Por Luiz Bolognesi

A violência evangélica, jesuíta, capuchinha e a agora neopentecostal protestante, que tem base nessa igreja protestante evangélica que vem dos Estados Unidos e que invade a América Latina a partir dos anos 1960 – começa, na verdade, nos anos 1950, mas é nos anos 1960 que ela invade –, que toma conta daqui, é um processo ideológico de dominação do capital. Esses neopentecostais também estão atacando as aldeias indígenas, os locais de religiosidade africana, os candomblés e as umbandas, e destruindo tudo, mas é um processo que começa no século 16, então a gente tem que ter essa visão histórica, retrospectiva.

Eu entendo que é um processo de extrema violência. Ao lado da violência de gênero, é o processo mais violento da América, dos mais violentos do Planeta da história do homo sapiens, porque o holocausto desses povos originários que eu tô relatando em meus filmes, e que começou com uma guerra biológica, foi consolidado por um processo ideológico-religioso, um processo de queimar mesmo, uma inquisição contra as religiosidades locais em que pajés foram queimados. Há relatos, nas cartas jesuíticas, de pegarem um pajé, em São Vicente (SP), botarem na boca de um canhão e darem um tiro de canhão na frente de todo mundo. Chamaram todos os tupiniquins daqui e disseram: “Ah, esse aqui é o fodão de vocês? Tá”. Amarraram o cara, botaram na boca do canhão e explodiram o canhão. Para todos verem aquilo, o corpo do cara estraçalhado, e aí falaram: “É assim que a gente faz com pajé de vocês”. 200, 300 tupiniquins viram aquilo. “Então, venham para nossa religião”. E era assim, um processo de dominação extremamente violento. E isso não acabou, continua.

O Ex-Pajé é um documentário em que a gente acompanha a vida de um pajé que está sendo trucidado pela chegada da igreja evangélica, e o filme é todo sobre isso, mas ele repercute, na verdade, o que vem acontecendo desde a chegada dos europeus, dos portugueses e dos franceses, principalmente. Porque os franceses também chegaram aqui com os capuchinhos, os padres capuchinhos, ao Rio de Janeiro e no Maranhão, e fizeram o mesmo trabalho de evangelização extremamente violenta que os jesuítas faziam no processo de colonização portuguesa. E há os relatos de ambos para atestar isso. A gente tem relatos da atuação dos capuchinhos no Maranhão, tem relato da atuação dos capuchinhos ali na Ilha do Governador, na Baía da Guanabara, com os missionários Jean de Léry (1536-1613) e o André Thevet (1516-1590), e lá no Maranhão, Claude D’Abbeville (m. 1632).

Na descrição que fizeram do processo de evangelização no Maranhão, eles relatam que queimaram pajés e xamãs. E a gente tem relatos dos jesuítas escrevendo pro papa, escrevendo também para o Inácio de Loyola (1491-1556), que era o chefe da congregação jesuíta. Loyola ficou um tempo na Espanha, depois esteve em Roma e as cartas de então eram dirigidas a ele e ao Papa, centenas de cartas que estão todas reunidas em correspondências avulsas dos jesuítas no século 16. Eu leio, li não todas, mas uma parte considerável delas, são três ou quatro volumes gigantes editados em italiano e português, dos quais eu tenho as duas edições.

São relatos impressionantes do processo de evangelização, nos quais eles descrevem com extrema violência o quanto o grande inimigo da evangelização eram os xamãs. Que eles conseguem vários “avanços”, mas que a resistência dos pajés era um negócio impressionante contra eles, e que portanto precisavam ser eliminados. Então, desde o século 16, na conquista da América, o foco consistiu em destruir a identidade cultural dos povos locais. E eles entendiam muito rapidamente a guerra. Os jesuítas eram estrategistas.

