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Formação, informação e deformação

Sebastião Salgado - Church Gate Station Bombay Índia - 145x200cm-1995

Em 1781 Immanuel Kant publicou “A Critica da Razão Pura”, que rapidamente tornou-se um marco para a teoria do conhecimento ao definir as condições pelas quais a ciência separa-se da metafísica. Com isso ele criava novos critérios para distinguir o que é uma opinião, relativa, subjetiva e interessada do saber que aspira universalidade, objetividade e imparcialidade e que na origem é o que chamávamos de verdade. Ao mesmo tempo ele reinventava um método que comportava sua própria reatualização: o método crítico. Separava-se assim o conhecimento, resultado da comparação entre conceitos e fenômenos e crítica do conhecimento, o exame do processo, dos pressupostos, das condições ou dos pontos de vista pelo qual este conhecimento se realiza.

Toda informação depende, portanto, de uma formação. Formação tem aqui dois sentidos diferentes: produção de fatos, dados e acontecimentos, mas também educação de sujeitos, usuários, leitores, cidadãos ou consumidores, para os quais o conhecimento será útil, válido ou relevante. Portanto, a crítica incide duas vezes neste processo, examinando as deformações causadas no curso da construção dos fatos e também desfazendo as deformações inerentes aos processos educativos do sujeito: seus preconceitos históricos, crenças particulares e interesses individuais. Comprimindo muito o assunto, poderíamos dizer que este modelo de crítica determinou fronteiras importantes até hoje: ciência ou política, fatos ou interpretações, Estado ou família, leis gerais e valores particulares. Foi este modelo que implantou também o sentimento social de respeito pela razão, fonte e origem da autoridade que estamos dispostos a reconhecer.

Disse que em 1781 Kant publicou a “Crítica da Razão Pura” e você, caro leitor, deve ter pensado em coisas como “isso é antigo demais”, afinal “quem foi Kant?” ou “este texto vai ser chato, universitário e elitista demais”. Legendas mentais como: “esquerdismo vermelho” e “chega de crítica, precisamos de ideias positivas, práticas e resolutivas” podem ter piscado no canto esquerdo de seu cérebro. Quando usei palavras quase técnicas como “ciência” e “metafísica” perdi metade dos leitores para a máxima: “não complica o que não existe” e mais um terço para “legal, mas muito difícil para quem está no corre da vida real”.  Mas duvido que alguém tenha pensado que o ponto mais problemático do parágrafo anterior esteja em sua quarta palavra, ou seja: publicou. Kant publicou, ou seja, tornou público através de um livro, composto por tipos móveis impressos em folhas de papel.

Suas ideias foram lidas, primeiramente por alunos de universidades que falavam alemão, começando pela pequena cidade prussiana chamada Königsberg, onde o rio cruzado por sete pontes. Dali ele tornou-se inspiração para os teóricos ingleses da moral, para o entendimento do que foi a revolução francesa, para formação das instituições americanas, para os modelos de educação, cultura e ciência no mundo. Portanto, tudo o que afirmei acima e todo o legado de Kant, também chamado de o debate das luzes, depende deste acontecimento que tornou possível o acontecimento Kant, que é a existência de um espaço público. É tão somente pelo uso da razão no espaço público que alcançamos maioridade, autonomia e liberdade, os meios e os fins de como queremos ser reconhecidos. É no espaço público que os interesses se cruzam formando conflitos, nele acontece a disputa de ideias e de palavras que caracteriza a política em sentido moderno, é nele também que se formam discursos e narrativas pelos quais nos fazemos reconhecer e podemos reconhecer os outros. O trabalho da crítica, neste contexto, é o de denunciar deformações, zelando pela pureza do processo, mais do que pelas teses vitoriosas ou perdedoras a cada rodada. Por isso o afeto fundamental da crítica clássica é a culpa. Culpa por ter corrompido a pureza da lei com interesses e inclinações.

Disso decorre um problema crucial: o que acontece quando o espaço público se deforma? Se ele é condição para o exercício da crítica, como fazemos quando ele passa a ser controlado de tal maneira que, em vez de comportar tendencialmente a participação de mais pessoas, generalizando a inclusão de vozes e sujeitos, que quiseram ou puderam se emancipar de suas minoridades, ele passa a ser organizado, reversamente, por regras de exclusão? É o caso, por exemplo, das políticas públicas que retiram investimentos da educação (criando tetos de aplicação de receitas), ou que desprezam a importância da ciência (cortando bolsas de estudo), ou que desfazem do papel da cultura (extinguindo ministérios). Quando se diz que isso está a serviço da redução do tamanho do Estado, outros objetarão que está em curso uma identificação equívoca entre Estado e espaço público.

Ciência, arte e educação são justamente meios decisivos para formação qualificada de novos habitantes para o espaço público. Pode-se contra argumentar aqui que tais práticas habilitam apenas formalmente alguém a participar do jogo. Se a economia não permitir, não haverá expansão do espaço público. Não há espaço público para pessoas passando fome, morando na rua ou desempregadas no que restou de suas casas. Por isso muitas políticas públicas percebem tais “ocupantes indevidos” do espaço público (ruas, pontes e regiões centrais de grandes cidades) como um obstáculo a ser removido e não como um sintoma provocado pela própria contração do espaço público (redução de serviços de suporte social, saúde e políticas de emprego, habitação e circulação de pessoas). Muitos intervirão dizendo que o fato fundamental é que não há dinheiro para tudo e que em situação de falência precisamos primeiro arrumar a casa da economia para depois pensar na educação ou na saúde, afinal os bens materiais são condição para os bens simbólicos.  Contra isso outros argumentarão que talvez a falência não seja tão profunda assim, que a crise esteja sendo fabricada ou exagerada para produzir e justificar a conveniência dos “remédios” anti-crise.

Ora, o que o leitor encontrou no parágrafo acima, parece apenas uma recapitulação bem comportada e genericamente civilizada do debate entre esquerda e direita que se encontrará em versões mais ou menos tendenciosas nos grandes jornais e na imprensa brasileira. A forma debate é um dos aspectos assumidos pelo uso da razão em espaço público. Debater presume argumentos e argumentos dependem de fatos, mas também, como vimos de interpretações e de interesses. O debate tem por isso uma dupla função, ele exerce e cria condições para novas formas jurídicas e deliberações políticas, mas ele também é uma experiência formativa, ou seja, ele educa, ele ensina como falar e como lidar o outro por meio da linguagem e da razão. Outra palavra chave para entender a noção de debate é a ideia de reflexão. Refletir implica suspender a ação e o juízo, examinar o que se apresenta diante de nós, reconstruir o processo de formação do que se apresenta diante de nós, seja isso um fato, seja isso uma interpretação.

Refletir significa ainda sair de si mesmo, deixar a sua posição e assumir a conjectura da pertinência e existência de outro lugar. Finalmente, refletir é fletir novamente, ou seja, retornar a si, mas agora transformado pela jornada da reflexão. Se a reflexão funciona bem o outro também se transforma ao participar de nossa reflexão. E ela é melhor ainda se implica consequência e responsabilidade. Ora, a urgente necessidade de reconstruir o debate público no Brasil não é uma operação de legislativa, feita apenas de novas e melhores leis, da radicalização de atitudes morais, ela é uma tarefa urgente. Uma reforma da reflexão, uma reforma da crítica, uma reforma das instâncias que deveriam ter cuidado do debate e do espaço público e que não o fizeram durante os anos 2013 a 2017. Tudo isso precisa ocorrer junto com a reforma política. É preciso refundar a crítica, e como toda crítica ela começa pela auto-crítica. Isso implica rever o papel daqueles que tem por ofício cuidar da conversa assim como participar dela. Aqueles que funcionam como os representantes das “regras do jogo”, e estes representantes classicamente são a universidade e os intelectuais (Kant volta aqui mais uma vez), a imprensa e o sistema da cultura, a educação e o judiciário. É curioso como todas estas funções foram convocadas e parasitadas no interior do debate que evoluiu para não-debate em 2016, culminando na suspensão organizada da lógica da conversa e assunção da lógica do golpe, da pós-verdade e da  pós-política. Esquerda e direita estão agora juntas e envergonhadas, ainda que por motivos distintos. A operação limpeza moral, baseada na purificação do mal, parou no ridículo golpe dentro do golpe que mantém um corrupto no poder “por motivos práticos”, assim como teria retirado uma corrupta do poder “por motivos igualmente práticos”. Afinal, que racionalidade é esta senão a vitória da deformação sobre a formação e a informação? Como tão poucos conseguiram enganar tantos com razões tão deformadas?  Aqueles que repudiam professores, intelectuais e artistas, que desmerecem o espaço público, aqueles que se aproveitaram do ressentimento social para suspender o debate, aqueles que usaram a retórica da limpeza para contrariar a “razão pura”, aqueles que ganharam muito com a emergência do novo irracionalismo brasileiro, estão agora quietos, indiferentes e envergonhados. É o momento de refundar a crítica, sem tripudiar deste engano, mas entendendo como ele se tornou possível.

