Mariana Guarini Berenguer. Foto: Denise Andrade

Quando assumiu a presidência do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), há pouco mais de de um ano, a advogada, administradora e colecionadora Mariana Guarini Berenguer substituia a gestão de 24 anos da empresária Milu Vilela à frente do museu. Seu foco principal, desde o início, foi a preocupação com a governança, em sentido amplo: sustentabilidade financeira; aproximação maior dos membros do conselho e da diretoria no dia a dia do museu; revisão do estatuto; e criação de um regimento interno bem definido.

Para Berenguer, “processos que em uma empresa são bem estabelecidos, nas instituições culturais em geral ficam muito abertos, pouco formalizados”. Com todas as linhas de atuação – que vão desde o trabalho curatorial e educativo até aquisições, contabilidade, vistoria e seguro de obras – bem definidas, “você fica também mais transparente, e isso se torna mais interessante para os patrocinadores”, completa ela.

Foi também em sua gestão, boa parte dela já durante a pandemia de Covid-19 e com o museu de portas fechadas, que o MAM realizou um processo de seleção do novo curador-chefe, Cauê Alves, que substitui Felipe Chaimovich no cargo. Segundo Berenguer, Alves traz uma série de propostas de grande interesse para a instituição, desde um olhar atento para o acervo e o educativo até preocupações em aumentar o diálogo com artistas e fortalecer as parcerias com outras instituições do parque, como o MAC-USP (agora sob gestão de Ana Magalhães e Marta Bogéa).

Neste ponto, sobre o fato de o MAM ter uma coleção – quase 5700 obras – mais contemporânea e o MAC mais moderna, Berenguer ressalta que esta complementariedade pode resultar em projetos conjuntos de grande valor. Em conversa com a arte!brasileiros, a presidente do museu falou ainda de um novo projeto de intervenções do MAM em espaços públicos da cidade; da busca por trazer uma diversidade de temas atuais nas exposições e cursos da instituição; e sobre a importância de o Brasil superar a polarização política, com uma sociedade mais unida onde a cultura tenha papel de destaque. Leia a seguir a íntegra.

ARTE! – Você assumiu a presidência do MAM há cerca de um ano, após 24 anos de gestão da Milu Vilela. Queria começar perguntando como tem sido o trabalho até o momento.

Nessa gestão temos quatro vertentes principais, que são voltadas também para fazer o museu ser sustentável do ponto de vista financeiro. Porque a questão da sustentabilidade, que é um desses motes, permeia praticamente todas as instituições culturais. E digo isso antes mesmo da pandemia. As instituições culturais tem uma sustentabilidade muito instável. Um outro mote dessa administração é a governança, no sentido de trazer o conselho deliberativo e a diretoria para perto. Somos um museu privado sem fins lucrativos, com associados que fazem parte de uma assembleia e também do conselho, temos uma diretoria pro bono, que também conseguimos consolidar agora, e depois vem a questão dos colaboradores. Então desde o início estamos trabalhando essa questão importante da solidificação desse ambiente de trabalho.

Aí também há um foco em institucionalizar o trabalho, porque percebo que muitos processos são muito pouco formalizados, em relação à aquisição, contabilidade, documentação, vistoria, seguro etc. Processos que em uma empresa são muito bem estabelecidos, nas instituições culturais ficam muito abertos. E fazendo isso você fica mais transparente, o que torna o museu mais interessante para os patrocinadores, que querem transparência. E também é bom para a prestação de contas dos recursos públicos usados através de leis de incentivo. Então é todo um processo que envolve muita responsabilidade. E acho que nisso estamos nos destacando, sendo diferentes de outras instituições. E de certa forma estamos conseguindo fazer este trabalho, que é enorme, mesmo durante a pandemia, cada um de suas casas. Com gente técnica, com o jurídico, para rever o estatuto todo, criar um regimento interno estabelecendo como são essas relações entre os diferentes órgãos.

ARTE! – Isso tem a ver também com sua formação e atuação ao longo da vida, em áreas jurídicas e empresariais…

Sim, sou formada na USP em Direito e na GV em Administração de Empresas. Fiz pós graduação também nas duas faculdades. E sempre fui executiva. E quando me trouxeram para o museu foi principalmente por essa questão de gestão. Eu também coleciono arte, tive uma empresa de design e joalheria nos últimos anos, o que já era uma mudança de vida grande. Mas aí comecei a me aproximar dos museus, primeiramente da Pinacoteca, depois do MASP – onde entrei como patrona -, e aí recebi o convite do MAM.

ARTE! – E nesse curto período de um ano, quase metade dele foi sob a pandemia de Covid-19. Como isso afetou o trabalho?

Tem uma coisa interessante, que eu tive que aprender, que em geral quando você usa lei incentivada, o patrocinador faz o aporte no final do ano. Isso faz com que o fluxo de caixa tenha de ser muito bem administrado. No ano passado o museu teve um orçamento de R$ 18 milhões, com despesas mensais em torno de R$ 1,1 milhão. Então o caixa vai sendo comido ao longo do ano. E no final de 2019 a gente teve sucesso em trazer um fluxo de caixa grande, até porque os patrocinadores perceberam esse profissionalismo. Mas aí começou a pandemia e a coisa se complicou. Porque agora os patrocinadores estão dizendo que precisam primeiro ver os seus resultados internos, seu desempenho, para depois ver se efetivamente vão continuar investindo no museu. Então a gente está esperando o final do ano, mas as nossas despesas continuam correndo. Por isso estamos super atentos ao caixa que já tínhamos conseguido. E começamos a fazer adaptações.