Não podemos esquecer que os jesuítas eles têm uma origem militar porque o Inácio de Loyola, esse padre (e eu acho que ele foi até beatificado) que fundou a congregação dos jesuítas, e recebeu muito dinheiro da Igreja no século 16, ele foi um militar. Ele lutou, não lembro se a favor do Reino de Castela, participou de tropas, ele liderou tropas. Então ele levou para a congregação jesuíta da igreja, que fundou, a Companhia de Jesus, um princípio de estratégias militares, de análise de diagnóstico de campo, de como agir. A estrutura dos jesuítas era muito militar; não é à toa que eles formaram exércitos indígenas, fizeram os Sete Povos das Missões, que foi altamente militarizado, e fizeram uma guerra de enfrentamento contra os espanhois que foi de interesse da Coroa Portuguesa, quando os espanhois tentaram entrar pelo sul do País para expandir o território numa guerra contra Portugal. E quem segurou a onda foram os jesuítas, com um exército de guaranis. Então, eles tinham essa estrutura militar. Isso já é, se eu não me engano, do século 17. Mas, antes disso, eles sempre trabalharam assim e essas cartas, que são muitas, têm vários relatos na Bahia, relatos em São Paulo, relatos no litoral de São Paulo, deles dizendo do processo de evangelização e aldeamento, que é como eles chamavam. A estratégia era trazer várias aldeias para o mesmo campo, para o mesmo território, para o mesmo lugar e evangelizar essa gente. Evangelizar, entenda, consistia em vender a ideia de Cristo e destruir as ideias da religiosidade anímica que havia aqui na América.

E eles tiveram trabalho. A pesquisa histórica e antropológica, com base nessas cartas originais, deixa muito claro pra gente que eles tiveram êxito nesse processo não porque as narrativas cristãs fossem tão fortes e melhores que as narrativas dos pajés. Não, aí eles tomavam um cacete. O próprio (Ailton) Krenak, o Viveiros de Castro, esse grande antropólogo, filósofo e pensador, eles falam que os povos originários são muito curiosos e abertos ao outro, diferentemente do processo da visão civilizatória europeia que é “o outro é alguém que eu temo e que eu preciso dominar, controlar e destruir”; os povos originários, não, eles são extremamente curiosos, eles querem provar, eles querem saborear, eles querem comer, eles querem foder, eles querem lamber, eles querem jantar, querem almoçar o outro, querem perguntar e até hoje é assim, você vai conviver com eles, eles começam a te fazer um milhão de perguntas, querem saber “como você vive, como são suas filhas? como são os seus filhos? como você transa? o que que você bebe? por que você bebe? por que que você não bebe?”. Eles são ultracuriosos, é muito legal isso. Era uma característica do processo, do encontro civilizatório, mas os europeus estavam o tempo todo nesse lugar do controle. Então, nas narrativas, os pajés ganhavam os indígenas; experimentavam os católicos mas voltavam para os hábitos deles. O problema começou quando veio a pandemia. O problema foi a “Covid”. Porque a Covid não começou agora, a Covid começou no século 16 com a chegada dos europeus. Só que a Covid chamava gripe, chamava sarampo, chamava catapora, chamava varíola, chamava rubéola: uma série de vírus que não havia aqui que dizimou os povos. E é aí que que a porca torce o rabo, que a coisa se inverteu: os pajés tinham um “plano de saúde”, a carteirinha do pajé resolvia tudo, ali tinha internação na rede, tinha todas as coisas da floresta, os pajés já sabiam fazer tudo com remédio da floresta.

Com curas da floresta e mais todo o tratamento anímico de rezas e tal, era muito saudável o processo aqui. Uma série de vermes de que os europeus sofriam, os indígenas não sofriam porque eles sabiam as curas estomacais, intestinais. Tinha berne aqui, uma série de mosquitos punha nos europeus os ovos, a carne deles criando ovinho de bicho de mosquito. E há mil relatos dos indígenas, contando que os pajés curavam isso com veneno de aranha. Agora estão usando veneno de aranha pra curar câncer (há uma nova pesquisa do Instituto Butantã que mostra o potencial do veneno de aranha contra a leucemia).

Então, os pajés já dominavam isso, só que os pajés não tinham conhecimento contra “Covid”. Ele não sabiam lidar contra catapora, varíola, sarampo, não havia esse conhecimento. Então quando esses surtos chegaram, morriam aldeias inteiras de pandemia com a covid da época, que era gripe.

