Anna Maria Maiolino (1942), Série Projetos Construídos, 1974-2008. Acrílica sobre madeira, 70 x 100 cm

Como falar de uma arte criada em terras de solo virgem, em momento que a poeira ainda estava nos pés dos colonizadores? Como definir a excentricidade da realeza recém-chegada e seu olhar atônito diante do negro escravo e do índio apaziguado?  Da Terra Brasilis à Aldeia Global, exposição que ocupa o Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza, até março de 2019, conta como fomos introduzidos à arte, passando por quase todas as escolas e movimentos artísticos que deram corpo ao que podemos chamar hoje de arte brasileira. A curadora Denise Mattar não teve dificuldade em traçar esse percurso, com 280 obras diante do rico e farto acervo da Fundação Edson Queiroz, tudo para comemorar os 45 anos da Faculdade de Fortaleza, a Unifor.

Transgredindo o roteiro, uma espécie de linha do tempo, inicio o texto com a sala do abstracionismo geométrico e ressalto o trabalho do artista cearense Eduardo Frota, um rigoroso círculo de lâmina fina de aço pintado de vermelho, que se equilibra vertical e elegantemente sobre o chão, sem apoio, sinalizando o movimento que deu norte, força e transcendência à arte brasileira. Ele divide o espaço com Léon Ferrari Samson Flexor, Judith Laund, Sérgio Camargo e Mira Schendel, entre outros.

Eliseu Visconti (1866-1944), Figura feminina, c.1895. Óleo sobre tela, 49 x 73 cm

Volto ao ponto zero da mostra, proposto por Denise, para o exemplar do Americae Tertia Pars, do livreiro belga Theodore de Bry, publicado na Europa em 1592, baseado em relatos de viagens realizadas por europeus no Brasil. O livro tem o mapa do Brasil, datado de 1592, que foi plotado superdimensionado para a exposição e colado na parede. O exemplar, transformado em touch, pode ser virtualmente folheado pelos visitantes. Denise escolheu 280 obras, dentro de um universo de mais de mil, que integram o acervo da Fundação Edson Queiroz, entre pinturas, gravuras, desenhos, esculturas, além de vários livros históricos – geográficos, três deles escritos por Maurício de Nassau, com destaque para um mapa do Recife antigo, datado de 1632.

A exposição tangencia a questão centro/periferia, conceito que permeia o sistema de arte desde sempre. Em décadas passadas isso ocorria com a imposição de regras artísticas e estéticas que vinham da Europa. Os salões nacionais que premiavam os artistas brasileiros repetiam os cânones e, era comum os artistas serem agraciados com o prêmio de viagem à Europa. Internamente a situação não era diferente com relação ao eixo Rio São Paulo em detrimento aos artistas dos demais Estados brasileiros. A curadora salienta que com isso “alguns artistas significativos, por viverem fora dessa região, não chegaram a integrar o chamado circuito de arte”.

Colecionar é como uma narrativa, tem também o papel de deixar tudo sem solução e pode invocar uma renovação estética. Estruturada cronologicamente, com um percurso didático, a mostra exibe curiosidades como a foto de Maurício de Nassau, considerada a mais importante já feita do governador do Brasil Holandês. Somado a isso, também há livros, de igual importância, que foram incorporados.

Há muito o que ver e com o que se surpreender com quase três centenas de obras. Ao reunir as diversas tendências de arte, a Fundação Queiroz mostra sua preocupação com a museologia aberta e sinaliza sua ruptura com o compromisso formal do colecionador privado, fechado em si mesmo. A constituição de uma coleção de arte no Brasil indica transformações importantes no circuito de arte brasileiro, decorrentes do diálogo entre empresários, galeristas, colecionadores, críticos, artistas, curadores. Os nove módulos em que a mostra está dividida tentam redesenhar, em voo panorâmico, os movimentos da arte brasileira e suas estridências. A coleção, em qualquer de suas latitudes, tem obras pontuais e, entre os acadêmicos destacam-se Eliseu Visconti, Raimundo Cela e Almeida Júnior, entre outros. Do primeiro modernismo, há Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Ismael Nery e muitos outras.