ARTE! – Houve demissões?

Começamos com as férias obrigatórias para os funcionários, depois veio a redução de jornada, pois que não tinha jeito. E tivemos que fazer algumas demissões. Foi super difícil, mas temos que voltar com um museu sustentável.

Fachada do MAM. Foto: Paulo Altafin

ARTE! – E pensando na relação com o público, uma questão muito levantada nestes últimos meses foi o quanto as instituições foram pegas de surpresa pela pandemia e não estavam preparadas virtualmente. 

Acho que sim. De modo geral as instituições não estavam preparadas. Você vê empresas que já estavam investindo nisso há muito tempo e estão com dificuldade, então imagina as instituições culturais, que não tem recursos. Estamos tirando leite de pedra.

ARTE! – Como tem sido no caso do MAM?

A gente já tinha trazido uma coordenadora nova para a comunicação, antes mesmo do Covid-19, e ela tinha começado várias iniciativas nas redes, como apresentar coisas sobre o histórico do museu, que é super complexo. Temos mais de 5600 obras e um grande legado, e isso não estava sendo explorado como poderia. Então contar essas histórias, falar das obras do acervo, fazer lives, começamos a ativar tudo isso. Tivemos lives com os coordenadores dos clubes de gravura e fotografia, que foram em ateliês de artistas, por exemplo. E nossos números nas redes subiram muito. E apresentamos também as exposições virtuais em parceria com o Google Arts and Culture, com recortes de mostras que estavam montadas no museu. Acho que conseguimos bastante coisa, bastante visibilidade, e vamos continuar.   

ARTE! – Esse trabalho virtual deve seguir mais intenso inclusive depois que for possível reabrir o museu?

Sim, isso é fundamental. Essa presença online vai ter que ser constante. Já estamos conversado com parceiros para desenvolver projetos digitais, porque com certeza isso vai ser um diferencial para aproximar o público, alcançar pessoas de outros estados, que não teriam acesso ao museu, trazer mais alunos e professores e, também, trazer recursos. E nesse ponto trouxemos também para os cursos online três temáticas novas, que achamos super importantes e estão permeando os trabalhos dos museus em geral, que são a arte indígena, as mulheres na arte, e da temática afro-descendente. Então tem esse trabalho forte com o educativo, inclusive de desenvolver a grade de cursos, e queremos que isso possa seguir digitalmente.

ARTE! – Já existe algum planejamento para reabertura?

Estamos trabalhando junto com a Secretaria da Cultura, que tem um protocolo para reabertura que prevê um possibilidade para setembro. Mas prevê também que cada museu tenha que verificar questões de saúde de seus colaboradores, pois eles teriam que voltar antes para montar as mostras, com uma série de cuidados. Então trouxemos um infectologista que primeiro vai avaliar todas as condições para depois a gente poder fazer a reabertura. Estamos seguindo o protocolo da secretaria, mas a gente primeiro vai verificar internamente se temos condições de retornar com segurança.

ARTE! – Voltando à atuação digital, foi feita uma intensa programação de celebração dos 72 anos do MAM desde julho, que segue este mês. Queria que você falasse um pouco sobre essa programação, como foram escolhidos esses temas, e um pouco dos resultados até agora.

É uma programação especial com cinco temas: homenagem à produção de mulheres artistas; a missão pedagógica do museu – para que cada vez mais haja uma transversalidade entre as exposições e o educativo, e para que as visitações (virtuais ou presenciais) tenham cada vez mais esse caráter pedagógico; a questão da cultura afro-brasileira, sempre ligada à obras do nosso acervo; a relação entre moderno e contemporâneo no museu; e por fim, as mostras online no Google and Arts. E ainda tivemos uma conversa entre o Felipe Chaimovich e o Cauê Alves, que está disponibilizada no Youtube, e outra entre o Cauê e o Eder Chiodetto, que é curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP. Haverá também uma conversa com o artista Thiago Honório sobre sua instalação roçabarroca, no Projeto Parede.

Tem outra ação importante, em parceria com a agência África, que será a realização de grandes projeções em empenas cegas de prédios na região central da cidade. E outra ação será em mais de 60 pontos de ônibus e relógios digitais que nos foram disponibilizados, nos quais vamos apresentar imagens de obras do acervo, sempre com podcasts sobre elas. A ideia é levar o MAM para fora do Parque Ibirapuera, atingindo uma diversidade de público, e mostrar que o museu tem uma marca maior do que só o espaço físico que ele o ocupa. E como agora as pessoas não podem ir até o museu, a gente vai para a cidade. É uma possibilidade de democratizar o acesso.