Quando identificamos espaço público com Estado, quando confundimos interesse público com bens públicos, quando reduzimos bens públicos aos recursos e responsabilidades do Estado, estaríamos deixando de enfrentar a pergunta realmente crucial, ou seja, a redução do Estado não seria um artifício para melhor controlá-lo em favor de interesses particulares? Aqui o problema da deformação do espaço público encontra outra versão. Neste caso não é que ele se contraia, diminuindo seu tamanho, excluindo pessoas, por exemplo, pobres e analfabetos ou negros e mulheres, mas ele muda de dono, ele deixa de ser de todos e passa a ser de alguns, por exemplo, daqueles que estão representando as pessoas e que usualmente chamamos de políticos. A rigor, político não é o que assume isso como uma profissão ou carreira parlamentar, mas todo aquele que fala e age em espaço público. É apenas por uma destas deformações, típicas da redução do espaço público a uma lógica de condomínio, que ressurge esta tendência anti-política, expressa, por exemplo, pela recusa ou desleixo com o voto. Ainda que baseado em atitude crítica, (note o retorno da palavra crítica mais uma vez), a atitude anti-política é no fundo uma política suicidária. Ela afirma garbosamente que os políticos lá em Brasília estão destruindo o Brasil (e estão mesmo), mas não se dá conta de que ao dizer isso, preguiçosamente, se está a afirmar ao mesmo tempo: “eu sou uma criança infantil, que não tenho interesse em participar disso, ou seja, do espaço público, pois ele é cheio de interesses, sujeiras e negociatas. Ademais quem se mete com isso torna-se imediatamente suspeito”. Tudo verdade. Uma verdade tão verdade que habilita os “não políticos” os “homens de ação e obras” a praticar a pior das políticas, a saber, aquele que consagra-se a reduzir o espaço público, econômica e formativamente e aquela que serve aos particulares amigos no melhor dos mundos possíveis para os negócios, ou seja, o negócio que é supervisionado pelo Estado em favor de uns e não de outros. Um negócio que não e um verdadeiro capitalismo, mas um uso do Estado para fazer bons negócios com minha família, amigos ou protegidos.

Ocorre que a crise da crítica brasileira envolveu um elemento novo, a formação de uma geração de atores políticos em uma nova linguagem, cujo suporte é a internet, e uma nova gramática de reconhecimento, cujo suporte são as experiências de sofrimento, de classe, de raça, de gênero, combinadas com processos de inclusão-exclusão social quanto a bens simbólicos, como educação, saúde, habitação e circulação.  Nossa geografia clássica, formada por fronteiras claras e distintas entre o público e o privado, cuja violação era percebida como deformativa, passou por uma mutação. Redes sociais são espaços nos quais não é mais o ator que define seu posicionamento, nem mesmo seu lugar de fala, enquanto identidade, mas é o próprio discurso que alterna interesse público e razões privadas. Isso se choca brutamente com o razão baseada em instâncias, que divide administrativamente os problemas e suas funções, as autoridades e suas prerrogativas. Uma crítica baseada em áreas ou especialidades, em autoridades constituídas e reputações firmadas, tem que se haver com um espaço que subitamente pode se tornar horizontal, onde todos falam de igual para igual. Mas este espaço pode, em seguida, ser extinto ou transformado em um deserto de indiferença ou irrelevância.

Rapidamente, o mesmo espaço anódino pode ser reocupado por um discurso vertical de uso, posse e propriedade da razão. A crítica deixa assim de confiar em seus representantes legais constituídos e passa a depender de eventos locais, de reviravoltas cuja característica mais interessante é que ela não é prontamente organizada ao modo de um mercado nem de uma garantia de autoridade. Ora, esta novidade promissora corroeu grandes impérios de informação, criando outros em seu lugar. Ocorre que a produção de informação relevante assim como a de formação qualificada custa muito caro, ao passo que a disponibilidade de informação segue a curva histórica de barateamento. Essa nova linguagem se torna disponível, para um contingente expressivos de brasileiros, no exato momento em que a tensão social se aprofunda. Ou seja, no ponto em que precisaríamos agudamente do trabalho da crítica ela teve que ser, por assim dizer, reinventada às pressas. Esta reinvenção prática da crítica obviamente produziu novas fórmulas e novos espaços de fala, no entanto, criou também o que se poderia chamar de uma reação regressiva baseada na anti-crítica, no obscurantismo e na reaparição de fórmulas pré-kantianas de pensar o espaço público. A pós-verdade é um nome muito novo para designar um fenômeno muito antigo.  A renovação da crítica não se dará pela adesão ao ponto neutro e angelical, uma purificação teológico-política, na qual os verdadeiros eleitos deverão nos guiar ao paraíso. Ela também não virá pela exaustão da culpa e da denúncia de impostores, mas talvez da reformulação da experiência com a vergonha por ser enganado, e com a humildade pelo reconhecimento da extensão do problema.

Jesse Owens e a supremacia branca

Em Nova York, Owens teve de usar elevador de serviço para chegar à recepção em sua homenagem (Foto- Reprodução)
Em Nova York, Owens teve de usar elevador de serviço para chegar à recepção em sua homenagem (Foto: Reprodução)

Do alto de uma tribuna especial, o líder nazista Adolf Hitler comemorava as vitórias alemãs nas Olimpíadas de Berlim de forma quase histérica. Era agosto de 1936. Para evitar um boicote internacional, nos meses anteriores ele havia ordenado uma faxina que eliminou dos espaços públicos todas as referências racistas do regime. Não passava de jogo para a plateia.

Na verdade, Hitler planejava acompanhar a consagração de seu regime no estádio olímpico de Berlim. Cada vitória alemã o aproximava da meta. Até surgir o americano Jesse Owens, o velocista negro que arrebanhou quatro medalhas de ouro naqueles Jogos. Ovacionado no estádio, Owens logo se transformou em símbolo internacional da luta contra o racismo.

Dali em diante, também conviveu com a lenda de que Hitler teria se recusado a cumprimentá-lo pela vitória. Na verdade, o líder nazista já havia parado de parabenizar os atletas quando Owen disparou rumo à consagração olímpica. Hitler mudou de atitude pouco antes de outro atleta negro, o americano Cornelius Johnson, ganhar o ouro no salto em altura.

O fato de ter se tornado um símbolo mundial do combate ao racismo não amenizou em nada o cotidiano de Owens nos Estados Unidos. Para participar de uma recepção em sua própria homenagem no Waldorf Astoria Hotel, em Nova York, teve de subir pelo elevador de serviço, como conta na autobiografia “The Jesse Owens Story”, lembrando que, naqueles tempos, negros não podiam usar elevadores sociais.

“Quando eu voltei para o meu país, com todas aquelas histórias sobre Hitler, eu não podia andar na parte da frente do ônibus, tinha que ir para a parte de trás”, escreveu Owens. “Eu não fui convidado para trocar um aperto de mão com Hitler, mas eu também não fui convidado para cumprimentar o presidente na Casa Branca”, completou, referindo-se a Franklin Delano Roosevelt.

A morte de Fidel Castro, para além do reducionismo de opiniões polarizadas

Morte de Fidel Castro e os diferentes estilos de pêsames globais (Foto: Acervo EBC)

Aos 90 anos de idade morreu Fidel Castro, em meados de 2016. Sua morte foi anunciada pela televisão estatal de Cuba por  Raul Castro, seu irmão e presidente do país caribenho:

“Querido pueblo de Cuba: Con profundo dolor comparezco para informar a nuestro pueblo, a los amigos de nostra América e del mundo, que hoy 25 de novembre del 2016, a las 10 e 29 horas de la noche, falleció el Comandante en jJefe de la Revolucion Cubana, Fidel Castro Ruz. En cumplimiento de la voluntad expresa del compañero Fidel, sus restos serán cremados”.

