Manipulações de cor e contraste não modificaram a essência da informação ou resultado que o fotógrafo pretendeu. Robinson Crusoe, de William Lake Price.

Em uma época com tantos softwares de edição de imagens, alguns que podem ser carregados nos celulares dentro do bolso, fica difícil não falar de manipulação quando se propõe a falar sobre fotografia. Porém, alguns não consideram que antes mesmo das ferramentas digitais já se manipulava imagens. Esta é a proposta do curador e pesquisador estadunidense Malcolm Daniel, que vem à feira SP-Arte/FOTO para integrar a programação do ciclo de conversas TALKS, falando sobre seu estudo acerca disso. Junto a ele, participa do painel a pesquisadora brasileira Fabiana Bruno, tendo seus estudos e sua fala apoiados na ideia de pós-fotografia. Ou seja, tudo aquilo que acontece logo após que o clique é feito com a câmera.

Malcolm é curador de fotografia do Museu de Belas Artes de Houston e ex-diretor curatorial do Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque. Ele conta à ARTE!Brasileiros que aqueles que o conhecem brincam sobre como ele fica empolgado sobre “todas aquelas pequenas fotografias pardas do século XIX sendo que há coisa tanto acontecendo de interessante na fotografia contemporânea”. Ele está sempre buscando formas de converter pessoas para que gostem das fotografias antigas, essas que fazem o seu coração bater tão rápido.

Manipulações de cor e
contraste não modificaram
a essência da informação
ou resultado que o fotógrafo
pretendeu. Robinson Crusoe, de William
Lake Price.

Em sua fala em São Paulo, Malcolm não se propõe, porém, a dizer que “não há nada de novo sob o Sol” a respeito das técnicas de manipulação ou autenticar fotógrafos mais recentes colocando-os em uma linhagem histórica. A verdadeira intenção do curador é fazer o oposto, incentivando as pessoas a conhecerem e apreciarem grandes fotógrafos antigos sabendo que foram precursores de nomes como Andreas Gursky, Sally Mann, Mickalene Thomas, Vik Muniz e John Chiara, por exemplo, pois empregaram técnicas e estratégias que, de acordo com ele, as pessoas acham interessantes na fotografia recente: “Não apenas no que diz respeito à manipulação, mas também em cenas simuladas para as câmeras, uma disposição em aceitar uma oportunidade ou um acidente, uma fascinação com o processo da materialidade, uma investigação tipológica da palavra”, explica.

Sobre a manipulação de imagens ser algo bom ou ruim para a fotografia como arte em geral, ele prefere dizer que não acredita nesse dualismo –mesmo que ferramentas como o Photoshop sejam, segundo ele, uma facilidade que muitas vezes foram “uma armadilha que os fotógrafos caíram”. Apesar disso, confessa que acredita que a melhor manipulação é aquela que passa despercebida pelos olhos do público e que não acha atraente quando “a manipulação se torna o conteúdo da imagem em vez de ajudar o conteúdo”.

Manipulações de cor e
contraste não modificaram
a essência da informação
ou resultado que o fotógrafo
pretendeu. Lovely Six
Foota, de Mickalene Thomas.

O curador defende que aquilo que é feito hoje com a facilidade e rapidez do softwares “não é diferente do que era feito manualmente por antecessores no quarto escuro”. Lá atrás, eles já usavam métodos para cortar ou ajustar a exposição ou o tempo, por exemplo. Alguns dos fotógrafos do século XIX que Malcolm leva em consideração nesse aspecto são William Lake Price e Gustave Le Gray.

Price é, de acordo com pesquisadores como Maria Inez Turazzi, quem publicou o primeiro manual de fotografia que se propunha a abordar e debater questões estéticas e conceituais. A publicação dataria do ano de 1985. Talvez o trabalho mais conhecido de Gustave Le Gray, por confirmar a capacidade da fotografia de captar o instante, “A Grande Onda” (1857) precisou ter dois negativos diferentes impressos no mesmo suporte para que o artista chegasse ao resultado pretendido. Esse procedimento, segundo Marcelo Ribeiro, professor de comunicação da UFBA, teria sido aplicado a todas as fotografias que compõem a série Le Gray em Sète.

Para Malcolm, o mais interessante de poder apresentar sua fala no evento é poder fazer com que as pessoas entrem em um território que, muitas vezes, é desconhecido. “É uma chance de introduzir as pessoas a algo novo, instigar o sentido da descoberta, abrir os caminhos para a exploração e para o prazer”, comenta. Ele também aponta isso como a parte mais legal de poder ser curador de mostras para o museu onde trabalha atualmente. “Sabe que o velho ditado ‘eu não sei muito sobre arte, mas sei do que gosto’? Ele é mais um ‘Eu não sei muito sobre arte, mas gosto do que sei”, destaca. E finaliza: “Estou convencido de que essas ‘pequenas fotografias pardas do século XIX’ podem fazer os corações de outras pessoas baterem rápido também”.

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