Equipe conceitural 36ª Bienal de São Paulo
Equipe conceitural 36ª Bienal de São Paulo. Footo: João Medeiros

Começam a definir-se com mais precisão os contornos da 36ª Bienal de São Paulo, que abre as portas para o público em 6 de setembro. Em meio a um intenso processo de montagem, vai tomando forma um projeto colaborativo, construído a partir de intenso diálogo entre os membros da equipe curatorial. Na semana passada, os cocuradores Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Keyna Eleison e Thiago de Paula Souza, conversaram com a Arte!Brasileiros sobre as linhas gerais deste trabalho, seus principais desafios, metodologias e descobertas. 

Entre as várias metáforas que serviram de guia durante essa jornada, destaca-se aquela que compara a equipe a pássaros migratórios, que se deslocam com uma compreensão expandida de tempos e espaços, para em seguida retornar ao grupo, trocando e ressignificando sugestões e descobertas e configurando – ao longo desses encontros – famílias de trabalhos, com pensamentos e poéticas em comum. “Cada um de nós percorreu diferentes rotas, mas fomos pássaros muito comunicativos”, explicou Alya Sebti. “Todo artista que entrou na nossa lista foi escolhido por cada um de nós cinco, não temos nenhum artista que não tenhamos encontrado, discutido o trabalho”, acrescentou Keyna Eleison. Segundo Anna Roberta Goetz, as rotas de voo traçadas por eles procuraram, propositalmente, evitar aqueles caminhos já esquematizados. Os brasileiros Keyna Eleison e Thiago de Paula Souza, por exemplo, não “sobrevoaram” o País, o que não quer dizer que não tenham sugerido nomes nacionais importantes, derivados de suas pesquisas anteriores. “Procuramos somar histórias que já conhecíamos a novas vozes, sempre em busca de pontos de conexão”, acrescentou a pesquisadora, radicada na Suíça (seu país natal) e no México. Até chegar à lista dos 120 artistas, anunciada há poucos meses, foram muitas idas e vindas. 

Os curadores alertam que em nenhum momento houve a intenção de propor um panorama da produção contemporânea, mas sim de traçar narrativas horizontais e intergeracionais, criando agrupamentos, a partir de afinidades de diversos tipos: formais, existenciais, temáticas ou poéticas. Um exemplo de núcleo potente é aquele que reúne mulheres negras, trabalhadoras, que de forma autodidata encontram na arte uma maneira de se afirmar no mundo, como Maria Auxiliadora, Chaïbia Talal e Hessie. Outro fio condutor que pode ser apreendido a partir da observação da lista de convidados é o interesse primordial pela memória, pela busca de novas formas de contar histórias esquecidas ou invisibilizadas. Ou ainda um resgate importante de artistas situados à margem dos centros hegemônicos, que desenvolveram sua poética em sintonia (e também em tensão) com os modelos eurocêntricos de vanguarda.

No campo da produção mais contemporânea, a lista também surpreende, sobretudo pela presença massiva de trabalhos comissionados, feitos especialmente para a Bienal  – mais de 50% das produções se enquadram nessa categoria. E também por refletirem (da mesma forma que as seleções mais históricas) uma visão bastante ampliada do mundo. De Teerã ao Haiti, de Alepo a Dakar, a mostra espraia-se por regiões muito menos investigadas internacionalmente, com um olhar atento à produção africana, resultado não apenas da metodologia curatorial adotada – como a organização de “Invocações” em diferentes continentes –, mas também pelo fato de dois dos curadores responsáveis serem africanos: o curador geral Bonaventure Soh Ndikung é de Camarões, e Alya Sebti, do Marrocos. 

Ainda preservando informações relativas aos trabalhos que comporão a mostra e os contornos finais da complexa expografia, os curadores adiantam que a montagem da exposição se guia pelo pensamento do pavilhão como um estuário (outra das fortes metáforas que guiaram o processo) e articula algumas mudanças no uso tradicional do espaço, como a criação de algumas conexões verticalizadas num espaço tão marcado pela linearidade dos pisos horizontais. Não teremos mais, por exemplo, o vão como espaço isolado, ocupado por uma obra em destaque. “Sempre será o prédio do Niemeyer, não estamos brigando com isso”, diz Keyna. “É como se dançássemos com o prédio”, acrescenta Alya. 

A música e a dança, formas de expressão que haviam sido elencadas como fundamentais para o projeto curatorial, fazem-se presentes seja como linguagem –  por meio de criadores como Leonel Vásquez e Cevdet Erek – quanto alegoria desse processo coletivo. “Música é ritmo, pensamos a música como um elemento de inspiração”, afirma Thiago de Paula Souza, lembrando quão fundamental ela é na obra de Heitor dos Prazeres, outro brasileiro histórico da seleção que, além de ter sido premiado na primeira Bienal, em 1951, tinha profunda conexão – não apenas como tema – com o universo do samba. Mas convivem também com muita fotografia, vídeo e pintura, numa mostra em que a diversidade de meios, técnicas e poéticas parece ser fundamental.

A presença de dissonâncias, a convivência de diferentes vozes e a incontornável presença de trabalhos combativos (temas como colonialismo, opressão, violação de direitos, debacle ambiental estão bastante presentes) não significa, para Thiago, que estamos diante de uma mostra militante. “A maioria das exposições mostrando como o mundo está queimando fracassaram”, diz ele. O fato de não se assemelhar a um manifesto não significa, para Anna, que a 36ª Bienal não seja política. “É uma mostra muito política. Não no sentido de comentar ou mostrar o que está acontecendo, mas sim por meio da experiência dos artistas. Há muitos trabalhos que falam de experiências concretas e há uma abertura nessa concretude, um convite para que diferentes pessoas olhem para si”, diz ela. 


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