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É bastante particular a história de uma das coleções mais impressionantes da Europa. Francesco Federici Cerruti (1922-2015) foi um dos mais ricos empresários do ramo gráfico – ele imprimia listas telefônicas e com elas fez fortuna. Apesar disso, tinha uma vida quase monástica. Vivia em um apartamento modesto em Turim, perto da empresa. Não casou nem teve histórias públicas com amantes. Seu passatempo era colecionar, tanto livros raros, como móveis e arte, o que reunia em uma casa de campo em Rivoli, construída para seus pais, nos anos 1960, mas que se recusaram a morar a lá. Por fora, ela tem um desenho modernista, mas por dentro é como um palácio do século XVIII ou XIX em miniatura.

Nesta casa, Cerruti dormiu apenas uma vez. Mas era nesse ambiente que ele passava os domingos lendo jornais e apreciando suas obras, que datam do século XIV à arte contemporânea, cujo nome mais célebre é Andy Warhol. No total, ela abriga 300 pinturas e esculturas, 300 móveis e 200 livros raros.
Em vida, Cerruti criou uma fundação para manter seu acervo – já que ele não teve herdeiros –, e o Castello di Rivoli foi escolhido para administrar o museu-casa. Foram quase quatro anos, entre 2016 e 2019, que Carolyn Christov-Bakarkiev se dedicou a organizar o acervo.

“A ideia foi manter as obras de arte como estavam na casa, mas, ao mesmo tempo, garantir as condições de segurança e clima de um museu”, explica. Apesar de ser uma casa, a curadora aponta um caráter dramático em sua constituição. “Esta casa foi uma espécie de teatro para o Cerruti, ele nunca viveu lá, não havia sequer gás na cozinha. Independentemente do período, que vai de 1300 até o século XX, as obras eram exibidas em um ambiente doméstico”, explica a diretora.

E esse “espírito doméstico” foi mantido para evitar o cubo branco dominante nos espaços expositivos típicos do século XX. “O museu de arte moderna criou um espaço branco que gera valor para o trabalho, mas que também o distancia de sua função que é elaborar a vida por meio do simbólico, para usar um termo lacaniano. Então busquei manter esse espírito doméstico”, diz ainda Carolyn.

Ela compara a casa de Cerruti a outro espaço organizado pelo escritor turco Orhan Pamuk, em Istambul, um museu ficcional criado junto com o livro O Museu da inocência. A diferença obvia é que enquanto no museu de Pamuk os personagens que ele aborda são de fato ficcionais, Cerruti, apesar de todo o mistério em torno de sua história, foi ele mesmo que reuniu toda a coleção, comprando as obras especialmente em galerias e leilões. O próprio Castello di Rivoli, lembra a curadora, também possui história semelhante, já que foi uma residência da família Savoy. “Cerruti me ajuda a olhar o Castello di Rivoli de forma renovada”, diz Carolyn.

O acervo é bastante eclético, com um tom bastante internacional, sem buscar assim refletir a produção italiana, especialmente do movimento Arte Povera, que tinha muitos artistas vivendo na região. Assim, nomes estelares como Francis Bacon e o próprio Warhol, são alguns dos contemporâneos mais proeminentes, mas os modernistas são imensa maioria na coleção, entre eles Kandinsky, Miró, Renoir, Chagall, Egon Schiele, Giacometti, Magritte e Picasso. Claro, italianos de renome também foram incluídos, caso de Morandi, Giorgio de Chirico, Lucia Fontana, Giacomo Balla e Modigliani. A última aquisição de Cerruti ocorreu em 1914, cinco anos antes de sua morte, em um leilão da Sotheby’s, uma pintura de Renoir, Jovem mulher com rosas, de 1897.

Enquanto museus devem se preocupar em constituir acervos que tratem da história da arte de uma forma ampla e inclusiva, coleções como a de Cerruti refletem a mente de um colecionador, e visitar a casa é como adentrá-la. ✱

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