wesley duke lee
Wesley Duke Lee em seu ateliê/casa, situado na avenida João Dias, e agora parte dele remontado e presente em seu instituto, nos Jardins, ambos em SP. Foto: Flávio Pinto Freire

Não faço um texto linear para falar de Wesley Duke Lee, artista multifacetado, cheio de narrativas transterritoriais, inventor de identidades múltiplas fragmentadas, que desde sempre provocam polêmicas. O estilo aristocrático, já presente no sobrenome, o acompanha até a morte em 2010. Filho de pai norte-americano conservador, em 1951 vira a mesa, decide ser artista, frequenta as aulas de desenho no MASP e, no ano seguinte, ingressa na Parsons School of Design, em Nova York.

Pintura, xerox, colagem, escultura, gravura, livro de artista, computação gráfica, quase nada escapou da criatividade de Wesley, pioneiro da linguagem pop no Brasil. Em 1963 adere ao realismo mágico e ensina artistas como Carlos Fajardo, Frederico Nasser, José Resende e Luiz Paulo Baravelli, com os quais trabalha intensamente por dois anos. Alguns anos depois, sua obra sai do plano e ganha o espaço tridimensional. Trabalhos como O Trapézio ou Uma Confusão (1966) e O Helicóptero (1967) já se articulam como ambientes.

Como resgate da produção de um artista imprescindível, é inegável a contribuição do Wesley Duke Lee Art Institute, criado em 2015 pelo galerista Ricardo Camargo com a sobrinha do artista, Patrícia Lee, em espaço anexo à galeria de Ricardo, no Jardim Paulistano. Uma visita ao Instituto coloca o público em contato com o cotidiano do artista, repleto de peças singulares, como o famoso bar onde ele fazia as refeições, além de objetos pessoais, como pincéis, livros, discos e também pinturas, gravuras, desenhos e muitas fotos. A questão central é compreender uma produção que incomoda, transgride, não se deixa domesticar, e que agora está acessível, em escala reduzida, quase uma réplica da charmosa casa/ateliê da av. João Dias, espaço de originalidade e criatividade sedutoras.

Com acesso ao público, o Wesley Duke Lee Art Institute foi criado, na concepção de Camargo, como um espaço para quem quiser ter contato com o realismo mágico, por meio da biblioteca, organização dos objetos nas paredes e do banco de dados com 6.000 documentos. Um dos objetivos do Wesley Duke Lee Art Institute é produzir um catálogo raisonné, para preservação e autenticidade de sua obra. A produção de Wesley é atemporal e transita entre a origem do homem, a sexualidade, a morte, o erotismo e tem a densidade tão forte quanto seu cosmopolitismo vivido entre Brasil, Estados Unidos, Europa e Japão.

Agora, durante a Art Basel de Miami, um público especializado, vindo dos quatro cantos do planeta, pode ter contato com alguns trabalhos e móveis do estúdio de Wesley. A mostra, organizada por Ricardo Camargo e Patrícia Lee, tem a participação efetiva da galeria paulistana Almeida & Dale. Camargo está empenhado na mostra que ocupa um estande de 36 metros quadrados no setor S3 da Feira, onde o expositor só pode exibir um artista. “Escolhemos o Wesley e vamos mostrar nove obras além do seu cavalete principal, um móvel de apoio do estúdio, a máscara de quando ganhou o prêmio na 8º Bienal do Japão, de 1969, fotos, entre outros itens”.

A escolha de obras de várias fases proporciona uma panorâmica da produção de Wesley, como o Capacete do mestre Khyrurgos 1962, o mais antigo entre os trabalhos desta mostra, que marca o nascimento de duas fortes tendências em sua obra: o experimentalismo de cunho mitológico e a colagem. Outra obra pontual é Zona: I Ching, 1964, óleo e colagem s/ tela, que faz parte da série I Ching, composta de seis obras. Com ela, o artista esteve na Wesley Duke Lee Exhibition, na Tokyo Gallery, em 1965, grande momento de sua trajetória, quando vive no Japão por oito meses, e na The Emergent Decade: Latin American Painters and Paintings in the 1960’s, no Guggenheim, em Nova York, em  1966.

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Wesley Duke Lee, ‘Ligas’, 1972.

