Jochen Volz entrevista sobre quarentena e arte em período de coronavírus
Jochen Volz, diretor-geral da Pinacoteca de São Paulo. Foto: Divulgação

Em meio aos infinitos comentários, opiniões e palpites que circulam nos meios de comunicação e redes sociais em tempos de pandemia do novo coronavírus, é comum se deparar com a afirmação – em tom quase celebrativo – de que grandes obras de arte resultarão deste período de isolamento social. Menos otimista, o diretor-geral da Pinacoteca de São Paulo, Jochen Volz, não discorda que obras incríveis possam surgir dessa experiência, “mas não em um sentido romântico, e sim dentro da ideia de que a arte sempre está sendo feita, apesar de tudo”, diz ele.

Volz observa, na verdade, uma situação bastante preocupante para a classe artística e para as instituições culturais do país, algo que decorre tanto da pandemia quanto da existência de um governo que despreza a cultura. “Porque se a cultura não é colocada em seu devido lugar dentro da sociedade, se já não é respeitada, ao menos em nível federal, e agora também não pode ser vivida coletivamente, isso me preocupa.”

Nesse sentido, ele fala dos meios encontrados pela Pinacoteca para manter a proximidade com seu público, através das plataformas digitais, seja em posts diários sobre obras do acervo, em lives com os curadores das mostras ou no tour virtual pelo museu disponibilizado no site da instituição. Volz afirma também que as mostras programadas pelo museu serão reagendadas, mas não canceladas, e que a Pinacoteca está fazendo todos os esforços para que demissões não sejam necessárias, apesar de o risco existir. Leia abaixo a íntegra da entrevista.

ARTE!✱  Neste contexto da pandemia do coronavírus e da necessidade de isolamento social, eu queria começar perguntando como vocês estão trabalhando na Pinacoteca, que tipo de planejamento estão fazendo e que soluções têm encontrado para manter o museu atuando.

Jochen Volz – Assim que ficou claro, no meio de março, que a visitação pública deveria ser suspensa e que a presença da equipe deveria ser reduzida ao máximo, a gente se adaptou a três linhas principais de trabalho. Primeiro, cuidar do público e da equipe, facilitando que as pessoas da equipe trabalhem de casa e com a preocupação de que todos passem bem e se sintam seguros. A segunda questão é a da manutenção dos prédios e da coleção. Ou seja, tanto as vistorias regulares aos acervo, feitas com um rodízio da equipe, quanto um esquema alinhado com a segurança e o Corpo de Bombeiros. E a última linha, obviamente, é pensar como garantir que a gente mantenha uma boa conexão com o nosso público.

E aí entram todas as atividades no mundo online, virtual, nas redes sociais. Criamos, por exemplo, um programa chamado Pina de Casa, que acontece tanto no nosso site quanto nas redes sociais, no qual todo os dias a gente seleciona uma obra do acervo e a publica junto a um texto feito pela curadoria ou pela equipe educativa. Nós entendemos que nenhuma dessas ações substitui a experiência de visitação ao museu, mas a gente entende que é uma possibilidade de oferecer conteúdos complementares. Então podemos trazer detalhes sobre as obras, curiosidades, fatos e outras coisas que geralmente não percebemos ou não sabemos.

Sobre as exposições que estariam em cartaz, temos feito uma outra coisa. Por exemplo, no dia 28 de março abriríamos a mostra OSGEMEOS: Segredos. Então, como curador da mostra, eu fiz neste dia uma live falando a partir do catálogo, contando bastidores, falando dessa mostra que está quase pronta, toda montada, e que em algum momento será aberta ao público. E aí na semana seguinte a Ana Maria Maia, curadora da Pinacoteca, falou da exposição Hudinilson Jr.: Explícito, que estava em cartaz na Estação Pinacoteca. Agora, no sábado passado, a Fernanda Pitta falou da exposição da Marcia Pastore. E aí teremos mais duas lives já marcadas: sábado que vem (dia 18) o José Augusto Ribeiro vai falar sobre a exposição Vanguarda brasileira dos anos 1960 – Coleção Roger Wright e no outro sábado a Valeria Piccoli, nossa curadora-chefe, vai falar da exposição do acervo. São formas de contar um pouco sobre esse acervo, sobre nosso trabalho, sobre curadoria. E depois destes cinco encontros vamos continuar com outros.