Fidel há tempos estava doente. Sua última aparição em público havia acontecido em agosto do ano passado, quando completou 90 anos.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, divulgou, através de sua assessoria, nota bastante protocolar e cuidadosa até porque trabalhou muito pela aproximação com Cuba:

“Neste momento do passamento de Fidel Castro, estendemos uma mão amiga ao povo de Cuba. Nós sabemos que este momento enche cubanos – em Cuba e nos Estados Unidos – de fortes emoções, relembrando os incontáveis caminhos em que Fidel Castro alterou o curso das vidas de indivíduos, de famílias e da nação cubana. A história vai registrar e julgar o enorme impacto de sua singular figura no povo e no mundo a sua volta”.

Já o presidente eleito, Donald Trump, não teve nenhum cuidado. Foi direto:

“Hoje, o mundo assiste a morte de um ditador brutal que oprimiu seu povo por cerca de seis décadas. O legado de Fidel Castro é o de pelotões de fuzilamento, roubos, sofrimentos inimagináveis, pobreza e negação dos direitos humanos fundamentais.”

Na mesma linha, o senador republicano pela Florida, o cubano-americano, Marco Rubio, que foi candidato a presidência, também foi direto:

”Por seis décadas, milhões de cubanos foram forçados a abandonar seu próprio país, e aqueles acusados de fazerem oposição ao regime eram rotineiramente presos e até mortos. Infelizmente a morte de Fidel Castro não significa a liberdade do povo de Cuba ou a justiça para os ativistas da democracia, os líderes religiosos e os opositores políticos que ele e seu irmão prenderam e perseguiram. O ditador morreu mas a ditadura continua”.

Enquanto Obama foi cuidadoso, Trump e os republicanos foram diretos. Diretos no fígado.

Vale ler o texto de Eduardo Galeano, do livro Espelhos, uma História Quase Universal, com tradução de Eric Nepomuceno. que está circulando pela internet:

“Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade. E nisso seus inimigos têm razão. Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo. E nisso seus inimigos têm razão. Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes.

E nisso seus inimigos têm razão. Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo.

E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho. E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde ser e não o que quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia à la cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia – que para cada solução tem um problema –, os argumentos que necessitava para se justificar e perpetuar.

E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta. E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha. “

Aqui no Brasil, com seu habitual e consistente equilíbrio, o filósofo Renato Janine Ribeiro lembrou as ambiguidades do regime e postou em sua página no Facebook várias análises. Opiniões contrárias e opiniões favoráveis a Fidel Castro.

O filósofo também manifestou sua indignação no seguinte texto:

“Você tenta entender Fidel, sua ambiguidade: um revolucionário nacionalista com forte preocupação social que os EUA bloquearam, tentaram matar, praticamente jogaram nos braços do comunismo e que com isso puniram um povo todo. E o outro lado, o ditador, a repressão, muitas coisas, mas também ambíguas, porque foi o exército cubano que salvou Angola da invasão racista sul-africana. Um personagem ambíguo. Aí, retardados começam a dizer que foi apenas um assassino, do mal, que os verdadeiros cubanos estão em Miami, – e que eu estou defendendo Fidel. Pensar faz bem, sabem? Quem não gosta de pensar vá aos blogueiros e publicações apropriados.”

Falta de água e de saneamento afeta mais as mulheres ao redor do mundo

O percurso de busca à água muitas vezes é longo, podendo apresentar riscos a essas pessoas. FOTO: Fotos Públicas

O acesso à água segura e ao saneamento sanitário não está disponível da mesma forma para homens, mulheres e outras identidades de gênero. É o que mostra estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), coordenado pelo pesquisador brasileiro Léo Heller, que é relator especial sobre os dois temas na instituição.

Segundo Heller, que também coordena o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Saneamento da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, em quase todas as localidades onde há falta ou má distribuição de serviços de saneamento, são as mulheres que coletam que coletam água para manter a higiene doméstica.

“A situação mais usual é que, quando não há água nas proximidades da residência, as mulheres e meninas são, na maioria das vezes, encarregadas de buscá-la em algum lugar, o que demanda tempo.”

Ele ressalta que essa situação reforça a dependência econômica delas de seus companheiros, já que não são remuneradas por esse trabalho. O  percurso de busca à água muitas vezes é longo, podendo apresentar riscos a essas pessoas de sofrerem ataques de todas as espécies, como de animais selvagens e violência sexual.

Sem acesso a banheiros, essas mulheres se valem de espaços abertos para fazerem suas necessidades, o que as deixa mais vulneráveis ainda.

A inadequação de espaços públicos atinge também a vida de mulheres transgêneros. Estudos feitos na Índia revelam que as transexuais enfrentam dificuldade em encontrar casas para morar, sendo forçadas a viver em favelas e áreas remotas, com sérios problemas de esgoto e distribuição de água.

Outro grupo atingido é a população em situação de rua. Em Belo Horizonte, Minas Gerais, uma pesquisa coordenada por Heller mostra que os albergues e as unidades de acolhimento não são em número suficiente para a quantidade de pessoas sem moradia.

Heller ressalta que o estudo é importante para orientar políticas públicas voltadas para serviços de água e esgoto. “Às vezes, a legislação e as políticas públicas, quando são neutras em relação a essa questão, acabam favorecendo os homens.”

O estudo sugere ainda que os governos criem um sistema de indicadores de gênero para melhorar a coleta de dados desagregados por sexo e outros fatores relevantes que são necessários para avaliar o impacto e a efetividade das políticas que visão a igualdade de gênero.

Como as mulheres influenciaram os protestos por democracia no mundo?

Mulheres protestam no Egito em manifestação de 2013. Foto: Reprodução/Mídia Ninja

*Por Monique Oliveira

Por que a primavera árabe falhou e só a Tunísia emergiu como um pais democrático? Em parte, pela ausência de direitos às mulheres na região, diz estudo  interdisciplinar publicado no European Journal of Political ResearchPesquisadores investigaram dados de 177 países que se tornaram uma democracia a partir dos anos 1900.

Em especial, a análise demonstrou que os países não se tornam plenamente democráticos sem direitos políticos e sociais para as mulheres. E isso é particularmente verdadeiro para os países da Primavera Árabe, onde a incapacidade de promover direitos às mulheres comprometeu qualquer tentativa de governança democrática na área.

O estudo mostrou que os direitos civis para homens e mulheres – direitos à liberdade de expressão, por exemplo – estavam sempre presentes a um nível elevado antes da implementação dos direitos constitucionais. Este padrão foi observado em quase todos os casos de democratização bem sucedida no século XX.

Participaram do estudo Yi-Ting Wang, da Universidade Cheng Kun (Taiwan); Patrick Linderfors, da Universidade de Estocolmo (Suécia); Aksel Sundström, da Universidade de Gothemburg (Suécia); Fredrik Jansson, da Universidade de Estocolmo (Suécia); Pamela Paxton, da Universidade de Texas-Austin (EUA); e Staffan Lindberg, da Universidade de Gothemburg (Suécia).

O custo da repressão

O estudo aponta que, embora antes se considerasse que direitos civis a homens fossem suficientes para a transição democrática, pesquisas mais recentes notam a importância de direitos às mulheres. Isso se deve, principalmente, ao argumento do custo à repressão.

Segundo os autores, a transição de um regime autoritário ocorre quando o custo à repressão dos revoltosos é tão grande que será mais fácil a manutenção do poder em uma democracia. Ou seja, quando uma redistribuição mínima de poder se torna menos custosa que a tentativa da manutenção da autoridade a qualquer custo.

E é aí que entra o papel dos direitos às mulheres. Se mais mulheres tiverem direitos políticos, maior será o custo da repressão na sociedade. “Quando mais cidadãos gozam de direitos e são mais capazes de iniciar revoltas eficazes, a repressão torna-se difícil’, diz o estudo.

Quando as mulheres se engajam no mercado de trabalho e na participação política, menos pessoas na sociedade tendem a resolver suas questões na esfera privada, apontam os pesquisadores. “Portanto, espera-se que a melhoria das liberdades civis das mulheres irá aumentar substancialmente a pressão para mudanças políticas.”

O artigo cita a importância da participação de mulheres em movimentos políticos na América Latina. “Na década de 1980, grupos pró-democratização de mulheres surgiram no Brasil, no Chile e no Peru, centrados na idade de que o cotidiano de mulheres eram economicamente mais difícil do que o de homens”, diz os pesquisadores.”Em protestos urbanos no Brasil, estudos apontam que 80% dos manifestantes são mulheres.”

