"Tan Tan Bo", 2001, da série de pinturas de Mr. DOB. Foto: Divulgação/ Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co.

Tudo parece grandioso no universo artístico de Takashi Murakami. Seja a dimensão das obras – o artista japonês chegou a produzir um quadro de 100 metros de comprimento; o tamanho de seu estúdio perto de Tóquio, onde trabalham cerca de 100 funcionários; os valores estrondosos de seus trabalhos, que alcançam alguns milhões de dólares; e a influência que Murakami alcançou no mundo da cultura pop, tendo feito parcerias com músicos como Kanye West e Pharrel Williams e com grifes como Louis Vuitton. Criador de uma empresa com escritórios no Japão e nos EUA (a Kaikai Co.), de uma galeria de arte em Tókio e organizador de uma feira de arte bienal que promove novos artistas, Murakami montou um verdadeiro império que vai muito além das fronteiras de seu país.

Inevitavelmente, é grandiosa também a repercussão controversa que sua produção e atuação receberam ao longo das décadas. O artista de 57 anos, que possui 1,6 milhão de seguidores no Instagram, coleciona fãs e críticos ao redor do mundo, desde aqueles que o consideram um gênio comparável a Jeff Koons, Damien Hirst ou mesmo Andy Warhol até os que o enxergam mais como uma personalidade pop do que como um artista de produção relevante. Para alguns, a estreita relação de Murakami com o mercado carrega também ironia, crítica ao sistema e profundidade artística; para outros, trata-se apenas do reflexo de uma produção de fácil aceitação, estrategicamente pensada para agradar demandas comerciais.

Seja como for, no destacado currículo de Murakami – que inclui individuais nos mais importantes museus dos EUA, Europa e Ásia – surpreendentemente não havia ainda nenhuma exposição na América do Sul. A lacuna é suprida agora com a mostra Murakami por Murakami, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, que reúne grandes pinturas, esculturas, vídeos e animações feitas pelo artista ao longo de sua carreira, especialmente na última década.

“Murakami Arhat Robot”, 2015. Foto: Divulgação/ Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co.

Em entrevista à ARTE!Brasileiros concedida em uma das salas da mostra, as roupas coloridas e extravagantes vestidas pelo artista contrastavam com a formalidade de seu comportamento, o ar pacato e o volume baixo de sua voz. “O mundo da crítica e o mercado não andam juntos, são coisas distintas”, afirma Murakami. “O curioso é que eu recebo muitas críticas, mas continuo vendendo. E quem compra meus trabalhos conhece essas críticas, mas às vezes é isso mesmo que faz com que me apoiem comprando minha arte. Então eu acho que a discussão sobre o que é bom ou ruim, a crítica, não é algo negativo. Ela fala sobre o impacto que um trabalho tem e inclusive agrega valor à arte.”

Estudioso desde jovem do nihonga, estilo de pintura tradicional japonesa, o artista também bebeu desde cedo nas linguagens mais modernas do mangá e do anime – os quadrinhos e animações que são a base da cultura otaku, associada aos jovens japoneses. Nos anos 1990, no entanto, ao se aproximar do universo artístico norte-americano, Murakami passou a desenvolver uma produção que transitava entre oriente e ocidente, entre a pop art e as correntes de seu país. Uma certa obsessão por ser aceito nos EUA, segundo palavras do próprio artista, acabou por dar resultado em meados daquela década, período em que o artista concebeu também seu mais famoso e longevo personagem, o Mr. DOB.

Evocando ao mesmo tempo personagens como Mickey Mouse, de Walt Disney, e Doraemon, do mangá japonês, Mr. DOB ganhou maior complexidade ao incorporar, para além da simpatia, inocência e “fofura” destes ícones, ares de ironia, violência e bizarrice. O resultado é uma curiosa figura com atributos ambíguos, assim como grande parte da obra de Murakami. Em esculturas, quadros e animações, o personagem foi ganhando versões distintas ao longo do tempo, sendo muitas vezes considerado uma espécie de alter ego do artista. Assim como Murakami, Mr. DOB passaria a ser visto simultaneamente como agente capitalizador – transformado em camisetas, bonés e bonequinhos – e elemento crítico da sociedade de consumo.

Já aclamado internacionalmente, Murakami cunhou o termo superflat no ano 2000, para descrever um estilo pictórico nipônico realizado em imagens bidimensionais. Através de um manifesto, o artista enquadrou sua própria produção dentro do termo, mas destacou que superflat se referia também a características para além da pintura: “achatadas”, ou planas, seriam não apenas as figuras representadas, mas também a difícil distinção entre arte erudita e arte comercial. O manifesto se refere ainda à complicada relação entre Japão e EUA após a Segunda Guerra, considerando que a influência americana teve consequências diretas na cultura nipônica desenvolvida nas décadas seguintes.

“Arhats: The Four Heavenly Kings”, 2016. Foto: Divulgação/ Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co.

Reviravolta

Uma grande tragédia ocorrida em 2011 no Japão – com o terremoto e o tsunami que deixaram milhares de mortos na costa leste do país – resultou também em uma virada radical na obra de Murakami. Ao acompanhar as notícias sobre as mortes, destruições e as crianças que ficaram órfãs, o artista se sentiu impelido a retomar suas raízes culturais. “Ali eu senti que precisava virar minha arte do avesso. Até então eu usava muito uma gramática da arte nova-yorkina, mas a partir de 2011 comecei a inserir mais essa história e cultura japonesas dentro da minha arte”, afirma.

Boa parte das obras expostas no Instituto Tomie Ohtake são deste período mais recente, no qual Murakami estreitou também seus laços com o Zen Budismo. Alguns exemplos são os grandiosos quadros – o maior da mostra de com 10 metros de comprimento – com motivos tradicionais, animais e feras mitológicas ou com os célebres arhats, que no budismo são seres que alcançaram elevada estatura espiritual. A exposição conta ainda com uma série de vídeos e animações; esculturas banhadas a ouro que transparecem um lado mais “gracioso” da produção do artista; um autorretrato escultórico de silicone com dispositivos robóticos, que apresenta o próprio artista em tamanho real; uma série pinturas de ares inquietantes baseada em trabalhos de Francis Bacon (1909-1992); e, claro, uma parte dedicada ao Mr. DOB.

Estranhamente, apesar de afirmar a crescente proximidade de sua obra com a cultura japonesa, Murakami soa rígido ao dizer que não tem mais vontade de expor em seu país – uma mostra aberta recentemente em uma galeria foi uma exceção, por conta de um projeto pontual de terceiros. Isso porque não considera que seu trabalho é bem recebido no Japão como foi em outros países, inclusive por conta da pouca distinção entre cultura de massa – mangá e anime – e as artes plásticas. “Quando eu expus os 500 arhats [a obra de 100 metros] em Tóquio, as pessoas acharam legal, gostaram, mas ninguém se dispôs a preservar, a cuidar. Não sinto o trabalho valorizado. E ali, em 2015, eu senti que o Japão não daria mais, no sentido de que minha arte ali não era considerada artes plásticas, que eu considero que é o principal”, conclui.

Murakami por Murakami
Instituto Tomie Ohtake – Av. Faria Lima 201, Pinheiros
Até 15 de março
De R$ 6 a R$ 12


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