Vista da obra de Ascânio MMM, Quasos/Prisma1 (2019). FOTO: Leonor Amarante

A escultura, por meio de rotação, mudança de escala e local, pode submeter o espectador a uma série de deslocamentos e percepções diferentes. Isso ocorre na mostra Prisma, exposição de Ascânio MMM em cartaz na galeria Casa Triângulo. Autor de um concretismo sintético, com concepção e limpeza formal impecáveis, o artista português/carioca chega aos 78 anos ainda surpreendendo. O território atual de Ascânio é constituído por materiais similares e toma um pequeno quadrado de alumínio como módulo que se repete serialmente.

A curadoria firme e afiada do crítico e arquiteto Guilherme Wisnik permite que as obras de escala superdimensionadas, e cada vez mais espaciais, tirem partido do pé direito da galeria. “A decisão foi concentrar nesta mostra os trabalhos novos, todos em alumínio, alguns deles tendo as laterais com cores e que estão na grande sala da galeria”. No entanto, ainda há obras mais antigas na pequena sala e uma na parte externa. Algumas revelam um cinetismo discreto que ocorre devido às manchas produzidas pela parede quando nos aproximamos da peça. “Trata-se de uma percepção ativa que traz uma questão fenomenológica importante. Os halos de cor são a tônica dos trabalhos novos. Um neoconcretismo evidente em que a percepção muda dependendo do lugar onde você está”. Ascânio não trabalha sob o signo da cor, mas com a evidência do espaço criando zonas de energia. Cortes laterais, vazamentos na superfície articulam esses objetos com o espaço real. A superfície não é mais local protegido da representação, mas forma de integra-se ao espaço arquitetônico.

O escultor, que já trabalhou como arquiteto, é um grande construtor capaz de falar tecnicamente sobre uma peça por longo tempo. Em seu ateliê no Rio de Janeiro, mantém quatro funcionários fixos que trabalham com ele fazendo de tudo. Não existe concepção industrial em sua produção, salvo a tinta utilizada.

O artista começou na arte em 1966, quando ainda cursava a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) no Rio de Janeiro, e depois seguiu em paralelo à sua atuação como arquiteto. “Quando cheguei ao Rio, entrei nas Belas Artes apenas para aprimorar o desenho, porque meu objetivo principal era ingressar na faculdade de arquitetura. A opção de me tornar artista veio depois que experimentei a arte”.

Seu pensamento escultórico é construtivo e contempla a engenharia, arquitetura e design. Wisnik ressalta o domínio do escultor sobre o espaço e a espacialidade. “Não é somente a espacialidade do volume, mas também a espacialidade da percepção”. Sobre a grande escultura suspensa no teto ele a compara, pelo volume que chega tão leve no chão, aos pilares do MAM do Rio.

Ascânio levou a escultura a um processo que age entre o controle e a causalidade. Esse jogo de acasos gerou, a notável surpresa da mostra, uma escultura vazada, de forma cilíndrica, lúdica, tendo uma faixa manipulável pelo espectador exatamente em sua metade, uma espécie de versão de outra escultura igual, porém rígida, ambas com espelhos no chão o que as transformam em imagem infinita. “Ver uma e outra é bom porque provoca o envenenamento dessa lógica”. Todo o trabalho de Ascânio vem da tradição construtiva brasileira mais ligada à forma rígida. “Esse amolecimento do parafuso no meio da escultura provoca reflexibilidade, torção e flexão resultantes da desconstrução da malha geométrica construída”.

Ele centraliza todas as etapas do processo de produção e diz que o percurso entre a ideia e a execução da obra se assemelha à metodologia de Alexander Calder, inventor dos móbiles, não em relação à sua obra, mas em seu procedimento. Em ambos há uma combinação entre escultura, pintura e espaço, embora seus trabalhos sejam diferentes. “Assim como eu, Calder desenha, corta a chapa, pinta, monta, tudo passa por ele.”

Aos 78 anos, ao contrário de frear seu ritmo, o escultor segue um fluxo contínuo de criação, reinventando sua obra. Para chegar às peças da exposição, ele trabalhou e retrabalhou cada uma delas por meses até ter as formas desejadas. Ascânio radicaliza a prática escultórica assumindo a obra como um instrumento e não como um fim.

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