“Sintetizamor”, a usina dançante de Donato e Donatinho

O compositor, cantor e arranjador João Donato e seu filho, o também compositor, multi-instrumentista e produtor Donatinho- Foto- Renato Pagliacci
O compositor, cantor e arranjador João Donato e seu filho, o também compositor, multi-instrumentista e produtor Donatinho- Foto- Renato Pagliacci

“Em instantes dancem, sim?”. O convite irrecusável, expresso na voz sussurrada e inconfundível de João Donato e seguido por um hilário “nightclub”, serve de abre-alas para as dez composições reunidas em Sintetizamor. Recém-lançado, o álbum resulta da parceria entre o veterano artista acriano, um dos maiores tesouros de nossa música, e seu filho, o compositor, produtor e multi-instrumentista Donatinho, 33, que, egresso da cena de live PAs da música eletrônica da segunda metade da década de 2000, lançou, em 2014, seu primeiro trabalho solo, Zambê, título que, no ano seguinte, conquistou o Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Álbum Eletrônico.

Escrita por Donato, Donatinho e Davi Moraes, De Toda Maneira, a canção citada no início deste texto, dá pistas de sobra do que virá depois. Além de contar com uma feliz profusão de parcerias nas vozes e nas letras (Domenico Lancelotti, Gabriela Riley, Jonas Sá, Ronaldo Bastos, Jean Kuperman, João Capdeville, Rogê e Julia Bosco, esposa de Donatinho), Sintetizamor é também impregnado de texturas eletrônicas e beats capazes de exterminar qualquer possibilidade de inércia humana. Uma usina dançante equipada com “reatores” polifônicos revestidos de timbres analógicos e osciloscópicos de sintetizadores, synth-basses e programações eletrônicas; talkboxes e vocoders que remetem ao saudoso Zapp de Roger Troutman; além de um manancial de acordes e solos de piano elétrico (claro, o clássico Fender Rhodes, consagrado em terras brasileiras em Quem é Quem, a obra-prima de 1973 que revelou o canto sereno e suave de João).

Infalível, em meio às melodias e letras que imediatamente grudam na cabeça, a receita processada por Donatão e Donatinho remete a uma fase solar da música popular mundial, iniciada com a utilização de recursos elétricos e eletrônicos no período de ascensão dos chamados jazz-funk e jazz-fusion. Transição escancarada em um sem-número de álbuns produzidos pela dupla Mizell Brothers e títulos divisores como Headhunters (1973), de Herbie Hancock – álbum que, aliás 1., despertou a paixão de Donatinho pelas teclas pretas e brancas quando ele era um garoto de 12 anos de idade; Hancock que, aliás 2., é homenageado na segunda faixa, Surreal. Com pequenas variações climáticas – sobretudo nas três últimas faixas, Vamos Fugir à FrancesaIlusão de Nós e Hao Chi, mais intimistas – Sintetizamor persegue também estéticas consagradas no decênio 1975-1985 para reprocessar elementos do melhor da disco music, do disco funk, do synth-pop e do boogie.

Sobre esse último gênero citado no parágrafo anterior, aliás, é inegável a associação da usina sintética de Donatão e Donatinho com certa produção brasileira do primeiro quinquênio dos anos 1980 hoje cultuada nos Estados Unidos e na Europa como “Brazilian Boogie”. Faixas como Quem é QuemInterstellar e A Lei do Amor (carro-chefe do álbum, que imediatamente arrebatou o público assim que foi divulgada no começo de junho último) dialogam diretamente com certo imaginário musical daquele Brasil às vésperas da redemocratização, uma nação, impregnada de espírito jovem e entusiasmada com seu futuro, que foi tomada de assalto nas rádios FM do eixo Sudeste com hits como Estrelar, de Marcos Valle (outro gigante de nossa música, que havia recém-voltado ao País depois de cinco anos radicado em Los Angeles), Aleluia, da onipresente dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti, Festa Funk, de Almir Ricardi, Rio, Sinal Verde, de Junior Mendes, e Olhos Coloridos, de Sandra de Sá.

A capa e o poster com as letras do álbum Sintetizamor foram criadas pelo quadrinista Allan Jeff, brasileiro de prestígio internacional. Foto: Divulgação / Deck
A capa e o poster que contém as letras e a ficha técnica do álbum Sintetizamorforam criadas por Allan Jeff, brasileiro de prestígio internacional no universo das HQs. Foto: Divulgação / Deckdisc

Com capa e ilustrações especialmente produzidas pelo brasileiro Allan Jeff, ás das HQs que brilha no exterior em publicações de gigantes como a DC Comics, Sintetizamor foi integralmente gravado no estúdio Synth Love, de Donatinho. Além dos já citados Davi Moraes e Rogê (guitarras), Julia Bosco e Gabriela Riley (vocais), os arranjos também contaram com os seguintes músicos e intérpretes: Marcelo Amaro (shaker e afoxé), Marlon Sette (trombone), Diego Gomes (trompete), Ricardo Pontes (flauta), Pedro Dantas (baixo), Leonardo Vieira (guitarra), Felipe Pinaud (guitarra), Maria Joana (vocais) e Fernanda Sung, que recita Hao Chi (em tradução livre “delicioso”), poema de Julia Bosco que foi vertido para o chinês.

Também no início de junho, quando foi divulgada a faixa Quem é Quem, o DJ nova-iorquino Greg Caz, notório apaixonado por nossa música, repercutiu a novidade com um comentário divertido – e ao mesmo tempo sintético – em sua página pessoal no Facebook: “Quando um lançamento brasileiro é anunciado, há uma tendência em muitos lugares, particularmente no Reino Unido, de o texto começar com as seguintes palavras ‘em tempo para o Verão, aqui está o novo álbum de…’. É um clichê engraçado, mas, neste caso, não poderia ser mais apropriado. Senhoras e senhores, em tempo para o Verão: The Donatos!!!”. No encerramento da apresentação de Sintetizamor, trabalho aventado havia anos por ele e seu pai, Donatinho esclarece alguns aspectos do álbum: “Este é um disco de pai para filho, de filho para pai, de nós para vocês. Sintetizamor é isso: música feita com sintetizador, que, ao invés de sintetizar dor, sintetiza o amor”, conclui.

Neste Brasil sombrio e rachado de 2017, o hedonismo dançante, luminar e festivo registrado em Sintetizamor tem certa força involuntária de servir como válvula-de-escape mais que bem-vinda para atenuar a atmosfera de melancolia vigente. O baile no palco da comedoria do Sesc Belenzinho, capitaneado por Donatão – que no próximo dia 17 completará 83 anos, pleno de juventude e vigor criativo – e Donatinho, não deve deixar dúvidas desse potencial.

SERVIÇO
Lançamento do álbum Sintetizamor, de João Donato e Donatinho
Sesc Belenzinho
Sexta-feira (4), às 21h30
Classificação: 18 anos

MAIS
– Leia entrevista com João Donato, publicada na ocasião em que o artista completou 80 anos
– Leia resenha de Donato Elétrico, o mais recente álbum solo do músico

Ouça A Lei do Amor, a quinta faixa do álbum, que pode ser comprado aqui

As ciências humanas e a guerra cultural no Brasil

Manifestação a favor do impeachment de Dilma na avenida Paulista – Foto- Rovena Rosa:Agência Brasil
Manifestação a favor do impeachment de Dilma na avenida Paulista – Foto- Rovena Rosa:Agência Brasil
  • Vivian Mocellin

Uma das facetas da “guerra cultural” entre a esquerda e a direita que o Brasil vive atualmente é a crítica generalizada às ciências humanas. Dois conjuntos de críticas podem ser lidas e ouvidas nos mais diversos meios de comunicação e espaços sociais: a opinião pública de extrema direita, a direitona tosca, acha que as ciências humanas “são um antro de esquerdistas”, ou “esquerdopatas”, como preferem dizer. A direita liberal, que se quer mais civilizada, afirma que as ciências humanas são simplesmente inúteis e gastam dinheiro precioso das agências de pesquisa e horas preciosas dos alunos que deixam de aprender o que interessa nas escolas do ensino básico e superior.

