O que estamos fazendo aqui? Acompanhando uma infindável quantidade de guerras cotidianas, uma guerra de notícias, vindas de todos os cantos do planeta, fake news cada vez mais frequentes, informações que revelam uma polarização de ideias – políticas, religiosas, sociais – que operam e acreditam em civilizações diferentes.
Os lugares da batalha estão demarcados, há séculos, e foram retratados nas tragédias épicas da literatura e da arte. E nessa batalha sempre houve um setor da humanidade que pulsa pela vida e outro que pulsa pela morte.

Entendemos a vida como parte da defesa de nossa civilização, o respeito pelo outro, pela natureza, pela evolução do conhecimento, da ciência, pela valorização da cultura. Do outro lado se articulam a censura, os cancelamentos, as inverdades, a catequização, o viver no excesso, a despeito da falta de tudo para o outro.
Com a tecnologia, o que mudou é a forma como enxergamos tudo isso, a velocidade e sua dimensão universal.

Esta edição traz vários artigos, entrevistas e reportagens que retratam, a partir de diferentes ângulos, diferentes formas de violência que se repetem e, ao mesmo tempo, como a arte e a cultura, ao longo da história, driblam e jogam na defesa e no ataque, fazendo da repetição o lugar do possível.

Em Paradoxos da Repetição, a psicanalista e escritora Dominique Fingermann sustenta:
“Não existe assunto mais eminentemente clínico para um psicanalista do que o problema da repetição. Motivo de tantos lamentos, a repetição parece estruturar nossa própria capacidade de sofrer, ela pode conduzir alguém a se engajar na experiência de uma análise, ela pode se tornar o inferno mais íntimo de cada um. (…) Cada análise pode aceder a esse ponto de virada, ou seja, mais além de sua redundância patética ou tediosa, extrair o alcance ético da repetição. Pois, se na psicanálise o fenômeno apresenta-se como um estraga prazer, a filosofia extrai dessa temporalidade paradoxal algo que volta, sempre atual e único, nunca passado, a arte e a música usam seus recursos para produzir o mais novo e surpreendente, e a poesia joga com seu ritmo para lançar mão da sua rima e de sua pulsação própria.”

Apresentamos, nas páginas 10, uma histórica correspondência entre o pai da física, Albert Einstein, e o médico e pai da psicanálise, Sigmund Freud. Estas cartas foram publicadas em 1933, em Paris, em inglês, francês e alemão, sob o título de Por que a guerra?
As reflexões nelas contidas faziam parte, quase cem anos atrás, das discussões tidas no fórum do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), fundado em 1926, em Paris, que tinha como objetivo “fortalecer a colaboração entre intelectuais de cultura e nacionalidade distintas, a fim de criar condições propícias ao surgimento de um novo humanismo, com o escopo de respaldar os esforços em prol da paz.” A Alemanha, que se preparava para o futuro imediato da Segunda Guerra Mundial, proibiu sua publicação.
Esta nova edição se debruça sobre conflitos aos quais continuamos expostos: Fabio Cypriano aborda as Guerras Culturais; Maria Hirszman relembra o Golpe de 1964 e seus ecos, com a entrevista do historiador João Cézar de Castro Rocha, que se dedicou a examinar os discursos da extrema direita na tentativa de compreender as razões do movimento contemporâneo.

Jotabê Medeiros escreve sobre a violência religiosa e traz um contundente depoimento do cineasta Luiz Bolognesie. Em uma entrevista a Fabio Cypriano, o artista Mauricio Dias, da dupla Dias & Riedweg, denuncia também a violência catequizadora.

A edição traz ainda as obras viscerais do artista maranhense Thiago Martins de Melo, uma reportagem de Leonor Amarante em meio às manifestações das mulheres mexicanas defendendo seus direitos e os investimentos culturais no Ceará – não só em Fortaleza, mas também em Juazeiro do Norte e no Crato, com a construção do Centro Cultural do Cariri. Iniciativas que emprestam o fôlego necessário para continuar caminhando. Boa leitura! ✱

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