Foto: Robert Frank

Com a inauguração de sua nova sede paulistana, no dia 20/9, o Instituto Moreira Salles (IMS) inicia uma nova fase. Serão mais de mil metros quadrados de espaço expositivo, dividido em três grandes galerias com pé direito duplo. O prédio, projetado pelo escritório Andrade Morettin Arquitetos, ainda conta com amplos espaços para uma biblioteca especializada em fotografia, com capacidade para até 30 mil publicações (no momento conta com 7 mil livros), salas para realização de cursos, oficinas, espetáculos de música, sessões de cinema, restaurante e livraria. Situado na Avenida Paulista, bem próximo à Av. Consolação e servido por duas estações de metrô, o espaço deve promover um crescimento exponencial do público alcançado pelo Instituto, lançando à organização o desafio de conciliar um trabalho para um público de massas sem perder de vista suas diretrizes básicas.

A instituição, que celebra este ano 25 anos de existência, tem eixos de ação muito definidos, sendo a fotografia sua principal área de atuação, seguida das áreas de música e literatura. A história do IMS está, desde seu nascimento em 1992, intimamente vinculada à ideia de preservação da cultura brasileira e a uma estratégia de aquisição, preservação, restauro e divulgação de importantes acervos, de nomes importantes como Marc Ferrez e Marcel Gautherot (fotografia), Album Highcliffe (iconografia), Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha (música), além de cuidar dos arquivos pessoais de 29 escritores brasileiros. Para se ter uma noção da dimensão da coleção, basta lembrar que apenas o acervo de fotografia reúne mais de dois milhões de imagens e não para de crescer. Tem também buscado, nos últimos anos, ampliar seu olhar para a produção contemporânea.

“Nossa ideia é oferecer uma programação que talvez o público não espere”

Outro aspecto importante na trajetória do Instituto, e que deve ganhar um enorme peso com o novo espaço, é o que Flavio Pinheiro, à frente do IMS desde 2008, define por uma “ambição curatorial crescente”. É verdade que anteriormente o Instituto possuía um espaço na Praça Buenos Aires, mas era uma sala acanhada, tímida, que não tinha condições de receber boa parte das exposições organizadas internamente. As exposições maiores realizadas nos últimos anos, com o material dos arquivos ou em parceria com importantes instituições nacionais e internacionais (como as de William Kentridge, Richard Serra, Anri Sala), quando vinham a São Paulo, eram mostradas em espaços parceiros, como a Pinacoteca, por exemplo. A sede carioca, que ocupa a antiga residência da família Moreira Salles no bairro da Gávea, é extremamente charmosa porém mais distante do público. Tem um público cativo, mas restrito. O terreno é amplo (11 mil metros quadrados, o que permitiu que todo o acervo passasse a ser guardado ali), mas seu espaço expositivo é relativamente pequeno. Apenas uma das três galerias de São Paulo já a supera em tamanho. E a sede de Poços de Caldas (cuja inauguração, em 1992, marca o nascimento do IMS) tem alcance apenas regional.

“Esse é o grande desafio. O Instituto tem muito prestígio, mas nunca teve de fato esse público, essa visitação mais rápida, mais variada. O objetivo é manter nosso padrão de qualidade. A gente não quer perder esse rigor”, ressalta Lorenzo Mammì, curador geral de programações e eventos do IMS.

A agenda preparada para a inauguração do prédio já sinaliza o caráter plural que a instituição pretende adotar. A antológica série The Americans, feita em 1955 por Robert Frank (além da exposição de fotografias, haverá também um curso sobre a geração beatnik e uma mostra de cinema), ocupará uma das galerias. O segundo espaço abrigará Corpo a Corpo, uma exposição coletiva de fotografia contemporânea brasileira, que reúne trabalhos de Bárbara Wagner, Jonathas de Andrade, Sofia Borges, Letícia Ramos, Garapa e Mídia Ninja. São imagens recentes, posteriores aos protestos de 2013, que parecem ter inaugurado um novo momento político e social no país, e que lidam com a corporificação da violência, do confronto, das tensões de classe e de poder. A Galeria 1 receberá a videoinstalação The Clock, de Christian Marclay – agraciada com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza de 2011.

Exibição de The Clock, de Christian Marclay (Foto: Divulgação)
Exibição de The Clock, de Christian Marclay (Foto: Divulgação)

A tendência – como se pode notar –  é privilegiar as imagens técnicas, produzidas com aparelhos. “A foto renova-se em sua banalidade digital. Ela não acabou, o que torna ainda mais exigente o nosso papel de mediador”, explica Pinheiro. O cinema também terá seu lugar de destaque, ocupando, com uma intensa programação, o auditório multimídia com 150 lugares (que tem condições de projetar tanto filmes analógicos como digitais, bem como preparo acústico para eventos musicais). O objetivo é trabalhar o caráter diverso da produção audiovisual, complementando a já vasta programação cinematográfica existente na Paulista e combinando o novo e o antigo, uma seleção de produções recentes de acesso mais restrito com a divulgação de um vasto e mais desconhecido material de arquivo, de caráter mais histórico. “Nossa ideia é oferecer uma programação que talvez o público não espere”, afirma o cineasta Kleber Mendonça Filho, consultor responsável por essa programação.

A presença de The Clock, que sincroniza em tempo real diferentes imagens de relógios capturadas no cinema, serve de gancho para uma ação ousada: a decisão de manter, um dia por semana, o instituto aberto 24 horas. Mais do que permitir que o trabalho seja apreciado na íntegra e transgredir os limites rígidos de funcionamento, esse horário alternativo tem por objetivo reafirmar o vínculo entre o novo espaço e seu público, dando corpo a um centro de cultura plenamente integrado com a cena urbana, em suas mais diferentes feições, do período comercial à madrugada.

Esse entrecruzamento com a cena urbana e seus habitantes se reflete em outros aspectos do IMS paulistano, com efeitos tanto na programação de longo prazo quanto na própria arquitetura do espaço. O projeto do escritório Andrade Morettin se impõe, com sua roupagem leve, de vidro, na paisagem da Avenida, como é possível constatar nas fotos feitas ao longo de todo o período de construção por Michael Wesely, que também estarão em exibição. E busca integrar-se a este espaço recriando, no quarto andar do novo prédio, um espaço de convivência que funcionará como uma espécie de praça, com a dupla função de acesso e espaço de convívio, enquanto o andar térreo é pensado como uma continuidade da rua, dialogando também com outros dois prédios icônicos da Paulista: o Masp e o Conjunto Nacional.

Essa integração também se encontra na escolha do tema para a primeira de uma série de mostras de longo prazo (um ano de duração), aos cuidados de curadores convidados, que ocupará o último andar do edifício, num sistema de projeção imersiva de imagens. A seleção inaugural, a cargo de Guilherme Wisnik, se debruça exatamente sobre a iconografia da cidade de São Paulo. São três séries, construídas basicamente a partir de imagens pertencentes a coleção do IMS, intituladas Construção/Demolição, Letreiros e Personagens. Com cerca de 8 minutos, cada série propõe um passeio ao mesmo tempo histórico e poético por aspectos importantes do caráter urbano de São Paulo, traduzindo na prática essa “ideia da natureza de São Paulo como lugar de transformação permanente, de lugar de construção e também de destruição”, explica Wisnik.


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