Vamos lá. Em primeiro lugar, sinto dizer que as ciências humanas há muito não são um “antro de esquerdistas ou revolucionários de plantão”, se é que um dia o foram. Hoje, o marxismo é uma entre tantas possibilidades teórico-metodológicas aceitas, como sempre foi, aliás. Foi-se o tempo das “patrulhas metodológicas” tão presentes nos anos 1970 e 1980. Obviamente, essas ponderações pouco valem para a direitona, para a qual todo mundo que defenda direitos humanos, estado laico e não fica histérico diante de um discurso feminista, é um radical de esquerda. É verdade que vaia de bêbado não vale. Entretanto, causa muito ruído.

Quanto à inutilidade, devo dizer que ela não é uma exclusividade das ciências humanas. Basta uma olhada no hilariante site do Prêmio Ignobel que premia pesquisas reais e, à primeira vista, completamente inúteis, em várias áreas nobres das hard sciences. Mas como estou no ramo universitário há algum tempo, sempre acho que pode haver alguma utilidade futura inaudita em pesquisar como os cães e gatos se posicionam para urinar em relação às linhas magnéticas da Terra, qual a personalidade das rochas a partir de uma perspectiva de vendas ou como o Boletim da Sociedade Kardecista de Ximbica da Serra representou a Revolução Russa de 1917 (só essa última eu inventei, desculpem-me os kardecistas e ximbiquenses…). O lema do prêmio, inclusive, é premiar “ pesquisas improváveis que fazem as pessoas rir, para depois pensar”.  Apesar do risco da endogenia, é preciso confiar nos pares para avaliar a relevância de um tema de pesquisa, cabendo à universidade se comunicar melhor com a sociedade leiga para convencê-la da importância.

Também não se pode acusar as humanidades de ser a vilã dos gastos com a ciência e com a pós-graduação no Brasil. Os dados de 2016 indicam que cerca de 10% a 12% das verbas do CNPq e FAPESP são direcionadas para esta área. Pelo preço de quatro microscópios eletrônicos de varredura é possível sustentar um programa de pós-graduação em história ou ciências sociais, gigantes como os da USP, durante um ano.

O fato é que não é raro, no próprio meio acadêmico, até em universidades públicas, ouvirmos à boca pequena (e à boca grande) que as ciências humanas não fazem pesquisa, não geram patentes, e tem “apenas” vocação para formar professores e fazer atividades de extensão, algo visto preconceituosamente como a “sopa para os pobres” do entorno.

Há também o outro lado da moeda. Muitos colegas respeitáveis acham que só as Humanidades tem capacidade de pensar a sociedade, o que é um grande exagero. Pessoalmente, eu não quero que historiadores e poetas pensem pelos engenheiros, mas eu gostaria de engenheiros que também pensassem como historiadores e poetas. O país, a engenharia e a história só ganhariam com isso.

Se quisermos um país com capacidade de formulação de políticas públicas eficazes, consciente dos seus interesses econômicos e posição geopolítica em um mundo complexo, de um aluno e um trabalhador que possam ser algo mais do que repetidores de tarefas mecânicas, precisamos das ciências humanas na pesquisa e na educação. Independente do debate esquerda / direita, que se bem colocado pode até ser muito produtivo (o que não é o caso do Brasil atual, infelizmente), as ciências humanas têm um papel a cumprir na sociedade.

Como desenvolver políticas de saúde, políticas de inclusão social, políticas de segurança, políticas culturais, políticas de transporte e energia sem a ajuda da sociologia e da antropologia? Como fundamentar o debate sobre reformas políticas, constituição e cidadania, sem a ciência política? Como conhecer o legado ou desmontar as armadilhas institucionais colocadas pelo passado sem a história? Como desenvolver políticas agrícolas, agrárias, urbanas, de moradia, de preservação ambiental, sem a geografia?

Sim, é possível que um governo desenvolva todas estas políticas públicas sem as pesquisas inúteis em ciências humanas. Como? Deixando que as corporações e a burocracia produzam estudos e formulações ou importando pesquisas de consultorias milionárias e de agências internacionais nem sempre independentes dos interesses econômicos e financeiros que regem o mundo. Não que a universidade esteja isenta deste risco, mas um ambiente de pesquisa em uma universidade pública, ou mesmo privada mas pautada por uma gestão comunitária, financiada a partir de critérios claros de qualidade e relevância, examinado por pares e controlado pela sociedade civil, ainda é o melhor caminho para se produzir ciência e conhecimento. Aliás, isto já vem sendo feito pelas universidades brasileiras. Se os políticos e gestores públicos não utilizam este conhecimento “público e gratuito” como deveriam, isso é outra história. Diz mais sobre nossos governantes, burocratas e parlamentares do que sobre a nossa universidade.

Para os que acham que a qualidade e relevância do conhecimento acadêmico se mede pela inserção no mercado, deveriam levar em conta que as ciências humanas também tem um potencial muito grande neste campo. Além de consolidar uma comunidade de leitores, consumidores de mídias e impressos, o vigor das humanidades tem impacto direto na indústria do turismo, no jornalismo, na indústria editorial, e indireto na chamada “economia criativa” (publicidade, games, design, moda). Portanto, não se trata de responder a estas demandas matando a pesquisa e transformando os cursos de ciência humanas em escolões genéricos. É verdade que os currículos dos cursos devem ser atualizados, como também é verdade que as pesquisas puras, “inúteis” para alguns, deveriam ser melhor articuladas à pesquisas aplicadas e ao desenvolvimento de C&T. Da minha parte, como profissional pesquisador e docente da área de Humanidades há mais de 30 anos, aceito esta cobrança.

Estas mudanças implicariam em construir um novo patamar da relação entre pesquisa, ensino e extensão, e não em destruir o próprio conceito de pesquisa em humanidades a partir da separação dos professores universitários da área entre um grupo seleto de pesquisadores full time e uma massa de professores horistas em salas lotadas de graduação. A área de humanidades, nas universidades públicas brasileiras, consolidou sua identidade e vocação: pesquisa e ensino articulados e inseparáveis. E apesar das dificuldades, é um modelo bem-sucedido, ainda que possa ser aprimorado e revisado. Por exemplo, na última lista do badalado QS World University Ranking sete cursos de graduação da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP estão entre os 100 ou 150 melhores do mundo, o que não é pouco para uma Faculdade com 10 mil alunos de graduação, 3 mil de pós-graduação e para um país sem tradição universitária. E todos estes cursos de graduação, diga-se, tem programas de pós-graduação a eles conectados que são considerados “de excelência” pela CAPES e reconhecidos internacionalmente.

Mas sabemos a guerra cultural contra as humanas está longe de ser desinteressada, meramente preocupada com a “doutrinação” dos pobres alunos quase adolescentes por professores mal-intencionados ou com a gastança do precioso dinheiro público que poderia ir para o superávit primário e fazer os investidores mais felizes. Trata-se de uma concepção de país, de ciência e de educação que está em jogo, e que veio à tona de maneira avassaladora nesta aliança tática entre a direitona autoritária e a direitinha liberal que tomou conta do Brasil contemporâneo.

No ensino, a guerra às humanidades tem produzido outras críticas superficiais. Por exemplo, a de que o currículo do ensino médio está cheio de “penduricalhos” desinteressantes para os alunos, desviando do que realmente interessa aprender no mundo de hoje: português, matemática e inglês. A integração curricular das disciplinas, a interdisciplinaridade, a flexibilização e o protagonismo dos alunos, sobretudo no ensino médio, são propostas importantes, mas não podem ser implementados a partir da virtual exclusão das humanidades no ensino médio.

Mas este assunto fica para um próximo texto

Mais armas, mais mortes

Rio de Janeiro - A Polícia Federal e o Exército realizam procedimento de destruição de aproximadamente 4000 armas recolhidas pela PF nos últimos dois anos (Tânia Rêgo:Agência Brasil)
Rio de Janeiro - A Polícia Federal e o Exército realizam procedimento de destruição de aproximadamente 4000 armas recolhidas pela PF nos últimos dois anos (Tânia Rêgo:Agência Brasil)

Com uma forte indústria de armamento, o Brasil figura entre as potências mundiais na produção e comercialização de armas de fogo. É, também, o quarto maior exportador de armas leves do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, a Itália e a Alemanha, de acordo com a pesquisa Small Arms SurveyA atividade rendeu, em 2012, US$ 374 milhões a esse setor industrial brasileiro, superando a Federação Russa e a China. 

