Em seu livro, Esculpir o tempo, o cineasta russo Andrei Tarkovsky (1932-1986) nos lembrava que: “o tempo constitui uma condição da existência do nosso ‘eu’. assemelha-se a uma espécie de meio de cultura que é destruído quando dele não mais se precisa, quando se rompem os elos entre a personalidade individual e as condições de existência”.

O tempo que nos cerca está diretamente ligado à memória. Memória de um tempo que vivemos, memória que nos alegra e que nos assombra. No caso do Marcelo Brodsky, 68 anos, fotógrafo argentino e ativista de direitos humanos, a memória é uma maneira de apontar e nos lembrar das crueldades do mundo: das perseguições, das injustiças, dos genocídios, das ditaduras! E a linguagem que ele escolheu para preservar esta memória foi a fotografia. Descendente de judeus russos emigrados para a Argentina, Brodsky nasceu em Buenos Aires, em 1954, e começou a fotografar na década de 1980, período em que esteve exilado em Barcelona por conta da ditadura militar em seu país natal. Na Espanha, enquanto cursava economia e fotografia, começou uma série de registros fotográficos em torno da imigração, tema presente em toda sua carreira. “Como artista judeu, necessito de imagens para expressar a importância da memória e explorar a relação com o tempo presente”, declara Brodsky.

Desta forma, o fotógrafo, durante sua carreira, resolveu acompanhar os percursos dos exilados, escolheu ser a voz dos que desapareciam pelas mãos dos ditadores, sofriam ou eram rechaçados pelas sociedades ocidentais, por suas escolhas políticas, por questões raciais. Suas imagens, suas narrativas poético-políticas podem ser acompanhadas no Museu Judaico de São Paulo (MUJ) na exposição Marcelo Brodsky: Exílios, Escombros, Resistências, uma retrospectiva de sua carreira com curadoria do crítico Márcio Seligmann-Silva: “A obra de Brodsky nasce de sua trajetória como exilado político, onde cruzam-se histórias de violência e destruição que desenham um painel da Modernidade, sendo  um local de aniquilação, mas também palco de lutas, de sonhos e de utopias”, pontua o curador sobre o artista, que trabalha na zona de encontro entre arte, história, arquivo e circuitos de informação. O caráter revolucionário da fotografia como registro contra o esquecimento é ressaltado pelo curador no texto expositivo. “Marcelo Brodsky é um artista fotógrafo, além de colecionar, ele intervém em outras fotografias, escrevendo, desenhando”.

Sã0 130 imagens histórias, revisitadas, recontextualizadas, que atravessam a história das ditaduras e suas feridas na América Latina, mas também apontam para o genocídio na Namíbia, no início do século XX, e a questão dolorosa dos refugiados e imigrantes no mar Mediterrâneo.

EIXOS CURATORIAIS

Para dar conta de tantas problemáticas a exposição organizada ao redor em três eixos: a questão dos Exílios como o primeiro deles, em séries como Migrantes – No Mediterrâneo e Abrir as Pontes, sobre problemas humanitários e a questão dos refugiados. No segundo eixo, Escombros, ele traz outra série, Remains – Escombros – AMIA, referente ao ataque terrorista sofrido pela Asociación Mutual Israelita Argentina em 1994, que deixou 85 mortos. Já em Resistências, o terceiro eixo, abre-se uma nova perspectiva para além das histórias de violência captadas por suas lentes, como, por exemplo, intervenções em que aparecem injustiças durante o período da ditadura na América Latina, questões de gênero e raciais nos Estados Unidos e no mundo afora.

Não poderia faltar na exposição a questão do assassinato da Marielle Franco em 2018. A fotografia da vereadora, realizada por Bernardo Guerreiro, foi multiplicada em diferentes cores ao estilo das séries Death and Disasters, de Andy Warhol. Pena que ficou faltando a imagem do motorista, também assassinado junto com a vereadora, Anderson Gomes.

A exposição, como bem pontua o curador, é “um colecionismo crítico de imagens dos séculos XX e XXI. Ou, como nos lembrava o filósofo da memória Henri Bergson (1859-1941), “na realidade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças”.

SERVIÇO

Marcelo Brodsky: Exílios, Escombros, Resistências
Até 5/11
Curadoria: Márcio Seligmann-Silva

Museu Judaico de São Paulo Rua Martinho Prado, 128 Bela Vista São Paulo (SP)
Horários: terça a domingo, das 10h às 19h (última entrada às 18h30), exceto  quinta-feira, que abre ao meio-dia e fecha às 21h
Ingressos: R$ 20 inteira; R$10 meia. Sábados: gratuitos


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