Vânia Leal
Vânia Leal - Foto: Nailana Thiely

Vânia Leal, foi curadora da Primeira Bienal das Amazônias e acompanha as itinerâncias desta edição, que envolve a saída de diferentes núcleos da Bienal para espaços parceiros. Por cerca de dois anos, a Bienal ocupará os rios amazônicos abrino debates e aproximando territórios.

O projeto de itinerância surgiu da necessidade de levar o acervo das Amazônias brasileira e internacional para os artistas e o público de diferentes cidades nas quais a região está compreendida. Com isso, o projeto iniciou sua jornada que já passou por Marabá (PA), Manaus (AM), Macapá (AP), Boa Vista (RO), São Luís (MA) e Canaã dos
Carajás (PA). Esses deslocamentos são enfrentados entre dificuldades e desafios. Para Macapá, por exemplo, onde só se chega de barco e avião, as obras viajarampor meio de balsa.

Atualmente, Vânia Leal é diretora de projetos especiais do Centro Cultural Bienal das Amazônias, em Belém (PA). Além de acompanhar parte dos deslocamentos que a primeira edição continua suscitando, Vânia organiza parte das atividades para a segunda edição da Bienal das Amazônias, que acontecerá em setembro de 2025.

Para a arte!brasileiros, Vânia comentou parte da experiência dessa itinerância.

Leia a seguir.

Por Vânia Leal

Iniciar a jornada da itinerância pela Amazônia Brasileira colocou meu corpo de curadora em deslocamentos por vias de estrada, campos, rios e floresta, utilizando variados meios de transporte: avião, carro e barco.

Em todos os estados, fizemos uma conexão com os rios como fonte de inspiração e desejo das águas, em um processo de hidrossolidariedade, encontro com culturas ancestrais, fusos horários diferentes, tempos amazônicos que alinham nossa espiritualidade com o coletivo.

Eu e Pâmela Carneiro, produtora da itinerância, compartilhamos experiências únicas ao longo dessa jornada. O encontro com o Rio Negro em Manaus, e o rio de Marabá, que se forma pela confluência dos rios Tocantins e Itacaiunas, ressaltam a importância desses marcos geográficos. Também exploramos os rios maranhenses como o Periá, Mapari e Anajatuba, o rio Branco em Boa Vista-RR, e o majestoso rio Amazonas em Macapá, no Amapá. Todas essas vivências foram marcadas por um profundo respeito e rituais de licença e rezo antes de entrar e mergulhar nas águas.

“Corpo de rio” me define numa perspectiva política, cultural, antropológica e humana na mais intrínseca natureza de existir. Ser do Norte e fazer parte da floresta me coloca numa condição de experiência com o lugar de maneira profunda que potencializa o fazer curatorial.

Em São Luís, no Maranhão, dançar o Tambor da Lua com a entidade Nãna Sá foi um presente que o mundo me deu. Nãna fez uma saia para mim em tempo de sóis: a saia ficou estendida em um varal cumprindo ciclos de sol para que fosse autorizada meu vestir e, assim, dançar nas ruas de São Luís.

Ver e acompanhar a queima e produção da cerâmica de Daya Roraima, parte dos ‘Saberes da Koko’Non’ (vovó barro em Macuxi), foi um momento mágico dentro da floresta. Ao redor de uma fogueira, dancei o Parixara para o fogo, envolvida por terra e água, em que a argila descansa através de uma técnica sagrada. A retirada do barro das margens dos igarapés é um ritual. Vivi espíritos felizes com Daya, desde a criação até a inauguração da obra na Praça Cívica de Roraima, terra Macunaimî, que me ensinou a sentir plenamente a força do Pajé Jenipapo, cujos grafismos de cura e bençãos Bruna Macuxi gravou em meu ‘corpo rio’.

Em Manaus, a força do encantamento conduzida pela Pajé e ativista indígena Dyakaripó com ervas, breus e rezos, reafirmou a força dos povos originários. Manaus, terra indígena fincada na floresta, amplia vozes múltiplas do saber e compartilhamento.

Em Macapá, capital que se encontra na linha do Equador, que divide os hemisférios, encontramos um símbolo da diversidade e resistência de uma Amazônia negra. A ancestralidade do barracão da Elisia Congó, em que o Marabaixo é força, é fé e identidade afro-amapaense, nos marcou. Os tambores do Amapá abriram nossa exposição, como povos que honram suas raízes negras.

A Bienal das Amazônias investe em uma política pública e afirmativa que resguarda os saberes ancestrais dos estados brasileiros. A itinerância é uma comunhão com as culturas mães que reforçam os desenvolvimentos das Amazônias que são pulsantes e resistentes.
Eu, como andarilha nessa jornada, levo nossas histórias de quem nasceu na beira do Rio Amazonas e vive nas beiras dos rios das Amazônias em uma comunhão florestânica.


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