Quanto mais armas circulando, mais mortes. O principal foco dessa violência letal continua sendo jovens, negros, com baixa escolaridade e moradores das periferias das grandes cidades – todas essas características sobrepostas. E o Brasil segue ignorando essa situação em seus planos de segurança pública. Aposta em diminuir a letalidade entre a população branca e favorecida, e se omite de proteger o grupo populacional mais vulnerável a essa condição, perpetuando um comportamento racista característico e estruturante da própria sociedade brasileira. Uma realidade histórica que se aprofunda.

Esse é o quadro revelado (mais uma vez) por duas importantes publicações lançadas esta semana: o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e o Mapa da Violência 2016, da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (Flacso).

O Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. Esse número corresponde a uma taxa de 28,9 mortes a cada 100 mil habitantes, de acordo com o IPEA e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Trata-se de um número exorbitante, que faz com que em apenas três semanas o total de assassinatos no País supere a quantidade de pessoas que foram mortas em todos os ataques terroristas no mundo em 2017”, demonstra o estudo. Para poder comparar, este ano houve 499 atentados em que morreram 3.343 pessoas. A violência no Brasil mata bem mais.

Esse dado consolida também uma mudança no patamar da violência letal e evidencia a tendência ao aumento no número de mortes por armas de fogo. Mostra que o Estatuto do Desarmamento teve papel fundamental para frear o crescimento da violência por armas de fogo entre 2003 e 2014, até estagnar os índices. Mas agora já não é suficiente. Outras medidas, especialmente políticas públicas para a juventude, precisariam se agregar à iniciativa. “Apesar do estatuto, as autoridades, em vários níveis, federal, estadual e municipal, não se organizaram para retirar a arma de fogo de circulação”, diz Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA e coordenador do Atlas da Violência.

O uso de armas de fogo está presente em 71,9% dos homicídios, 7 em 10 casos. A cada 1% no aumento da proliferação de armas, aumenta em 2% a taxa de homicídios, aponta o estudo. As políticas de controle de armas sancionadas em 2004 com o Estatuto do Desarmamento foram responsáveis por poupar a vida de 133.987, mostra o Mapa da Violência deste ano.

Taxa de mortes por armas de fogo por 100 mil habitantes
Taxa de mortes por armas de fogo por 100 mil habitantes

Seletividade racial

A violência letal no País tem alvo certo desde que o Brasil é Brasil. A cada 100 pessoas que sofreram homicídio em 2015, 71 eram negras, 54 eram jovens e 73 não possuíam o fundamental completo (essas características se aglutinam). Os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados, em relação a brasileiros de outras raças. O racismo histórico e a desigualdade profunda são fatores que provocam a naturalização tantas vidas perdidas.O assassinato de mulheres negras também é muito superior à mortalidade de mulheres brancas. Entre 2005 e 2015, houve aumento de 22% na mortalidade de negras, enquanto que houve redução de 7,4% na mortalidade de não negras.

“Além da herança do passado colonial e escravocrata, outros fatores podem ser mencionados na tentativa de explicar essa crescente seletividade racial da violência homicida. Em primeiro lugar, a progressiva privatização do aparelho de segurança”, explica o Mapa da Violência. “Em teoria, os setores e áreas mais abastados, geralmente brancos, têm uma dupla segurança: a pública e a privada; enquanto as menos abastadas, a das periferias, predominantemente negros, têm de se contentar com o mínimo de segurança que o Estado oferece. Um segundo fator adiciona-se e complementa o anterior: a segurança, a saúde, a educação, etc., áreas que formam parte do jogo político-eleitoral e da disputa partidária. As ações e a cobertura da segurança pública distribuem-se de forma inteiramente desigual nas diversas áreas geográficas, priorizando espaços segundo sua visibilidade política, seu impacto na opinião pública e, principalmente, na mídia, que reage de forma bem diferenciada de acordo com o status social e econômico das vítimas. Como resultado, os recursos públicos de proteção são canalizados, preferentemente, para as áreas mais abastadas, com predominância de população branca, que ostentam os benefícios de dupla segurança, pública e privada.”

O que não se considera é que ao não tratar da violência letal, o País não consegue se desenvolver como nação. Perdemos 318 mil jovens por homicídio nos últimos 10 anos. “Falta comprometimento das autoridades”, alerta Cerqueira. Essas mortes também custam ao País 1,5% do PIB.

Outra força motriz matadora de jovens negros é a polícia, sob o argumento da “guerra às drogas”. Segundo o Atlas da Violência, em 2015 a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenção policial, dado subnotificado. “Nos últimos anos, assistimos a um realinhamento a favor desse modelo de atuação policial que permanece como um dos maiores desafios de nosso processo de consolidação democrática e de um efetivo Estado de Direito”, afirma o estudo. “Não é à toa que as taxas de homicídios cometidos pela polícia no Brasil são muito altas. Trata-se de uma força policial militarizada, que vê os jovens, em especial os negros e os moradores de favelas e periferias, como potenciais inimigos que devem ser combatidos. E de uma política de “guerra às drogas” que vem sendo questionada e abandonada em várias partes do mundo”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional.

Homicídios por armas de fogo, por raça. Fonte: Mapa da Violência
Homicídios por armas de fogo, por raça. Fonte: Mapa da Violência


Unidades da Federação e municípios

Em 2015, apenas 111 municípios (que corresponde a 2,0% do total de municípios, ou 19,2% da população brasileira) responderam por metade dos homicídios no Brasil e 557 municípios (10% do total) concentraram 76,5% das mortes violentas no país. Os municípios mais pacíficos se localizam no Sudeste e os mais violentos, no Nordeste. Altamira (PA) lidera a lista entre as cidades com mais de 100 mil habitantes. Entre as causas para esse quadro estão desigualdade social profunda e crescimento desordenado.

Os três estados mais violentos também estão no Nordeste: Sergipe é o primeiro da lista do Atlas da Violência, seguido por Alagoas e Ceará. Destaca-se o caso de Pernambuco, que chegou a ter a sua capital, Recife, como a campeã de homicídios. Com políticas de segurança pública voltadas para a manutenção da vida (e não para a repressão), Pernambuco teve queda de 36% na taxa de homicídios ao longo de 11 anos. Mas a violência cresceu em 2014, mostrando que para tratar dessa questão são necessárias medidas transversais em diversas áreas.

Para entender o nosso racismo

Ana Luiza Flauzina, diretora do filme Além do Espelho. Foto- Alexandre Alves
Ana Luiza Flauzina, diretora do filme Além do Espelho. Foto- Alexandre Alves

Não é possível entender o Brasil sem compreender que um dos pilares que sustenta a sociedade brasileira até hoje – e na qual se estruturou a nossa formação social – é o racismo. Em busca de provocar reflexões em torno desse tema no Brasil e nos Estados Unidos, Ana Luiza Flauzina, advogada e professora da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasiliera), mestre, doutora e pós doutora em Direito e especialista em Criminologia, juntou dois grandes ícones da intelectualidade negra para uma conversa, que gerou o documentário Além do Espelho, sob sua direção. O jornalista Edson Cardoso no Brasil e o cineasta etíope Haile Gerima nos Estados Unidos, travam um debate que aborda temas como violência, academia, resistência, memória e amor.

Fincado no respeito à ancestralidade, o filme transmite a sabedoria, a generosidade, os anos de luta, de descobrimento e de delicadeza de Cardoso e Gerima. “É um instrumento didático e político que gostaria que circulasse, que suscitasse reflexões”, explica Ana.

Em um vai e vem de diálogos, a película chama a atenção para um aspecto cruel: o entendimento de que o racismo é um processo de desumanização. “É a expropriação de base que permite, autoriza e chancela a barbárie, sem qualquer implicação da consciência”, afirma Ana. Por isso, a atual perda de mais de 45 mil vidas de jovens negros por homicídio (corresponde a 70% do total) não comove. Não causa revolta na maioria.

O Brasil é o país que mais tempo explorou a escravidão no mundo. É também o que mais submeteu africanos à travessia do Atlântico para servirem de escravos. Essa História do Brasil tem consequências profundas. No racismo moderno, as forças de segurança do Estado tratam de eliminar e encarcerar gerações inteiras de jovens e mulheres negras sob o argumento da “guerra às drogas”. Com a justificativa de combater o tráfico de drogas, criminaliza-se toda uma população, uma comunidade, um perfil de brasileiros.