E aí tem trocentos relatos nessas cartas avulsas jesuíticas, trocentos relatos do Padre Manoel da Nóbrega, do Padre Anchieta e mais uma caralhada de jesuítas contando que tava todo mundo morrendo nos aldeamentos nas aldeias em volta. Foi uma corrida que matou mais que a Covid, dizimou os povos originários. E o que os evangelizadores falavam? O que que esses filhos da puta falavam? “Vocês estão sendo castigados porque não aceitaram Jesus; o pajé de vocês é um demônio, e o meu xapiri, o meu grande Espírito, que é Jesus, está matando vocês todos”. Na cosmogonia dos povos originários, havia uma guerra, e o próprio Pierre Clasters (1934-1977) fala isso: o pajé é o xamã, ele é um guerreiro espiritual, ele até vive em guerra contra o pajé do lugar vizinho. Se cai uma tempestade que derruba, se o vento arranca a palhoça de uma aldeia, eles acham que foi o pajé da outra aldeia inimiga que mandou aquele vento e derrubou aqui, portanto, é sinal de que o pajé deles é fraco. Aí, ou trocavam de pajé ou até matavam um pajé, às vezes. “Pô, você não nos protege”. Havia uma guerra espiritual e as tragédias ambientais, as tragédias climáticas, tudo era muito atribuído à força ou a fraqueza do seu pajé. Então, quando os jesuítas chegam dizendo “vocês estão sendo castigados pelo meu Deus porque vocês não seguem Jesus”, eles acreditavam e migravam pro catolicismo. Isso até hoje.

O meu filme Ex-Pajé é um comentário feito a quente enquanto está acontecendo esse processo de destruição do pajé, ele sendo humilhado, sendo destituído do seu lugar de poder e força, sendo tratado como um demônio. E de como as rezas, os cantos, as flautas mágicas, que até ontem eram a cura, eram a transcendência do povo Paiter Suruí, iam virando algo do Diabo, e isso na boca de um pastor que chegou ali com toda essa narrativa, com remédios, aquilo que derrubou o pajé Perpera. O contato dos Paiter Suruí se deu apenas nos anos 1960, e o contato trouxe doenças. Eram mais ou menos 800 Paiter Suruí quando foi feito o contato em 1969. Até 1972, morreram mais de 400 de gripe, sarampo, catapora, a mesma coisa do século 16. E aí chega o evangelizador, esse que tá no filme, no final dos anos 1970, trazendo as curas com remédio, antibiótico, aspirina, dizendo que o pajé é um demônio. Esse pastor alemão (que não é o cachorro, é o pastor mesmo), que ele veio da Alemanha, ele pegou um grupo de indígenas evangelizados e foi de casa em casa queimando as redes, dizendo “quem é cristão dorme em cama, em leitos horizontais”, e queimou as redes. Eles tinham até então um lugar de reza Paiter Suruí, que era um um pauzinho com uma pena que era bem não era benzido, mas mantinham em casa como um centro espiritual; também foi queimado. Então esse processo que eu relato no Ex-Pajé uma certa sutileza, ele é a ponta de um iceberg de uma violência extrema que está na origem de todo o processo colonial e do sucesso da conquista violenta europeia.

Porque nas guerras locais, os indígenas, nos primeiros 30 anos, ganharam todas as batalhas; eles passaram a perder quando a Covid se instalou e eles ficaram extremamente fragilizados, e aí começaram a migrar pra religiosidade do invasor entendendo que aquele invasor tinha uma força espiritual que eles não conheciam – e não era força espiritual, era guerra biológica. E aí começam aderir e fazer acordo e fazer guerras do lado dos portugueses.

Foi isso que eu vi entre os Paiter Suruí (grupo indígena que habita os estados de Rondônia e Mato Grosso). Um espectador alemão, na sessão do Festival de Berlim em que o filme Ex-Pajé ganhou lá o Prêmio Especial do Júri (em 2018), numa sessão para 800 pessoas, perguntou pra Cabena, a minha personagem: “Por que, se foi curada pelo pajé, você voltou pra igreja evangélica?”. E ela respondeu: “Porque eu tenho medo de ir para o inferno”. O que os evangelizadores jesuítas e capuchinhos diziam aos povos originários é que eles estavam morrendo das covids porque eles não aceitavam Jesus, então, eles tinham que vir para o lado de Jesus e quando eles vinham para o lado de Jesus era: “Destrua o seu pajé! Porque ele é o demônio”.

