Leonilson
Sem título, 1981, lápis de cor, lápis metálico, guache e aquarela sobre, papel 32,5 x 36,5 cm

Foi no final dos anos 1970, que dois estudantes de artes plásticas, ao entrarem em uma galeria, se deram conta que arte não diz respeito apenas à criação. “O que mais chamou a nossa atenção foi o preço do trabalho. Era um negócio totalmente fora da realidade, da realidade do Brasil daquela época. Não é possível, não custa isso, deve estar errado!”, conta Luiz Zerbini, hoje ironicamente um dos mais caros artistas brasileiros, lembrando da visita com José Leonilson a uma mostra de Antonio Dias (1944-2018).

O depoimento, contudo, serve como um preambulo à amizade que acabaria se desenvolvendo entre Leonilson (1957-1993) e Dias, em Milão, logo em seguida. Foram laços tão fortes que levariam, décadas depois, o então artista valioso a comprar obras do amigo prematuramente falecido em decorrência da Aids, tornando possível, hoje, a mostra Leonilson por Antonio Dias — Perfil de uma coleção, que entre 11 de novembro e 14 de dezembro está em cartaz na Pinakotheke São Paulo (rua Ministro Nelson Hungria, 200), após ter passado pela sede carioca.

Se tudo começou com o choque dos altos valores, como narra Zerbini no catálogo da exposição, foi no outono de 1981 que Leonilson de fato encontraria Antonio Dias, em sua casa em Milão, por indicação de outro brasileiro, Arthur Luiz Piza (1928–2017), que vivia em Paris.

Em outro depoimento no catálogo da mostra, agora de Paola Chieregato, ela conta como Dias influenciou o então jovem artista recém-chegado à sua casa em Milão, que já estava pronto para voltar para Jericoacoara — Leonilson é cearense —, com uma pasta cheia de desenhos embaixo dos braços. “Foi aí, naquela casa de Milão na frente do castelo, que Leonilson foi impulsionado por seu mentor para que tomasse finalmente as rédeas de sua profissão de artista nas próprias mãos e, assim, com coragem e determinação, foi se apresentando na cena italiana”, conta Paola, viúva de Dias.

Foi ele, nesse contexto, quem indicou a galeria de Enzo Cannaviello para Leonilson, que comprou seus trabalhos e o inseriu em algumas mostras, além do pai da Transvanguarda, Achille Bonito Oliva. A amizade se fortaleceu e, mesmo Antonio Dias vivendo na Europa, ambos se encontravam regularmente. Uma carta de 3 de maio de 1993, enviada pouco antes da morte de Leonilson, mostra o apreço de Dias pelo amigo, ao falar de duas obras de Leonilson que havia trazido para sua residência permanente, em Colônia, na Alemanha: “Agora, penso em você todo dia. (…) gostaria muito de lhe rever e dizer novamente que eu gosto mesmo de lhe ter como amigo”.

Não deu tempo, mas após a morte de Leonilson, Dias passou a buscar adquirir seus trabalhos, especialmente os vendidos em Milão, com a ajuda de Paola, a “garimpeira”, como ele a chamava. A mostra na Pinakotheke reúne, assim, os 38 desenhos e pinturas da coleção de Antonio Dias, exposição que começou a ser planejada em 2015, quando Dias preparava sua individual na Galeria Multiarte, em Fortaleza. Quatro obras pertencentes a outras coleções particulares complementam a exposição.

Trata-se, portanto, de uma faceta um tanto desconhecida de Leonilson, tomando-se em conta as recentes mostras a ele dedicadas no Brasil, um recorte de seu início de carreira, com a maior parte das obras vindas dos anos 1981 e 1982. Há apenas um bordado dos anos 1990, por exemplo, técnica que dá a ele maior projeção e reconhecimento, especialmente pelo caráter autobiográfico que ele imprime aos seus últimos anos.

As obras na mostra são mais experimentais, como um políptico em papel colorido, que lembram mesmo certos trabalhos do próprio Antonio Dias. Por outro lado, a escultura Ponte, de 1982, traz já uma imagem que ficará recorrente em sua carreira.

Os trabalhos em exposição de fato apresentam uma alegria, que contrastam com a melancolia do final de carreira, em parte assim vistos pelo tom das fitas deixadas pelo artista. Nesse diário gravado, que gerou dois filmes, Leonilson projeta uma imagem contestada por Zerbini no catálogo, que o levava a planejar a destruição das fitas, junto com Antonio Dias: “Achávamos, e acho ainda, que elas propagam uma imagem que não corresponde à realidade. Leonilson foi uma das pessoas mais engraçadas, inteligentes e rápidas de raciocínio que conheci. Dono de um humor rasgante, cruel.” E Zerbini conclui defendendo que “o sofrimento que a doença causou não há de contaminar o seu trabalho, mas, para isso, não deveríamos repercutir, supervalorizar o momento em que ele aparece mais fragilizado”.


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