Parece que esquecemos quem somos. Quem tomba o corpo negro faz questão de apagar a memória (tanto do agressor como da vítima) e tenta deixar escrita outra narrativa: troca de tiros, sujeito armado, resistiu à prisão. “É na guerra pela memória, pelos processos que nos fizeram ser o que somos, que se disputam as políticas públicas, o acesso a recursos, o controle do Estado”, afirma a professora. “O saqueamento da memória é o pressuposto primeiro do genocídio.” Gerima chama essa importância de “arma da memória”.

Por conta desse passado, a resistência é uma das principais características do povo negro. “Somos frutos de uma gente que sobreviveu ao horror com altivez; que encarou chicote e revidou com guerra; que amou quando tudo era desilusão. Somos gente que cozinha com sobras e faz comida temperada; que engana a fome com sono; que insiste em sonhar em tempos de crise. Esse sentido da pertença tem de ser partilhado, cultivado, honrado.”

O enfrentamento ao racismo é um compromisso de todo mundo.
Para contribuir com a finalização documentário, clique aqui.

Brasileiros – Por que você quis fazer o filme?
Ana Luiza Flauzina – 
Não sei se quis fazer o filme, no sentido de que tive uma ideia e decidi naturalmente construir uma narrativa cinematográfica a partir dela. Na verdade, acho que o filme me escolheu. Quando me veio o insight de registrar o encontro de Edson e Haile, não consegui mais voltar atrás. Me debati bastante, confesso, por estar em outro país, ter pouco contato com o cinema, mas a demanda do compromisso venceu.

Como foi a escolha dos dois grandes intelectuais negros como referência para a discussão que o filme traz? Como a importância da ancestralidade compõe com essa escolha?
A escolha foi muito orgânica. Edson é uma referência muito importante na minha vida. É um dos maiores intelectuais negros brasileiros e um militante que fala de entrega, de generosidade. Conheci Haile em 2010 e tive a honra de ser ouvinte em algumas de suas disciplinas na Howard University. Haile é um homem raro, um militante desses que cativa pela doçura e ensina a ousadia. Ouvi-lo falar me deixava com os olhos marejados, ficava com saudades de Edson naqueles momentos, era uma coisa que me tocava de maneira muito especial. Reconheci um no outro de alguma forma e juro que a vontade inicial era somente de apresentá-los, mas entendi que mediar o diálogo deles seria um registro importante pra gente. E isso, claro, calou fundo como uma forma de honrar isso que se chama ancestralidade. Não somente como metáfora e idolatria dos que se foram, mas como concretude dos que nos cercam e nos inspiram, com todos os riscos nisso implicados. De que não se tratam de pessoas perfeitas, de que discordâncias, inclusive com as minhas perspetivas, são um dado, mas que fazem parte do chão que pavimentou e pavimenta a minha caminhada.

Que objetivo você gostaria que o filme alcançasse?
Acho que a maior qualidade do filme é ser acessível. Os dois tratam das mais diversas questões em torno do racismo, da violência, da resistência, do amor, e de tantas outras temáticas, de forma muito generosa. É um instrumento didático e político que gostaria que circulasse, que suscitasse reflexões em torno do tema. É um material que pode ser usado na Universidade e em centros comunitários, tem versatilidade pela linguagem que emprega, apesar da densidade das reflexões. Então espero que possamos tomar posse do filme para explorar seu potencial como catalisador de discussões sobre a questão racial.

Edson Cardoso, no começo do documentário, fala sobre o que é o racismo e a desumanização do povo negro. “Racismo é dizer que além do mais não são humanos como nós”. Gostaria que você dissesse o que é o racismo pra você. 

Escolhi essa síntese de Edson na definição de racismo, porque partilho dela. Racismo é fundamentalmente um processo de desumanização. É a expropriação de base que permite, autoriza e chancela a barbárie, sem qualquer implicação da consciência. Talvez seja essa a maior capacidade do racismo. Conseguir naturalizar a dor negra como consenso que não implica as pessoas num dilema ético. É a operação que tranquiliza o sono das elites, enquanto o genocídio abate um contingente tomado como abjeto, menor, descartável. É a herança mais bem guardada dos escombros na escravidão no Brasil e na Diáspora.

Haile Gerima também fala sobre o que é o racismo e diz que “genocídio não é apenas quando você é fisicamente morto. Acontece quando a sua memória é roubada também. É a arma da memória”. Você pode explicar como é esse sequestro da memória? No que isso implica?
A questão da memória é essencial no enfrentamento ao racismo e isso sempre foi muito claro pra mim. Eu tenho uma formação em Direito e História e acabei fincando pé nas trincheiras jurídicas. Eu sempre digo que saí da História por covardia, porque sabia que ali era o grande espaço da nossa disputa. Me refugiei numa arena que quer se dizer mais relevante mas, na realidade, é mais débil nesse jogo. A forma como se pode mobilizar o passado, acessar as versões das narrativas históricas é um dos maiores trunfos políticos que se pode ter. A subjugação de negros e indígenas só é possível porque temos uma memória cerceada, saqueada. Se você só dá o presente a um grupo marginalizado, ele fica sufocado em sua contingência, inibido de articular resistência e reclamar reparação. É na guerra pela memória, pelos processos que nos fizeram ser o que somos, que se disputam as políticas públicas, o acesso a recursos, o controle do Estado. As elites narram essa história como direito adquirido e natural. Resistir a esse estado de coisas é produzir uma contra-narrativa que entenda a desigualdade que nos assola como expropriação e violência. Então o saqueamento da memória é o pressuposto primeiro do genocídio. É isso o que Haile nos mostra de forma brilhante no filme.

Sobre o sistema de cotas, Edson faz uma reflexão importante: não basta que as pessoas negras ocupem espaços nas universidades. As universidades precisam “mudar-se” a si mesmas, sair da orientação europeia e incluir a fundamental história negra. Como você vê essa possibilidade?
Acho que o debate sobre as cotas nas Universidades é um bom emblema dos nossos desafios. Sobre como essa categoria da inclusão é limitada no que ela produz. O Edson trabalha bem isso. Ele sempre lembra que é possível promover a tal “igualdade racial” sem enfrentar o racismo. Ou seja, não se trata de “colorir” os espaços acadêmicos, mas de negociar os sentidos epistemológicos, a própria forma de se produzir conhecimento. Não se quer, com as cotas, transformar somente a paisagem da Universidade, queremos é salvar a Universidade de sua mediocridade, a partir de uma ampliação das abordagens possíveis. Porque isso é algo de crédito absoluto das elites: essa pobreza da educação superior no Brasil, com uma produção acadêmica débil, principalmente no âmbito das humanidades. São lentes obtusas, que não querem se ampliar, incapazes de dar respostas a questões básicas que assaltam o cotidiano, porque se recusam a encarar o Brasil de frente. Isso inclusive nas fileiras ditas progressistas. A boçalidade colonial é um dado tão arraigado na formação das elites universitárias que não há alento para quebra de paradigmas com os horizontes europeus, nem nos redutos que se auto intitulam críticos. Isso é verdade para quase todas as áreas. Então quando falamos de cotas, não estamos falando de um sistema que está aí não para comprometer a qualidade do ensino, como muitos insistem ainda hoje em afirmar, mas de salvá-lo de sua decadência. Porque não há um sistema de excelência na educação superior no Brasil construído pelos brancos a ser maculado por negros e indígenas. O que há é uma estrutura conservadora deficiente que precisa ser revista para ampliar os escopos de sua produção e intervenção social. Ou as cotas têm esse tipo de horizonte ou se transformam em penduricalho da diversidade neoliberal, que maquia as instituições enquanto reforça suas práticas obsoletas.

Na sua opinião, qual é o papel dos brancos brasileiros no enfrentamento ao racismo? 
Confesso que essa pergunta sempre me perturba um pouco. Porque de alguma forma está implícita uma noção de que a questão racial é uma questão de interesse exclusivo de negros e negras, já que nos compete inclusive dizer o que cabe aos brancos fazerem. A história do racismo é constituída de personagens que sofrem violências e outros que experimentam privilégios frutos dessas violências, naturalizando-os como direitos, como pontua Jurema Werneck. Então a desconstrução dessa teia de vilipêndios cabe a negros e brancos e os caminhos para a superação do racismo pelas pessoas brancas têm de ser descobertos e trilhados por elas. Acho que são as pessoas brancas, experts nos privilégios raciais, que têm de achar as vias para o desmantelamento desse castelo. Pra mim essa questão sempre soa como um espaço da branquitude meio mimado, que quer resposta pronta pra tudo. Como se a transformação social tivesse algum tipo de receita acabada e não se tratasse de trabalho árduo, regado de educação política e compromisso. Ou seja, as pessoas brancas têm se empenhar, assim como nós, para descobrir as armadilhas do racismo, testar possibilidades, encarar seus paradoxos. E não imputar mais um encargo às pessoas negras que, de repente, têm de aparecer com soluções mágicas para o dilema dos seus privilégios. Então o papel dos brancos é se entrincheirar contra o racismo do seu lugar, politizando suas questões e achando respostas efetivas para as violências em curso.