Na hora em que a Cadena foi picada por uma cobra, enquanto está à beira da morte no hospital, e os médicos não estão dando conta, os evangelizados chamam o pajé Perpera, ele vai lá, reza e salva ela. E ela conta que já estava indo pra área dos mortos, já estava vendo o sogro dela morto, os parentes dela mortos, já estava chegando à aldeia dos mortos. Ela contou que ouviu então o canto do Perpera quando ela estava agonizando no hospital e o canto do Perpétua fez com que o sogro dela que a estava recebendo na aldeia dos Mortos virasse para ela e falasse: “Não Cadena, você volte para lá porque você tem muitos netos meus que ainda precisam de você, então você não vai vir para o Dia dos Mortos. Volte”. E o caminho de volta foi seguindo o canto do Perpera. Então, na hora do vamos ver, os pajés resolvem. São os pajés que vão salvar o Brasil do apocalipse que está vindo aí. O futuro é ancestral ou então não haverá futuro. Quando eu fiz A Última Floresta (documentário de 2021), que também é um filme sobre isso, foi para acompanhar um grande pajé fortíssimo, que é o Davi Kopenawa, um grande xamã.

Kopenawa está no epicentro da resistência, ele não aceitou a igreja evangélica. Ele foi evangelizado. O nome dele, Davi, foi colocado por um pastor branco. Ele esteve quase que na iminência de se tornar pastor, e aí teve os insights de que aquilo era uma monstruosidade. Fez o enfrentamento, expulsou os evangélicos da sua área, de sua aldeia, não aceita isso e faz uma luta de resistência que já se não se tornou mais uma resistência só dele; a resistência desse xamã é uma resistência da floresta. Ele está salvando os rios do mercúrio. Ele está salvando o Brasil do apocalipse. Esse é o lugar do xamã. Essa luta não acabou, eles não foram destruídos, eles são os vencedores. Só que é uma luta muito braba, muito difícil. E eu, como artista, estou na minha trincheira, com a minha metralhadora que é a câmera de cinema, relatando tudo isso trazendo consciência. É assim que se faz a resistência.

Por fim, no outro filme que eu fiz, Uma História de Amor e Fúria (2013), um desenho animado que ganhou o Festival de Anecy, o mais importante do mundo, eu abordo a visão de um guerreiro tupinambá do século 16 que é tornado imortal pelo pajé. Essa é a história do filme, que atravessa quatro, cinco séculos de história do Brasil, até chegar no ano de 2096. O problema em 2096 é que a commodity mais cara é a água, e o presidente da república é o Pastor Armando. Então, por aí você vê a minha leitura diagnóstica prospectiva, de tentar interpretar o que vem acontecendo, desemboca nessa distopia de 2096, projetando que a gente vai ter uma guerra pela água, que milícias privatizadas terceirizadas farão a segurança e matarão crianças que roubam água dos dutos de água.
O presidente da República é um pastor evangélico. Por que a gente chega nesse prognóstico? Porque a gente tá vivendo no Brasil um projeto e um processo que vêm desde os jesuítas, passando pela chegada dos neopentecostais, que tem a ver com aquele livro A Ética Protestante o Espírito do Capitalismo, do Max Weber, no qual ele explica de que modo a ética da religião protestante serviu ao fortalecimento do capitalismo americano, e a chegada do capitalismo americano como hegemônica, o quanto isso se deve ao triunfo da ética protestante.