Fachada da Pinacoteca de São Paulo. Foto: Rodrigo Zorzi

ARTE!✱ Existe o tour virtual também…

Sim. Aí dentro do site demos destaque para a nossa visita virtual. Ela existe desde 2016, mas a gente voltou a divulgar. E só na segunda metade de março recebemos cinco vezes mais visitantes do que costumamos receber em um mês normal. Então as pessoas estão de fato utilizando essas ferramentas para poder visitar e conhecer o museu. E uma outra frente são os programas educativos. Temos uma página, ligada ao site da Pinacoteca, que oferece várias atividades para jovens, famílias etc., com uma forma mais lúdica de aproximar as pessoas do acervo. E lá também nós percebemos um grande aumento de visitação, de frequência. E sobre as exposições, estão todas suspensas ou adiadas, mas a gente optou por não cancelar nada. Toda a programação anunciada vai acontecer. Estamos alterando as datas e trabalhando com os parceiros para negociar novos prazos de empréstimos de obras, mas à principio toda a programação segue confirmada.

ARTE!✱ No seminário internacional da arte!brasileiros sobre gestão você falou muito sobre a ideia de participação, de que um museu contemporâneo deve ir além da ideia de contemplação e envolver a participação do público. Como pensar essa questão no contexto atual?

Eu acho que nós todos estamos descobrindo quais formas de participação e de diálogo de fato são viáveis neste momento. Acho que já começamos a perceber tipos de conteúdo que funcionam mais ou menos. Então é interessante perceber que estamos aprendendo como usar essas ferramentas de forma criativa, participativa, surpreendente. Eu entendo que o museu é um lugar de diálogo, de construção participativa de fato. E acho que a Pinacoteca conseguiu desenvolver ferramentas para praticar isso no museu. Agora estamos em um momento de reflexão, aprendizado e experimentação para ver quais são as formas de manter esse mesmo espirito mas de forma digital, à distância. As lives, por exemplo, estão funcionando. Mesmo que existam muitas sendo feitas por aí, temos tido muita interação, e é bem bonito de ver. E claro que tem outras frentes ainda para experimentar. Mas muitos dos projetos – cursos, por exemplo – não são coisas que se desenvolve de um dia para o outro. Então existe um grande desafio para a equipe.

ARTE!✱ Nessas últimas semanas acompanhamos uma série de demissões ou rompimentos de contratos em museus como Serralves e MoMA, entre outros. Existe o risco de algo semelhante acontecer na Pinacoteca?

O risco existe, mas estamos fazendo de tudo para evitar isso, sabendo da importância de todas as equipes e também partindo do fato que a gente já trabalha com uma equipe bastante enxuta. Mas o risco existe.

ARTE!✱ Ao falar dessas demissões, o crítico de arte português Celso Martins escreveu que ao agir deste jeito os museus seguem uma lógica de mercado e se comportam como empresas, o que foge ao papel que um museu tem na sociedade. Você concorda?

O principal problema para os museus, e isso em todo o mundo, é que a folha de pagamento dos funcionários é o maior custo. Ela representa normalmente uma grande parcela do orçamento de qualquer museu. Então para fazer alguma economia, é algo complexo. Tem algumas coisas que um museu, diferentemente de outras instituições ou empresas, não pode reduzir, como segurança, luz etc. Então isso é um ponto frágil na estrutura de um museu ou de qualquer aparato cultural. Quando você não tem receita suficiente e precisa equilibrar as contas para manter um museu funcionando, você precisa equilibrar sua folha de pagamento. Por isso há sempre esse risco.

