Prédio do Louvre Abu Dhabi foi projetado pelo arquiteto francês Jean Nouvel

As mais de 7 mil estrelas que compõem o domo do Louvre Abu Dhabi são uma modesta quantia perto das cifras que cercam o museu inaugurado recentemente nos Emirados Árabes: mais de 1 bilhão de dólares foram gastos entre a construção (US$ 108 milhões), o valor paga ao governo francês pelo uso da marca Louvre por 30 anos (US$ 525 milhões) e ainda o valor pago também à França pelo empréstimo de 300 obras (US$ 750 milhões).

Contudo, se o total de US$ 1,3 bilhões parece alto, ele se torna modesto perto dos US$ 450 milhões pagos pela pintura Salvator Mundi, atribuída a Leonardo Da Vinci vendido, no leilão da na Christie’s de New York, em novembro passado. A obra polêmica, já que seu restauro a tornou praticamente uma nova pintura, foi adquirida pelo departamento de cultura e turismo de Abu Dhabi para o Louvre local. Em resumo: a soma astronômica bilionária para a construção do museu de 97 mil m2 fica pequena quando comparado ao valor de apenas uma obra adquirida para ele. O Louvre original, em Paris, tem por área total 72 mil m2.

Superlativos, no entanto, são comuns nos Emirados Árabes e o Louvre não é exceção. O projeto do arquiteto francês Jean Nouvel para o museu tem por marca um domo de 180 metros de diâmetro quase o comprimento de dois campos de futebol, já que oficialmente a metragem de um campo é de 105 metros. O domo é formado por 7.850 estrelas entrecruzadas e cria um ambiente protegido com luzes e sombras projetadas sobre 26 edifícios independentes. A sensação, com isso, é de se estar em uma vila no deserto protegida por uma grande nuvem. A área expositiva total chega a 8,6 mil m2, sendo que 6,4 mil m2 deles são utilizados para a mostra permanente.

Público dos Emirados Árabes Unidos visita o museu. Foto: Marc Domage

Para a construção do museu sobre um aterro foram utilizados 503 mil metros cúbicos de areia drenada do mar, cobrindo uma área que é de cerca de 10% do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, com seus 1,2 milhão de m2.

Os números são necessários para dar um pouco da dimensão um tanto extraordinária desse oásis cultural no meio do deserto dos Emirados Árabes, mas ao contrário de alguns projetos da região, que brilham muito mas ao final se tornam meros pastiches da decadente sociedade ocidental, o Louvre Abu Dhabi tem méritos louváveis.

Museu Universal

“A construção do museu se deu junto com sua concepção museológica, arquitetos e curadores pensaram em sintonia, desde o início, como organizar uma instituição dessas no século 21”, disse Souraya Noujaim, diretora executiva do Louvre Abu Dhabi, a um grupo de jornalistas, em março passado, que incluía ARTE!Brasileiros. Escolhida para o cargo em fevereiro passado, Noujaim trabalhava no projeto já há quatro anos pelo lado francês no acordo binacional, sendo curadora para arte islâmica na Agência de Museus da França.

O percurso na mostra permanente é cronológico, com exceção da primeira sala, chamada O Grande Pátio, onde obras de distintos períodos são agrupados por temas. Entre os destaques estão três peças que tratam da maternidade: uma escultura egípcia da deusa Iris com seu filho Horus (800 – 400 a.C.), uma imagem de marfim da Virgem com Jesus (1320 – 1330) e uma peça em madeira da República do Congo de Phemba (século 19), a figura da maternidade do povo Yombe.

O trio representa bem o conceito do Louvre Abu Dhabi como “museu universal”, já que apresenta desde como a maternidade era representada na civilização egípcia séculos antes de Cristo, passando pela religiosidade católica e chegando à cultura africana da região do Congo.

“Para demonstrar o que a humanidade tem em comum, Louvre Abu Dhabi usa o caminho da universalidade”, afirma Jean-François Charnier, diretor da Agência de Museus França, entidade responsável pela contrapartida francesa no acordo de construção da nova instituição.

No total, a mostra permanente espalha-se por 12 galerias, além de O Grande Pátio, começando por As Primeiras Vilas, onde encontra-se a impressionante Estátua Monumental com duas cabeças, emprestada pelo Departamento de Antiguidades da Jordânia, de cerca de 6.500 a.C., que lembra as esculturas delgadas de Giacometti, até Um palco global, com obras contemporâneas, nem todas tão unânimes em qualidade, como o arroz de festa Ai Weiwei, com uma escultura de luzes inspirada na Torre de Babel _como sempre o efeito se sobrepondo ao conteúdo.

Grand Vestibule, Louvre Abu Dhabi. Foto: Marc Domage

No percurso das 12 galerias a diversidade de fato é uma tônica, e algumas peças como Leão de Mari-Cha, produzida na Andaluzia ou no sul da Itália por volta do século 11 que, acredita-se, produzia som. “Ela representa esse encontro de culturas durante a Idade Média, uma peça islâmica produzida no Ocidente”, explicou Souraya Noujaim na galeria 6 Do Mediterrâneo ao Atlântico, onde ela se encontra.

Apesar de Salvatore Mundi ainda não estar em exibição, outra pintura de Leonardo da Vinci reina na galeria 7, O Mundo em Perspectiva. Trata-se de La Belle Ferroniere, realizada em Milão entre 1495 e 1499, e que é uma das 300 obras em comodato do Louvre em Abu Dhabi, provavelmente a mais valiosa.

Além da mostra permanente, o Louvre Abu Dhabi tem ainda duas galerias para exposições temporárias. Em março passado, “From one Louvre to another” (de um Louvre para outro) abordava de forma comparativa o nascimento do Louvre, em Paris, em 1973, com o novo nos Emirados Árabes, 224 anos depois.

Já “Globes, Visions of the World” (Globos, visões do mundo) apresentou a história da relação entre a noção astronômica da esfera e a criação de objetos com0 os globos, astrolábios e mapas em um percurso que mistura fé e ciência.

Seja nesta última mostra, seja na exibição permanente, a arte e a produção francesa ganham sempre certo destaque, mas afinal ninguém vende uma marca por meio bilhão de dólares e não a valoriza.


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