pequenas quantidades de droga para sustentar sua própria dependência. Boa parte dos presos respondendo por tráfico de drogas é de pessoas pegas com pequenas quantidades. Seria necessária uma ampla discussão e rever toda a política que tem sido feita de guerra às drogas, que só tem contribuído para encarcerar jovens, cada vez mais jovens, que na verdade são pessoas que estão na prisão por conta de uma série de vulnerabilidades que as tornam suscetíveis a cair nas malhas do sistema de Justiça.
O que significam as imagens de crueldade registradas nos massacres recentes e veiculadas nas redes sociais?
Essa forma de matar com decapitação e mutilação é muito comum. Sempre falo que existe um componente forte do simbólico, de expressar publicamente um poder. Essa dimensão simbólica está amplificada com a difusão pelos celulares e pelas redes sociais. O fato hoje de circular as imagens exponencializa a importância simbólica desse tipo de morte, que tem o objetivo de explicitar o poder. A partir do momento que o PCC adquiriu hegemonia e se consolidou, esse tipo de ocorrência deixou de acontecer por que não seria mais preciso demonstrar seu poder, que está estabelecido. Em outros estados, especificamente num momento de disputa, essa dimensão simbólica adquire importância maior.
Acha que vai haver responsabilização do Estado sobre os últimos massacres?
Acho que não. Para mim, todos aqueles que estavam em cargos de direção no momento dos massacres, teriam de responder criminalmente. As pessoas para as quais foram encaminhados ofícios e que nada fizeram tinham de responder criminalmente, inclusive a empresa que administra o presídio, nas várias denúncias de irregularidade. Acho que não vai acontecer. Nem no Massacre do Carandiru, em que os policiais apertaram o gatilho e atiraram para matar, o Estado foi responsabilizado