A primeira Bienal das Amazônias transformou o cenário cultural de Belém, no Pará, entre agosto e novembro de 2023, às margens do Rio Guamá. Fruto da visão da produtora cultural Lívia Condurú em colaboração com as curadoras Sandra Benites, Keyna Eleison e Vânia Leal, o evento contou ainda com a assistência curatorial de Ana Clara Simões Lopes e Débora Oliveira.
Seis meses após o encerramento desta edição inaugural, o Centro Cultural Bienal das Amazônias (CCBA) abriu suas portas, consolidando a presença permanente da iniciativa na região. Em entrevista exclusiva à arte!brasileiros, Lívia Condurú, que preside tanto a Bienal quanto o Centro Cultural, compartilha reflexões sobre os desafios superados, o impacto alcançado e as promissoras perspectivas para o futuro deste projeto que reposiciona a Amazônia no mapa cultural contemporâneo.
Como foi transformar um projeto ambicioso como a Bienal das Amazônias em realidade?
Lançar a Bienal das Amazônias em 2023 foi como construir uma instituição no vazio — do zero absoluto. Sem sede, com equipe reduzida, com orçamento muito abaixo do necessário e, ainda assim, com a ambição de fazer uma Bienal internacional a partir do território amazônico.
O plano inicial previa a ocupação de espaços museais do Estado do Pará e do Município de Belém. Quando perdemos esses espaços, sete meses antes da inauguração, tivemos que reformular tudo. Em 43 dias, reformamos um prédio de 8 mil metros quadrados no centro comercial de Belém e montamos a primeira edição da Bienal das Amazônias.
Foi um esforço coletivo imenso. Realizamos uma exposição com mais de 120 artistas de todos os estados da Amazônia brasileira e de todos os países da Panamazônia. O maior desafio foi simbólico: conquistar a confiança do território — mostrar que não estávamos chegando de fora, mas falando a partir da Amazônia, com suas vozes, saberes e corpos.
Estar aqui hoje, com a segunda edição a caminho, prova que boa parte dos entraves foi vencida — com gigantescos desafios, mas com coerência, persistência e escuta ativa.
Após essa primeira edição, que balanço você faz do impacto cultural, institucional e social da Bienal? Quais foram os principais aprendizados e que desafios ainda precisam ser superados para garantir a sustentabilidade do projeto?
O resultado é tangível e simbólico. Em pouco mais de um ano, transformamos um prédio há muito desativado em um espaço cultural ativo, que apenas em 2024 recebeu sete exposições, onde mobilizamos 167 artistas e exibimos mais de 570 obras. Dessas, seis foram totalmente pensadas pela nossa diretoria artística em diálogo com curadores convidados. Atendemos mais de 21 mil pessoas só em Belém, por meio das nossas apresentações musicais, teatrais, oficinas, rodas de conversa e pelo programa educativo gratuito.
A Bienal também virou plataforma de articulação institucional. Promovemos o 1º Encontro de Gestores Sul-Sul, em novembro de 2024, em Belém, com representantes de instituições culturais do Hemisfério Sul, criando redes entre América Latina, Caribe, África, Índia.
A partir dessa primeira edição, estruturamos uma itinerância potente, que passou por Marabá, Canaã dos Carajás, ambas no Pará; São Luís (MA), Boa Vista (RR) e agora percorre Manaus (AM) e Macapá (AP). Em julho deste ano, chegaremos a Medellín, na Colômbia, com a primeira mostra internacional da Bienal das Amazônias.
Nosso maior aprendizado é que, enquanto trabalhadores da cultura, nada se constrói sozinho, a Bienal das Amazônias só é o que é, graças ao árduo trabalho coletivo de profissionais que acreditam no que, juntos, estão realizando. E o maior desafio que enfrentamos é o financiamento. Hoje estamos finalizando a estruturação do nosso endowment, um fundo patrimonial que nos permitirá alcançar sustentabilidade institucional de longo prazo. Estamos em negociação com investidores e parceiros estratégicos para garantir que o projeto não dependa exclusivamente de leis de incentivo, que são fundamentais, mas insuficientes quando se busca continuidade, independência e planejamento duradouro.
A mobilidade parece ser um aspecto fundamental da Bienal. Como essa estratégia de circulação tem ampliado o alcance e o significado do projeto para diferentes comunidades amazônicas?
A itinerância é um dos pilares da Bienal. Não queremos que o acesso ao que estamos realizando se limite a um ponto fixo. A Bienal das Amazônias precisa circular no território que a constitui, encontrar diferentes comunidades e dialogar com realidades diversas das Amazônias e além.
Entre agosto de 2023 e abril de 2025, somando primeira edição, ações realizadas no Centro Cultural Bienal das Amazônias, itinerâncias e atividades no barco, já fomos visitados por cerca de 80 mil pessoas. Isso é muito significativo para um projeto independente, realizado por trabalhadores da cultura, sediado na Amazônia, em um país de desigualdades tão marcantes.
O barco — uma balsa com quase mil metros quadrados — é uma obra arquitetônica do artista boliviano Freddy Mamani. Mas é também um símbolo institucional: um centro cultural flutuante que deseja ir ao encontro de diversas cidades às margens dos rios amazônicos, por meio da arte e da cultura.
Neste momento, ele inicia sua navegação pelos rios Pará, Tocantins e Amazonas, com paradas em mais de 10 cidades. Retornando a Belém em agosto com programação cultural aberta ao público. Lembrando que toda a nossa programação é absolutamente gratuita.
Não sei se podemos falar em sucesso, o importante para nós é que tenhamos adesão das pessoas que fazem as Amazônias serem o que são, e acredito que, aos poucos, estamos conseguindo isso.
Ao lado dela está, enquanto curadora adjunta, a colombiana Sara Garzón, que tem uma pesquisa focada no Sul Global e nas epistemologias decoloniais; a mexicana Mônica Amieva que é pedagoga, pesquisadora e historiadora da arte, e assinará a curadoria pedagógica; e o paraense Jean da Silva, pensador e importante articulador climático que assina a co-curadoria do programa público. A identidade visual é assinada pela designer argentina Priscila Clementti e pelo artista paraense Caio Aguiar, vulgo Bonikta.
A edição se expande para além da Panamazônia: vamos nos conectar com o Caribe.
Mas o mais importante é que seguimos com o princípio da coletividade. A Bienal não é construída apenas pelos nomes que assinam a curadoria. Ela é feita por um corpo de profissionais comprometidos — pesquisadores, produtores, montadores, educadores — que constroem junto a materialidade desse sonho.
O que se pode esperar da segunda edição da Bienal das Amazônias? Uma bienal vibrante, crítica, sensível. Uma edição que reafirma a potência cultural e política das Amazônias no presente.