Geraldo de Barros (1923-1998), Mulher, 1977. Óleo sobre placa, 120 x 110 cm

Aos poucos os colecionadores costumam afinar seus conhecimentos de história da arte na prática e o olhar fica calibrado. A coleção Edson Queiroz não tem um curador que indique as compras de obras. Tudo sempre foi feito pelo casal Queiroz e agora pelos filhos. Portanto, chama a atenção a qualidade dos abstrato-informais como Vieira da Silva, Antonio Bandeira, Iberê Camargo e Frans Krajcberg, assim como concretos e neoconcretos, Ivan Serpa, Lygia Pape, Abraham Palatnik, Franz Weissmann, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Costuma-se dizer que a obra de arte é a melhor tradução do espírito de sua época. Os anos de 1960 -1970, período da ditadura, está representado por Antonio Dias, Wesley Duque Lee, Sérvulo Esmeraldo, Lygia Pape, Cildo Meireles e Waltércio Caldas, entre outros. A persistência dessas relações artísticas chega à contemporaneidade e conceitos de toda ordem misturam-se em obras de artistas tão diferentes quanto as suas procedências como Adriana Varejão, Henrique Oliveira, Vick Muniz, José Tarcísio, Efrain Almeida, Luiz Hermano, Cildo Meirelles, Leonilson e tantos outros.

É difícil aferir o quanto uma coleção dessa natureza pode reinventar o artista e o espectador locais. Mas, com certeza, a presença do acervo da Fundação Edson Queiroz em Fortaleza tem contribuído, de forma aplicada, na compreensão da história da arte brasileira.

UNIFOR, 45 ANOS DE ENSINO E CULTURA

GILLIS PEETERS (1612-1653), Vista do Recife e seu porto, 1639. Óleo sobre madeira, 50 x 85 cm

O vice-reitor da Universidade do Ceará Randal Pompeu fala à ARTE!Brasileiros. O Ceará ao longo dos anos tem contribuído para o sistema de arte brasileiro, com artistas como Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo, Leonilson, Aldemir Martins, Luiz Hermano, Eduardo Frota, entre outros, realizando eventos de arte como a Bienal Internacional das Américas(2002), com curadoria do belga Jan Hoet (Documenta de Kassel); Bienal Internacional de Esculturas Efêmeras, no Parque Cocó (1991), curada por Sérvulo Esmeraldo e outras tantas mostras importantes. Criou também o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, museus e instituições culturais. Naturalmente, surgiram coleções e colecionadores de grande porte. Neste momento em que a Universidade de Fortaleza completa 45 anos, qual a importância do acervo da Fundação Edson Queiroz para a Universidade?

A atuação da Fundação Edson Queiroz na seara artística ocorre desde o ano de criação da Universidade de Fortaleza, em 1973, com a primeira edição da mostra Unifor Plástica. Essa atuação consiste na realização de projetos ligados a teatro, música, dança, literatura e, sobretudo, artes visuais, por meio de exposições no Espaço Cultural Unifor e em museus brasileiros e estrangeiros. Desde 2004, o Espaço Cultural realizou mais de 50 exposições de grandes artistas internacionais, como Rembrandt, Rubens e Miró, e brasileiros, como Portinari, Bandeira e Oiticica, sempre com acesso gratuito. Portanto, a relevância da Fundação Edson Queiroz vai muito além da excelência de sua coleção e das exposições que apresenta, pois também abre espaço para outras linguagens, inclusive com a missão de formação de plateia, na medida em que tem como público prioritário crianças, adolescentes e comunidade universitária.

Que tipo de chancela a Universidade dá a essa notável coleção de arte brasileira, considerada uma das mais importantes do País?

A Fundação Edson Queiroz é a instituição mantenedora da Universidade de Fortaleza.

Qual a relevância da mostra Da Terra Brasilis à Aldeia Global dentro da universidade? Até que ponto uma mostra dessa natureza motiva alunos, professores e gera trabalhos acadêmicos?

A importância da exposição Da Terra Brasilis à Aldeia Global para a Unifor está em oferecer à comunidade acadêmica e ao público em geral a possibilidade de aprender sobre a história do Brasil por meio de obras de arte da Coleção Fundação Edson Queiroz, o que resulta em uma formação completa, ao trabalhar saberes, valores e visões de mundo que só a arte proporciona. Professores de todos os centros conseguem relacionar o conteúdo visto em sala à apreciação da exposição, através de métodos ativos e criativos.

O que o senhor destaca de excepcional na coleção e o porquê? Esta exposição viajará ainda para outras capitais?

A relevância da Coleção Fundação Edson Queiroz está em abranger os principais artistas e vanguardas da arte brasileira, desde os viajantes do século XVII até os contemporâneos, com especial foco na arte moderna. Incluem-se aí livros raros que datam desde 1592, pertencentes a nossa Biblioteca de Acervos Especiais. Trata-se de uma ampla coleção, a partir da qual é possível criar os mais diversos recortes, tal como se verifica na exposição atualmente em cartaz no Espaço Cultural Unifor.

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