Assim como vários artistas, Wesley fez todo tipo de experimentação; uma delas resultou na obra A Zona: Arino Boa Viagem, 1969, lápis de cor e colagem, que tem importância especial dentro da sua trajetória. O trabalho foi realizado em 1969, em Los Angeles, durante uma “viagem” lisérgica com dois amigos. Camargo comenta que “apesar dos traços serem delicados, eles carregam uma identidade pictórica forte e definida”. Ao longo de seis décadas Wesley passa por vários “ensaios” e escolhas. Quando chega ao LSD, via experimentação de novos processos, marca uma nova etapa em sua produção. Assim como grande parte dos artistas dos anos 60, ele se interessa em explorar experiências artísticas com a substância.

Wesley sempre teve paixão por mitologias e a leitura da mitologia grega para ele era como se lesse a vida. Na obra O/Limpo: Anima 1971 (arte ambiental) ele agrega objetos variados como papel machê, metal, tecidos, madeira, plástico, ferro, palha, terra, pedra e osso. Camargo comenta que Wesley inicia o projeto O/Limpo, “quando realiza 15 pinturas e esta única instalação, em que retrata máscaras no universo particular ligado às configurações da Mitologia Grega”. O diferencial é que esta obra perpassa por toda a vida de Wesley até sua morte em 2010. Torna-se um work in progress eterno, no qual, de tempos em tempos, ele incorpora novos elementos, como um objeto pessoal de estimação.

Um dos trabalhos que chama a atenção no conjunto é A iniciação do mito de Narcisssus, 1981, lápis, de cor, guache, nanquim, carimbo, colagem, fita adesiva s/ cartão e papelão. Nele, a inspiração de Wesley é a atriz Sônia Braga de quem ele era admirador. É ele mesmo quem comenta esta obra. “Na lenda, Narciso era castigado por admirar sua própria imagem no lago. Eu levo o mito mais adiante: ele olhava o fundo do lago… isso eu captei deste momento de Sonia”. Sensualidade e erotismo são o binômio essencial na obra de Wesley. Com Tantratem, 1999, tinta spray, óleo, cadarço e colagem s/ cartão, ele remete à energia sexual do Tantra, evidenciando o que sempre foi tão importante em sua poética: duplicidade dos seus temas, o real e o mágico, o diálogo entre o mundo presente e o mundo dos sonhos. Com Retrato de Luzia ou a respeito de Titia 1969 (arte ambiental) liquitex s/ tela e planta viva com um vaso, Wesley integra objetos e plantas aos quadros na tentativa de  aprofundar a aproximação de mundos diferentes, criando um jardim sobre o jardim de sua memória.

Camargo fala com entusiasmo sobre o renascimento da produção de Wesley. “No ano passado, a obra  Trapézio ou uma Confissão”, feita para a Bienal de Veneza de 1966,  integrou a coletiva The Word Goes Pop, na Tate Modern Gallery. Soffia Gotti, que colaborou na mostra, diz que descobriu a obra de Wesley quando visitou São Paulo pela primeira vez, durante o processo de pesquisa para The World Goes Pop”, quando conheceu a coleção Roger Wright, que está agora na Pinacoteca do Estado. “Lá eu pude ver pela primeira vez a incrível instalação, uma das poucas que Wesley produziu, chamada Trapézio ou uma confissão. E foi interessante porque nós lemos o título de maneira errada.” Eles não leram confissão, mas sim confusão. “O que é na verdade o elemento chave em toda essa discussão porque há muita confusão sobre o trabalho de Wesley. Mais ainda, essa instalação em particular foi catártica no meu entendimento sobre a sua prática de maneira mais geral, porque é um cubo imersivo em barras, suspenso em painéis, sendo dois de madeira e dois de acrílico.”, comenta Soffia.

Camargo fala da forte presença de Wesley nessa mostra e se diz satisfeito com o conjunto significativo que expõe na Miami Art Basel. Diante de um mercado nem sempre conhecedor da historia da arte, no qual as vezes um artista é considerado importante pelo montante que sua obra atinge, é muito oportuno que se coloque foco sobre a esquecida produção de Wesley Duke Lee. Um paulistano especial na história da arte brasileira, um aristocrata entre nós.

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