Obra OGUM, da série Oferenda à cabeça, de Ayrson Heráclito, exposta em YORÙBÁIANO
Ayrson Heráclito. "Ogum (série "Oferenda à cabeça"), Ayrson Heráclito, 2008-2011. Foto: Divulgação

Articulando culturas diversas que aportaram no Brasil a partir da diáspora africana, um amálgama único de saberes ancestrais, ensinamentos, ritos e visões de mundo preenche o quarto andar da Pinacoteca Estação a partir deste sábado, 2 de abril. Trata-se de Yorùbáiano, que apresenta uma seleção de 63 obras de Ayrson Heráclito. Com curadoria de Amanda Bonan, Ana Maria Maia e Marcelo Campos, a exposição que agora chega a São Paulo foi inicialmente concebida e exibida no Museu de Arte do Rio (MAR), em 2021.

Tratando do trauma da escravidão, a performance Segredos Internos – a ser encenada na ocasião da abertura – dá o tom da mostra. Através de fotografias, vídeos, performances, instalações e registros, Yorùbáiano refaz a memória para secar feridas históricas ligadas à exploração dos corpos e ao silenciamento das culturas afro-diaspóricas. A retomada do passado ganha um sentido de expurgo, de despacho, e os trabalhos buscam representar uma reinvenção poética e política de um Brasil iorubano.

Açúcar, dendê e carne de charque. São esses materiais orgânicos que compõem histórica e simbolicamente o “corpo cultural diaspórico” – conforme afirma Heráclito – que nos guiam pela mostra. “O mundo é como um corpo, um ser vivente. E em meu trabalho toda a utilização dos materiais orgânicos, que são associados às práticas de alimentar as divindades e a natureza, tem a ver com o fato de que a natureza é quem nos dá de comer, é esse sujeito maior que nos guia, nos orienta, nos propicia a vida. E são os elementos da natureza que nos deixam potentes para, por exemplo, transmutar essa ideia de cicatriz, de dor, desse passado colonial que reduziu todo esse conhecimento à ideia de feitiçaria e de macumba”, explicou o artista em entrevista à arte!brasileiros em 2020 (leia aqui).

Na primeira sala expositiva de Yorùbáiano, um conjunto de obras traz o açúcar como forma de rememorar a ganância da monocultura canavieira escravocrata, ao mesmo tempo que evoca Exú, orixá a quem é ritualmente oferecida a cachaça. Ainda no mesmo ambiente, nos deparamos com a polissemia do azeite de dendê, seja na instalação Regresso à pintura baiana – na qual uma maquete da Igreja do Rosário dos Pretos e uma parede do museu são tingidas com o alimento -, na série fotográfica Sangue vegetal, ou em outras instalações e fotografias que compõem essa sessão e que, por vezes, trazem o azeite como símbolo de fluidos vitais do corpo humano.

Já a carne de charque, presente nas obras da sala seguinte, remete a Ogum, ao mesmo tempo que alude às violências sofridas pelo povo negro escravizado. São exemplos de trabalhos com essa temática os registros das performances Transmutação da carneSacudimento. Sobre esta última, o artista explica (em entrevista de 2020): “No meu trabalho, o sacudimento é também uma tática de retornar ao passado afim de sacudir a história, promovendo uma ‘movência’ dos nossos traumas. É uma forma de gerar uma visibilidade para questões que tradicionalmente foram ocultadas, como o processo de desumanização da população africana escravizada”. O registro exposto na mostra atual é da apresentação de Sacudimentos ocorrida nos arredores do edifício da própria Pina Estação, onde funcionou o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão responsável pela detenção de dissidentes políticos nos anos 1960 e 1970.

Na última sala da mostra, entramos em contato com a instalação fotográfica Borí, que traz doze grandes fotografias do ritual de fazer a cabeça, representando cada um dos 12 orixás do xirê. No dia 11 de agosto será possível acompanhar o ritual sagrado que inspira a obra, no espaço Octógono, no edifício Pina Luz, com a presença de músicos e 12 iniciados do candomblé.

SERVIÇO

Ayrson Heráclito: Yorùbáiano
ONDE: Pina Estação, Largo General Osório, 66 – Luz, São Paulo (SP)
QUANDO: 2 de abril a 22 de agosto de 2022
FUNCIONAMENTO: segunda a sábado, da 10h às 18h

 


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