ARTE!✱ Agora, falando sobre o trabalho dos artistas propriamente dito, como você vê esse momento, pensando em uma classe que já costuma viver com bastante dificuldade no Brasil? Tem gente que diz que deste período de confinamento sairá muita produção, mas me parece estranho celebrar qualquer coisa neste momento…

Tenho acompanhado com muita preocupação. A classe artística, seja nas artes visuais, músicos, dançarinos… são pessoas que vivem da exibição ou performance de sua produção, e isso sempre parte do pressuposto de que existe um outro assistindo, vendo, estando junto. Então estão todos sofrendo um grande impacto. Não é hora de romantizar absolutamente nada. Ao mesmo tempo que a arte, a criatividade existiu nos piores momentos da história. Então acho que tem uma resistência da criação e da arte que vai sim sair forte disso. Certamente também serão produzidas obras incríveis a partir dessa experiência, mas não em um sentido romântico, e sim na ideia de que a arte sempre está sendo feita, apesar de tudo. Agora, pensando a cultura como uma ideia coletiva, como um momento de criação de uma base comum, de uma linguagem, de uma projeção para um futuro em comum, de uma imaginação em comum dividida entre vários, isso me preocupa. E temos que achar outras formas para não perder isso. Porque se a cultura não é colocada em seu devido lugar dentro da sociedade, se já não é respeitada, ao menos em nível federal, e agora também não pode ser vivida coletivamente, isso me preocupa.

ARTE!✱ Nesse sentido, independentemente da quarentena, já existia no Brasil um quadro muito conturbado e ameaçador para a cultura nos últimos tempos, com um governo que parece enxergar a classe artística como inimiga. Como você vê esse momento?

Desde 2019 eu vejo que a situação mostra um certo paradoxo. Por um lado você tem um governo federal que, vamos dizer, despreza a cultura. E a quantidade de secretários de cultura que passaram por lá já é um sinal claro disso. Mas isso vai um pouco na contramão do que está acontecendo em outro nível, que é um aumento de público em grande parte dos museus no Brasil. Não só em São Paulo, mas em vários lugares, estudos mostram um aumento de aproximadamente 30% na visitação dos museus em 2019. Então se há uma política federal que vai em certa direção, a sociedade vai em outra e abraça os museus e equipamentos culturais, percebendo como eles são importantes na construção de uma ideia de coletivo, de sociedade.

E nós, na Pinacoteca, como somos um museu do Estado de São Paulo, temos visto que nesse nível estadual há essa percepção de abraçar a cultura como uma área chave, que precisa ser fortalecida. Acho que existe uma política, também municipal, se declarando pró-cultura. Então tem uma certa esquizofrenia… uma discrepância entre o que a política federal declara e o que a sociedade quer. E o que nós temos defendido na Pinacoteca é que o museu tem que ser esse espaço plural, onde é possível que diferentes ideias políticas coexistam, onde questões religiosas, raciais e sociais podem ser discutidas. E a gente considera que nossa programação na Pinacoteca cria de fato um espaço plural.

ARTE!✱ Para concluir, retomando mais uma vez o seminário, lembro que você afirmou que o lugar da arte é o de imaginar outras formas de viver junto, outras formas de imaginar uma convivência democrática, formas que realmente consigam enfrentar os grandes desafios do nosso tempo. Quer dizer, pensando nestes tempos difíceis para a humanidade, talvez seja também um momento em que podemos aprender com a arte sobre outros mundo possíveis? 

Totalmente. Acho que é um momento de olhar para as estratégias artísticas novamente e ver como os artistas tem imaginado o inimaginável. Sempre me inspira muito pensar como alguém podia imaginar coisas tão diferentes de tudo que a gente já sabia até então. E quando estamos vivendo um momento de total incerteza, entendo que é hora de olhar e ter outras fontes de inspiração. E isso pode ser na cultura e na arte. Eu falo isso desde a nossa Bienal de São Paulo de 2016, quando fui curador, mas é basicamente isso: pensar em como abraçar este momento de incerteza. E em vez de se recolher no medo, pensar em como transformar esse momento em ação.


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