Performance de 'O Barco', de Grada Kilomba. Foto: Icaro Moreno
Performance de 'O Barco', de Grada Kilomba. Foto: Icaro Moreno

Em sua retomada de projetos monográficos, o Instituto Inhotim convidou a artista portuguesa Grada Kilomba para ocupar a Galeria Galpão, onde já foram apresentados trabalhos de William Kentridge, Janet Cardiff e George Bures Miller. Ali, Grada recriou O Barco – The Boat, cuja versão original foi exibida em 2021 no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), de Lisboa, e na Somerset House, em Londres.

A instalação que faz parte de O Barco foi feita inteiramente em Inhotim. Ela é composta de 134 blocos de madeira queimada, dispostos em uma área de mais de 220m². A estrutura faz uma alusão às embarcações que transportaram pessoas escravizadas durante séculos de tráfico transatlântico. Com uma tinta a óleo dourada, uma seringa e um pincel, Grada gravou versos do poema O Barco* em 18 deles. O mesmo texto aparece em iorubá, kimbundu, crioulo cabo-verdiano, português, inglês e árabe da Síria.

Em meados de abril, quando a mostra individual de Grada Kilomba foi inaugurada, o poema foi recitado pela primeira vez, durante uma performance com um grupo de cantores de gospel e ópera, bailarinos clássicos e percussionistas, vindos de Portugal. A apresentação será remontada futuramente com artistas locais de Brumadinho e da região, que passarão por oficinas no instituto.

Ao explicar a concepção de O Barco, Grada ressalta que se trata de um “objeto vivo”, e que ela trabalha, em seu processo criativo, com “três grandes temas”: a violência, a morte e a repetição. Um caminho que ela considera “muito intenso”, feito de muita leitura e muita escrita, livros espalhados por sua casa e por seu estúdio.

“Daí eu começo a traduzir a minha pesquisa em imagens, movimentos, sons. E a obra começa então a aparecer. Para mim é importante não me fixar num material ou suporte. A obra me diz como quer aparecer. Com madeira, com terra, com música, performance, recursos digitais. Quase que me sussurra ao ouvido”, diz.

Segundo Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim, O Barco responde ao desejo de articular, na programação, conceitos relevantes para a instituição, a saber, a relação entre arte e natureza, a conexão com o território de Brumadinho, onde se encontra o instituto, e a contemporaneidade.

“Nesse sentido O Barco é um projeto muito simbólico, com muitas camadas. É performático, escultórico, monumental. E também vai ganhando contornos de poesia, de música, e sendo ativado pelo território ao longo do tempo”, afirma Júlia. “É também um trabalho que diz respeito a um passado que precisa ser revisto, revisitado criticamente, mas que também aponta para o futuro. E isso nos interessa muito. Todas essas visadas que nos levam outros contextos, outros mundos possíveis”.

*LEIA ABAIXO O POEMA O BARCO

Um barco, um porão
Um porão, uma carga
Uma carga, uma história
Uma história, uma peça
Uma peça, uma vida
Uma vida, um corpo
Um corpo, uma pessoa
Uma pessoa, um ser
Um ser, uma alma
Uma alma, uma memória
Uma memória, um esquecimento
Um esquecimento, uma ferida
Uma ferida, uma morte
Uma morte, uma dor
Uma dor, uma revolução
Uma revolução, uma igualdade
Uma igualdade, um afeto
Um afeto, a humanidade

 

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