ARTE! – Várias destas questões sobre as quais você está falando tem a ver com pautas muito atuais na sociedade e no meio artístico, como as temáticas indígenas, raciais, de gênero, meio ambiente, entre outras. Como trabalhar para que isso não seja apenas um modismo, uma onda passageira?    

Primeiramente, a gente sempre traz, e o educativo do museu é super sério com isso, profissionais específicos que trabalhem com essas áreas, com mestrado, doutorado. Por exemplo, nosso curso de arte indígena vai ser ministrado pelo Jaider Esbell, que é um artista indígena, e é curador. Para não virar um modismo é preciso trazer uma pessoa que efetivamente entende a questão, vive a questão, e tem experiência com arte. Na arte afro-brasileira também vamos trazer um profissional que seja negro, com mestrado e doutorado, que entenda as dificuldades. Então acho que temos que trazer sempre gente de grandiosidade de formação e de vivência. Agora, esses temas são parte da história do Brasil. E se as instituições estão querendo democratizar e trazer a diversidade para dentro do museu, elas têm que falar a linguagem desta diversidade. Então a gente tem que se adaptar, trazer todos para dentro, e fazer isso ter uma sequência. E cada museu vai ter que trabalhar isso muito seriamente, através do seu contexto, do seu educativo, de um ponto de vista mais estruturado.

ARTE! – Além desta entrevista com você, estamos publicando também uma conversa com o Cauê Alves, para ele falar das propostas de trabalho curatorial. De qualquer modo, queria te perguntar sobre como foi a escolha dele para ser o novo curador-chefe do museu.

Foi um processo inédito na história do museu, em que participaram três conselheiros, o Geraldo Carbone, o Fábio Magalhães e o Telmo Porto, e da diretoria participamos eu e o Eduardo Saron. Então fizemos um documento falando das missões e valores atuais do museu, e descrevemos o perfil necessário para o curador, que deve também atuar na gestão, no educativo, cuidar da biblioteca – que tem mais de 90 mil itens – e assim por diante. Recebemos vários currículos, depois chegamos em seis nomes que podiam cumprir os requisitos e pedimos para eles apresentaram alguns trabalhos relativos ao moderno, o contemporâneo e em relação ao Panorama, que é uma mostra muito importante no MAM. Então foi um processo super longo, com entrevistas, conversas, e ao fim chegamos no nome do Cauê, que inclusive já conhecia bem o museu. E ele trouxe temas que são muito interessantes para nós, desde a vontade de organização do acervo até o desejo de estabelecer parcerias com outras instituições do parque, preocupações com meio ambiente e sustentabilidade, cuidado com gestão, desejo de trazer de volta uma proximidade com os artistas, entre outras coisas.   

ARTE! – Para além da questão da pandemia, nós já vivíamos no Brasil um contexto político muito conturbado. Nos últimos meses entrevistamos alguns gestores culturais do país que afirmam que o governo federal enxerga a área cultural quase como inimiga. Queria que você falasse um pouco como enxerga a situação?

Eu acho que estamos vivendo três crises: uma de saúde, que ainda vai demorar um tempo para se resolver e que gera muita instabilidade; uma econômica, que afeta muito, inclusive pela insegurança sobre quando haverá alguma retomada; e uma crise política, que acho que agora ate está um pouco mais amainada. Mas eu acho que o importante é preservar a democracia. Acho que as instituições – executivo, legislativo e judiciário – têm que exercer seu papel, sem ficar uma interferindo tanto no papel do outro, o que é uma questão inclusive constitucional, e entender que eles estão trabalhando para os cidadãos, que somos todos nós. E esse tipo de crise, essa polarização, acho ruim. Porque acho que deveria haver mais solidariedade, humanidade, pensando o que é melhor para os cidadãos. Seria a hora de a sociedade estar fortalecida em todos os aspectos. As instituições governamentais, as culturais, as empresas e os próprios cidadãos se unirem para sairmos dessa crise da melhor forma possível. E até pela visão que o Brasil projeta para fora. Então acho que deveria ser uma época de união, com as instituições cada vez mais fortalecidas, porque acho que é na democracia que a gente consegue um diálogo verdadeiro.

E pensando neste momento de crise, acho que a cultura se insere também, porque o setor cultural tem uma vertente social. A cultura também é algo de primeira grandeza, afinal de contas é o que proporciona até um sonho, digamos assim, proporciona a manutenção de um legado – que aí não é sonho, é uma realidade. A gente é um país novo, mas sem trabalhar o nosso legado fica complicado, e isso se faz através da educação. E nisso as instituições culturais são bastiões, trabalhando em prol da sociedade, podendo desenvolver até políticas públicas.   

ARTE! – Agora, em um ano e meio de governo Bolsonaro tivemos o rebaixamento da Cultura de ministério para secretaria e chegamos agora ao quinto nome que assume a pasta, incluindo algumas passagens muito conturbadas. O que isso demonstra sobre o valor dado à cultura ?

Mostra que não é uma prioridade. Mas deveria ser, por conta disso que eu digo do legado histórico, da educação, da função social das instituições culturais. O MAM, por exemplo, é um museu privado, mas sem fins lucrativos. Então a gente cumpre uma função de levar a arte para a sociedade.    


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