Still de
Still de "Tomo", de Bakary Diallo. Cortesia Videobrasil

Há uma expressão em Bambara, língua nigero-congolesa falada no Mali, que se refere a um território abandonado por causa da guerra ou conflito. Essa palavra, “Tomo”, também dá nome à última obra em vídeo realizada pelo artista malinense Bakary Diallo que lhe rendeu, como prêmio, a residência pelo 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, em 2013.

Em Tomo (clique aqui para assistir), o conflito ao qual Bakary se refere no título pode ser o bélico ou entre espíritos. Na obra, seguimos o curso de um personagem subjetivo perturbado psicologicamente por sua experiência real da guerra. Ele caminha por um vilarejo abandonado que foi tomado pelas almas daqueles que um dia ali viveram. Eles são representados por fantasmas, ectoplasmas, personagens em chamas e em fumaça. Ainda agarradas à vida terrena, elas continuam a desempenhar suas atividades diárias, realizam tais gestos cotidianos o mais próximo possível da realidade.

A escritora e curadora Renée Akitelek Mboya [1] – em um episódio da série Acervo Comentado Videobrasil – pondera ser interessante, de uma perspectiva linguística, “imaginarmos o ambiente que levou à necessidade da criação de tal expressão, que por si própria é surpreendentemente inclusiva e independente”. Ela lembra ainda que quando a obra foi apresentada, o país já estava inserido na Guerra Civil na qual vive até os dias atuais, cujo início se deu em 16 de janeiro de 2012.

As circunstância que observamos hoje no Mali são parecidas com aquelas que víamos antes da Guerra e com as geradas pelo conflito: uma intensificação dos protestos em um norte conturbado, e problemas que causaram fome generalizada e deslocamentos internos. Foi sobre essas circunstâncias que Bakary fez seu filme. Tem que haver uma forma de usar mídias diferentes, especialmente o vídeo, para recuperar um sentimento de humanidade às pessoas ou figuras que só são consideradas em termos de estatísticas.

Mboya destaca que na obra, o personagem é visto rasgando a terra, no que ela se refere como uma tentativa de arrancar o trauma da guerra de forma física, talvez uma forma encontrada por Bakary para ilustrar a violência que essa mesma terra conheceu.

Indo além da análise do conteúdo visual da obra, a curadora indaga “se Bakary, com este trabalho, estava fazendo algum tipo de ritual de memória, ou um ritual para honrar os conterrâneos que perdeu”. Infelizmente, o autor nunca pode responder à dúvida de sua colega cineasta, o malinense faleceu em um acidente aéreo em julho de 2014, quando viajava com destino à França, de onde partiria para o Brasil para fazer sua residência artística no Instituto Sacatar, na Ilha de Itaparica, na Bahia. Antes disso, em 2010 ganhou uma bolsa da Fundação Lagardère pelo trabalho “Les Feuilles d’un Temps”, pouco tempo depois de ter iniciado seus estudos, em 2007, no Conservatório de Artes e Multimédia de Bamako.

Trabalhando sobretudo com vídeo, usou elementos da vida cotidiana para construir narrativas sintéticas, que frequentemente questionam os efeitos da violência. Apresentou seus filmes em mostras como a Bienal de Arte Africana Contemporânea, Dak’Art, Dacar (2012), l’Afrique en mouvement, Montreal (2012), 9ª Bienal Africana de Fotografia, Bamaco (2011), e 20ª Semana de Cinema Experimental de Madri (2010). Frequentou o Le Fresnoy – Estúdio Nacional de Artes Contemporâneas (2010).

A ideia dos meus trabalhos é deixar uma grande abertura porque em torno de um trabalho, existe o imaginário do artista, o imaginário coletivo, depois disso temos a interpretação que um ou outro podem ter sobre esse trabalho. Por isso sempre procuro a maior abertura possível, para que as pessoas possam viajar e sonhar.

Ainda não conhece o Acervo Comentado?

Acervo Comentado Videobrasil é uma parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória. Confira os outros episódios neste link.

Sobre Videobrasil

A instituição foi criada em 1991, por Solange Farkas, fruto do desejo de acolher um acervo crescente de obras e publicações, que vem sendo reunido a partir da primeira edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (ainda Festival Videobrasil, em 1983). Desde sua criação, a associação trabalha sistematicamente no sentido de ativar essa coleção, que reúne obras do chamado Sul geopolítico do mundo – América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio –, especialmente clássicos da videoarte, produções próprias e uma vasta coleção de publicações sobre arte.

Este projeto contribui para “redescobrir e relacionar obras do acervo Videobrasil, e vertentes temáticas, na voz de críticos, curadores e pensadores iluminando questões contemporâneas urgentes”, afirma Farkas.


[1]  Renée Akitelek Mboya (Nairobi, 1986) é escritora, curadora e cineasta. Seu costume é aquele que se baseia na biografia e na narração de histórias como forma de pesquisa e produção. Renée está atualmente preocupada em ol har e falar sobre as imagens e as maneiras pelas quais elas são produzidas, mas especialmente como elas passaram a desempenhar um papel crítico como evidência da paranóia branca e como expressões estéticas da violência racial. Renée busca entender melhor as maneiras como as imagens são utilizadas para reforçar a narrativa institucionalmente fabricada do corpo racializado como um perigo constante para o direito. Renée trabalha em Dakar e é editora colaborativa do Wali Chafu Collective.

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