E, depois dos Estados Unidos, espalhou-se a filosofia de prosperidade, do controle dos prazeres, da poupança, de guardar o dinheiro quase como um caminho para comprar o seu lugar no céu. De como essa ideia serviu ao capitalismo americano e como isso foi jogado aqui na nossa América. Nesse processo, a Teologia da Libertação Católica, que tinha uma visão de desigualdade econômica, social, uma visão da violência, do processo colonial, e isso levou inclusive a esquerda a chegar ao poder. Mas aí se dá uma bobeada gigantesca da esquerda. Talvez a maior bobeada da esquerda na história do Novo Mundo é que ela chegou ao poder e esqueceu essa conexão extremamente importante, que era a Teologia da Libertação, deixando que ela fosse substituída pela Teologia da Prosperidade dos neopentecostais, que vêm com uma outra narrativa que serve a direita e agora a gente está vendo a extrema direita aprendeu a lidar com isso. Existe um projeto ligado a segmentos de pensamento extremamente conservador, que é o que mais cresce no planeta, essa ideologia e essa cosmovisão ultra conservadora que tem a ver com uma crise do homo sapiens. Uma crise de recursos que o homo sapiens está enfrentando nesse momento, algo que ele nunca viu até agora. O homem sempre encontrou na natureza recursos para poder predar e seguir numa certa construção de um modo de vida confortável. Agora, os recursos findaram, e o homem se vê na iminência de matar o próprio sapiens para poder competir pelos recursos. Já está faltando água e a água vai ser disputada e o homem sabe que agora não se trata mais de matar neandertal, lobos, panteras, onças, javalis, insetos, biomas inteiros para sobreviver. Ele vai ter que matar o próprio sapiens. Já está acontecendo, né? Isso já está rolando e dentro desse pensamento ideológico da extrema direita, que já percebeu isso, ela precisa identificar o outro e tomar a linha de frente, se armar, porque a ideia vai ser eliminar o outro. Esse é o processo da extrema direita, e nesse sentido eles estão aproveitando muito bem esse processo de conquista de corações e mentes pela via da igreja neoentecostal, criando a tendência de criar um estado fundamentalista, como o Irã. Sim, o Brasil está virando o Irã se a gente não tomar cuidado, se a gente não criar dispositivos (de contenção). Se a gente não pensar num enfrentamento em grande escala para manter o estado laico, em 15 ou 20 anos nós vamos entrar em um estado fundamentalista. Veja por exemplo o caso do Senado brasileiro. Há cultos evangélicos lá dentro. Tudo bem? Pode ser. Mas e seu quisesse fazer um trabalho de macumba numa encruzilhada de corredores do Senado. Eu poderia? Acho que não. Então, a gente já está nesse processo. O estado laico está extremamente ameaçado e a gente tá partindo para essa igreja evangélica fundamentalista com narrativas de ódio, de perseguição ao outro, de “apedreja, mata, assassina”, e nas comunidades já estão estão matando gays, estão matando mães de santo, estão queimando terreiros, casas de rezas indígenas pelo país inteiro, então é um processo é de uma extrema violência e a gente tá dormindo.

Não se trata de focar e dizer que a igreja evangélica é um inimigo, trata-se de dar luz e de visibilidade ao que está acontecendo, o processo que está acontecendo e quais são as consequências que isso vai ter para que as pessoas possam fazer suas escolhas. Um exemplo de estado fundamentalista é o Irã, onde as mulheres têm que tampar o rosto, as mulheres são enforcadas se deixam o rosto delas à vista, o cabelo aparecendo. É para isso que a gente tá caminhando. Eu conheço, tenho amigos meus da minha juventude lá no sul da Bahia que jogavam bola comigo e que hoje não jogam mais bola porque a igreja não deixa. Não vão mais no forró porque a igreja não deixa as mulheres, então, nem pensar. Amigo meu, aluno de capoeira que virou mestre de capoeira, que se tornou um dos maiores capoeiristas ali da região sul da Bahia e que parou a capoeira porque o pastor falou que capoeira não é coisa que se faça, que desrespeita Jesus. E aí o Grande Mestre de capoeira do Sul da Bahia abandona sua arte por causa da igreja. É isso que está acontecendo no Brasil, a gente tá partindo pra configuração de um Estado fundamentalista, de uma igreja fundamentalista.

*O roteirista e cineasta Luiz Bolognesi dirigiu, entre outras produções, o longa-metragem de animação Uma História de Amor e Fúria (2013), Melhor Longa Metragem em Annecy (França); o filme Ex-Pajé (2018), menção honrosa de melhor documentário do Festival de Berlim 2018, Melhor Fotografia no Festival Présence Autochtone (Canadá, 2018) e Hugo de Prata no Festival Internacional de Chicago (2018), além de Melhor filme no festival de documentário É Tudo Verdade 2018. Seu mais recente trabalho, A Última Floresta, sobre uma aldeia yanomami isolada, teve estreia mundial no Festival de Berlim em 2021. ✱

Deixe um comentário

Por favor, escreva um comentário
Por favor, escreva seu nome