Hélio Campos Mello
Foto: Hélio Campos Mello

O fotógrafo Hélio Campos Mello tornou-se referência não apenas pelo fotojornalismo, nem tampouco por ter sido correspondente de guerra, ou por ter dirigido várias redações, mas pela singularidade com que transforma o registro documental em expressão sensível. Em contraposição à espreita da informação ou à necessidade de retratar uma realidade dolorosa, a exposição Discretas Janelas, em cartaz no Balcão (rua Doutor Melo Alves, 150), convida o público a conferir imagens que tangenciam geometrias, arquitetura e poéticas
e um certo mistério.

As vinte fotografias que compõem a exposição demonstram que as janelas aqui não são apenas passagens de luz, mas trincheiras de observação como bem ensinou o cinema em Janela Indiscreta, de Hitchcock, e nos clássicos faroestes onde cada olhar escondido por trás de uma janela envelhecida e empoeirada podia testemunhar extermínios arrasadores. Aqui, no entanto, o disparo é da câmera fotográfica, discreta, mas reveladora.

Com imagens que ora se esmaecem, ora transbordam de significados, a mostra propõe um olhar que é, ao mesmo tempo, político, poético e humano. A fotografia, neste contexto, permanece enraizada no cotidiano, e Hélio revela essa dimensão ao transformar certos instantes em cenas que se aproximam do voyeurismo, registros da vida que acontece diante ou por trás das janelas.

Elementos da arquitetura estão presentes na compacta mostra, assim como o geometrismo, que nos remete às artes plásticas. “Tive muitas referências que aprofundaram meu olhar desde Caravaggio (1571-1610), que conheci em uma aula, em Florença, onde fiz curso de fotografia”. Ele comenta o quanto se surpreendeu com o mestre do barroco, que aplicava em suas pinturas as técnicas da fotografia: controle de luz, sombra, corte, profundidade, cor, enquadramento. “Embora eu não atue diretamente com as artes plásticas, colaboro com a Arte!Brasileiros, o que me mantém em contato com esse universo. Assim, mesmo que de passagem, as obras de arte me tocam e despertam o meu olhar”, observa.

Entre as duas dezenas de fotos expostas, ele comenta uma delas em que funde numa fotografia, a cena de uma mulher sentada frente à uma grande janela do Whitney Museum de Nova York com a obra do pintor Edward Hopper, pertencente ao acervo, intitulada Woman in the Sun (Mulher no Sol), de 1961. O quadro exibe uma personagem em sala banhada por luz natural, que entra por um grande janelão ao fundo, exatamente como a cena registrada por sua câmera, em que a arte se mistura com a vida real. “Gosto quando uma obra de arte participa da cena. Quando ela não está isolada numa parede, mas conversa com o espaço, com as pessoas, com o momento”, afirma. Essa percepção foi cultivada ao longo de décadas de trabalho de campo e está latente nesse cenário que demonstra a interação entre o objeto fotografado e o cenário circundante. As duas mulheres, a da foto e a do acervo, compõem e sobrepõem um imaginário único.

Hélio atuou como enviado especial em momentos cruciais da história recente: cobriu os anos pesados da ditadura militar brasileira, esteve na linha de frente da invasão do Panamá, (1980) e registrou ainda a tensão da Guerra do Golfo, (1990-1991). Seu trabalho é marcado pela imersão total nos acontecimentos.

A exposição se inicia com duas obras que funcionam como marcos temporais e afetivos, evocando uma atmosfera sensual e intimista. Ambas retratam a mesma mulher em momentos distintos de uma história de amor que atravessa quatro décadas. A primeira imagem, datada de 1973, mostra a jovem nua, deitada de lado, registro inaugural de um romance que viria a se perpetuar. A segunda, realizada em 2024, reafirma a profundidade dessa união e confirma o vínculo duradouro do casal. Aqui temos a mesma espécie de jogo cênico: a mesma posição fotográfica, a mesma complementaridade dos volumes dos corpos e a mesma atmosfera intimista do quarto.

Em meio aos retratos, fotografias biográficas, a mostra também abre espaço à paisagem urbana, destacada por duas fotografias, em que luz e cor se impõem, resultando em uma imagem de caráter quase pictórico, que transforma o imenso bloco de cimento em uma composição vibrante e de linguagem “modernista pop”. Em ambas há um olhar para a arquitetura.

Hélio caminha pelas ruas às vezes fotografando com uma pequena câmera, que faz imagens imprimíveis ou com o celular “porque é prático e portável”. Ele lembra que o Photoshop foi criado em 1987 e lançado em 1990 e que no início algumas pessoas questionavam a nova ferramenta. “Em qualquer tempo ou circunstância não importa o instrumento que você está usando. O importante é o que está sendo registrado em seu cérebro e enviado para o olho”. Aparatos fotográficos mudam constantemente e as novas tecnologias ajudam muito os profissionais. “Quando embarquei para o Golfo, como correspondente de guerra, eu tinha 75 quilos em minhas costas, e pesava 70. Hoje, se eu fosse cobrir outra guerra, eu viajaria tranquilo com meu celular e traria ótimas imagens”, garante.

Com uma carreira construída entre zonas de conflito e o dia a dia de uma grande cidade como São Paulo, ele transita com naturalidade entre a ficção e a realidade, sempre atento ao gesto poético do enquadramento. Depois de cobrir guerras e crises políticas, Hélio passou a explorar temas mais amplos, como a presença da arte na vida urbana, os gestos anônimos nas cidades, a memória silenciosa dos espaços. Seu acervo, hoje, é testemunho visual de várias épocas, um mosaico de imagens que revela tanto o tumulto dos grandes eventos quanto os instantes de quietude entre eles.

Hélio cursou economia no Mackenzie, mas foi na fotografia, estudada em Florença (Itália), que encontrou sua linguagem mais duradoura. Ao longo de sua vida, construiu uma história consistente como fotógrafo e jornalista, com passagens por algumas das principais redações do país. Atuou como repórter fotográfico nos jornais O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Última Hora, além de colaborar com revistas como IstoÉ, Senhor e Veja. Foi diretor de fotografia da Agência Estado e, no jornalismo editorial, exerceu funções como secretário de redação da revista Senhor, diretor de redação da IstoÉ e fundador e diretor da revista Brasileiros.

Neste momento, ele prepara-se para o lançamento de seu site, previsto para breve, além da publicação de um futuro livro, com curadoria de Rosely Nakagawa, figura maior na história e na crítica da fotografia brasileira.


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