Cena do filme SARS (2003), de Liu Wei. Foto: Cortesia Videobrasil.
Cena do filme SARS (2003), de Liu Wei. Foto: Cortesia Videobrasil.

No novo episódio do Acervo Comentado Videobrasil, o crítico e teórico Márcio Seligmann-Silva [1] fala sobre a obra SARS (2003), do cineasta chinês Liu Wei.

Liu Wei é um cineasta independente que vive e trabalha em Pequim. Ele nasceu na província de Hei Longjiang, na República Popular da China, em 1965 e se formou na China Central Academy of Drama em 1992, completando seus estudos no Departamento de Filosofia da Universidade de Pequim em 1995. Seus trabalhos estão intimamente relacionados à experiência e memória pessoal, bem como à realidade e à rápida mudança da história da China contemporânea.

Os filmes de Liu Wei já foram exibidos no Festival de Vídeo de Nova York, The European Media Art Festival, Experimenta Media Arts Festival, Berlin International Media Art Festival, e em três edições do Sesc_Videobrasil. Sua filmografia reúne as seguintes obras: The City of Memory (2000), Underneath (2001), Sars (2003) A Day to Remember (2005), Year by Year (2005), Hopeless Land (2008) e Unforgettable Memory (2009).

Talvez dos trabalhos de Liu Wei, um dos mais conhecidos seja A Day to Remember (2005), realizado em parceria com Susie Jakes. A premissa do documentário é simples: Liu passa o aniversário de 2005 do massacre de Tiananmen andando pelos lugares perguntando às pessoas “você sabe que dia é hoje?” e filma as respostas. Por mais famoso que seja o massacre de Tiananmen (4 de junho de 1989) fora da China, o evento é pouco conhecido dentro da nação. Justamente essa vasta amnésia, a autocensura imposta pelo governo Chinês, que Liu explora neste filme, procurando entender como, em um país tão cosmopolita como a China, isso pode ser possível.

“As reações no rosto das pessoas à medida que processam sua pergunta e as maneiras como tentam responder é uma representação poderosa do que significa ter seu governo suprimindo à força a memória de um doloroso evento nacional. Alguns parecem sinceramente inconscientes, alguns encontram uma maneira de sinalizar seu entendimento sem dizê-lo abertamente. Outros simplesmente fogem, tão sensível é a memória de Tiananmen que até mesmo perguntar a data em 4 de junho pode assustar as pessoas e fazê-las fugir”, aponta o jornalista Max Fisher.

Sars (2003)

A obra compara o poder do vírus da Sars, pneumonia que se alastrou a partir do sul da China e infectou milhares de pessoas em 2003, ao da mídia chinesa, que corrói a compreensão da realidade ao martelar imagens propagandísticas de alegria e prosperidade absoluta. No vídeo do Acervo Comentado, comparando a epidemia de Sars à da Covid-19, Seligmann-Silva reflete sobre as relações entre arte e política.

“Também agora os Estados se mostram como gestores da vida e da morte. Os Estados totalitários, como a própria China, se revelam agora como máquinas biopolíticas bem oleadas que conseguem impor lockdown com rigor militar e podem contar com a disciplina de uma população amestrada pelo medo”, aponta Seligmann. E ele complementa: “Já Estados geridos por políticos populistas, neoliberais, como o caso do Brasil e dos Estados Unidos, se mostram como máquinas de necropolítica negacionistas. Esses políticos apostam na maximização, como sabemos, dos lucros, e na máxima exploração do trabalho e das classes trabalhadoras, não importando se isso custa vidas”.

Sobre o Acervo Comentado

Acervo Comentado Videobrasil é uma nova parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória.

A instituição foi criada em 1991, por Solange Farkas, fruto do desejo de acolher um acervo crescente de obras e publicações, que vem sendo reunido a partir da primeira edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (ainda Festival Videobrasil, em 1983). Desde sua criação, a associação trabalha sistematicamente no sentido de ativar essa coleção, que reúne obras do chamado Sul geopolítico do mundo – América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio –, especialmente clássicos da videoarte, produções próprias e uma vasta coleção de publicações sobre arte.

Este projeto contribui para “redescobrir e relacionar obras do acervo Videobrasil, e vertentes temáticas, na voz de críticos, curadores e pensadores iluminando questões contemporâneas urgentes”, afirma Farkas.


[1]Márcio Seligmann-Silva é doutor pela Universidade Livre de Berlim, pós-doutor por Yale, professor titular de Teoria Literária na UNICAMP e pesquisador do CNPq. É autor de, entre outras obras, “Ler o Livro do Mundo” (Iluminuras,1999, vencedor do Prêmio Mario de Andrade de Ensaio Literário da Biblioteca Nacional em 2000), “Adorno” (PubliFolha, 2003), “O Local da Diferença” (Editora 34, 2005 vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Teoria/Crítica Literária 2006), “Para uma crítica da compaixão” (Lumme Editor, 2009) e “A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno” (Editora Civilização Brasileira, 2009). Foi professor visitante em Universidades no Brasil, Argentina, Alemanha, Inglaterra e México.

 

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