Por favor, explique, do seu ponto de vista de mulher negra, como se dá a sobreposição do racismo com o sexismo e no que isso implica.
As questões racial e de gênero, com suas correlatas dimensões de sexualidade, são a espinha dorsal da formação social brasileira. Não há como entender o Brasil sem enfrentar essas variáveis. Pessoalmente, estou cada vez mais preocupada em visibilizar as consequências da associação desses vetores para dentro das comunidades e da militância negra. Tenho dito que temos sido capazes de denunciar os efeitos do racismo para fora, em especial na politização do extermínio da juventude negra, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para desafiar os efeitos do racismo para dentro de nossas comunidades. E nesse enredo, as mulheres negras têm definitivamente tido suas dores e narrativas silenciadas. O sofrimento negro tem sido encapsulado na imagem de uma mãe negra que chora pela perda de seu filho. Se essa é uma imagem bem acabada da nossa tragédia cotidiana, ela não pode ser a única a sinalizar os dados da nossa miséria. Afinal, a dor das mulheres negras não é só derivada da violência infligida aos homens e meninos negros, mas é também provocada por eles. E, claro, aqui estou fazendo a operação oposta do estereótipo que caricatura homens negros como seres violentos, na justificativa do extermínio. Estou falando de como o sentido de masculinidade, que tem assolado as mulheres como um todo, tem de ser pensado no horizonte do racismo. Que pressões sofrem os homens negros e qual a medida da explosão dessas tensões para as comunidades negras? Que engodo há nesse pacto da masculinidade negra e branca que tem sido um desserviço no enfrentamento ao racismo? A pergunta que nós mulheres negras estamos fazendo é: afinal, o que é ser um homem negro cis-heteroconforme? A politização do sentido dessa masculinidade é urgente se queremos enfrentar o genocídio de forma radical. Temos que dar conta não só das mortes provocadas pelas polícias, mas, no mesmo fôlego, das costelas quebradas, dos estupros, e das violências psicológicas. É preciso encarar o que o racismo tem provocado também em nossas entranhas. Há uma nova geração de feministas negras, a exemplo de Carla Ackotirene, que vem consolidando esse tipo de discussão. Mas penso que temos que adensar ainda mais esse debate.

Os dois intelectuais afirmam que a resistência negra, a capacidade de resistir e sobreviver, é um tesouro. Qual o seu ponto de vista sobre isso?
A resistência é o grande elo que unifica os personagens no filme, como metáfora para o que nos mobiliza como pessoas. É importante que nos apropriemos disso com orgulho. Somos frutos de uma gente que sobreviveu ao horror com altivez; que encarou chicote e revidou com guerra; que amou quando tudo era desilusão. Somos gente que cozinha com sobras e faz comida temperada; que engana a fome com sono; que insiste em sonhar em tempos de crise. Esse sentido da pertença tem de ser partilhado, cultivado, honrado. Steve Biko uma vez disse que “a gente está vivo e orgulhoso, ou está morto”. É dessa matriz do orgulho de ser quem somos sem reservas a que me refiro. Da resistência como fundamento da vida humana, que importa em especial às pessoas negras pelas condições precárias impostas pelo racismo. É isso, como pontuam Edson e Haile, o que nos mantém vivos, nos faz possibilidade constante, nos dá propósito pra seguir.

Por fim, a trilha sonora que acompanha seu filme fala do medo do espelho se quebrar. Você tem medo também? O que significa?
Essa música tem um significado forte pra mim. Me conecta aos meus avós, que já partiram. Diz de como a ancestralidade vive em nós; de como os legados se reproduzem; de como os espelhos são capazes de refletir memórias. Achei que era uma boa síntese do filme e estava à altura de Edson e Gerima, por inspirarem tantos e tantas a seguirem os caminhos do compromisso. É uma música que não só ilustra, mas diz, ela própria, dos horizontes esperançosos que orientam a caminhada das pessoas negras. Me toca, especialmente, a versão inédita que Cris Pereira fez para o filme, na releitura desse clássico de João Nogueira. Vale a pena conferir.

Poder econômico e corrupção: afinal, qual é a peculiaridade brasileira?

'Que rumos daremos para as instituições políticas brasileiras de modo a mitigar o monopólio do poder econômico das grandes corporações e das famílias endinheiradas sobre o sistema político?' FOTO: EBC

O poder econômico e a corrupção política são faces de uma mesma moeda, a bem da verdade: o capitalismo acontece naquela antessala mal iluminada, em horários duvidosos, onde se encontram os donos do dinheiro e os donos do poder. A negociação de decisões do executivo, do legislativo ou do judiciário como barganha para interesses de grandes corporações, de conselhos administrativos e de empresários é a regra global e não a exceção brasileira.

Não haveria economia de mercado dos EUA à China, passando por Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Japão ou Coréia, sem que houvesse a imbricação entre interesses políticos e interesses empresariais, como, aliás, demonstram os grandes e recentes casos de corrupção na Siemens alemã, na Samsung coreana, na Alstom francesa, na BAE inglesa, na Weatherford suíça, para não mencionar os bancos norte-americanos e agências de classificação de risco que, com muitos desvios, propinas e ilícitos, provocaram a grande crise econômica de 2008, ou alguém imaginou que um país que elegeu Donald Trump como presidente seria um caso de capitalismo asséptico e de democracia auto-imune? Talvez nossos crédulos republicanos liberais nativos que tanto admiram os federalistas e os founding fathers norte-americanos tenham se deixado seduzir por esse engodo, mas ele pouco ajuda a compreender o caso brasileiro atual.

Noutras palavras, a mistura entre público e privado – ao contrário do que acredita parte do pensamento social e da opinião pública brasileira – não é uma peculiaridade nacional. Mas tal enunciação não deve servir para naturalizar ou para normalizar a corrupção no mundo e no Brasil, ela serve antes para colocar o debate em outro lugar, talvez, no seu devido lugar.

O escândalo provocado pelas delações de Marcelo Odebrecht e Joesley Batista não tratam apenas das relações entre a Odebrecht e a Petrobrás, ou entre a J&F e a CEF ou o BNDES, elas revelam problemas mais profundos e que são pouco observados tanto pelos operadores e entusiastas da Lava Jato quanto pela maior parte daqueles que fazem uma leitura crítica da Operação. Um ponto os une: a obsessão em resumir todo o problema brasileiro à famigerada questão do patrimonialismo. No Brasil esse conceito cria ares de família entre as mais variadas posições teóricas e colorações políticas[1]. Nada disso, vale explicitar em tempos de calores e polarizações políticas, ameniza ou absolve o escandaloso butim praticado pelo bando de Aécio, Temer et caterva. Mas a conjuntura desafia a reflexão, ao menos ela, a ir além da lama onde nos colocou essa quadrilha de saqueadores.

Entre nós o conceito de patrimonialismo virou uma espécie de “pau para toda obra” e a flexibilidade teórica chega a tal ponto que a ideia de patrimonialismo é tratada como mero sinônimo de patriarcalismo, de patronato, de privatismo, de clientelismo, de fisiologismo, de corporativismo, de mistura entre público e privado, e toda sorte de patologias que abatem nossa cultura política, em favor do conceito dão-se abraçaços conceituais para acolher e dilatar a ideia de que o Brasil é mesmo o país dos mal-feitos e do “jeitinho”, onde o capitalismo é mal-ajambrado e a democracia é um mal-entendido. A boa intenção em encontrar a tal singularidade brasileira esconde por trás de si a suposição de que em algum lugar do mundo exista um capitalismo puro e uma democracia ideal. Ledo engano.

Mas, se a corrupção não é exclusividade nacional, como entre nós ela tem criado tanto assombro? A nossa peculiaridade se encontra em outro lugar, não no problema, mas na falta de iniciativas concretas capazes de enfrentar o referido problema. O que se percebe em ao menos três aspectos fundamentais, que, infelizmente, tem sido negligenciados pelo debate público, quais sejam[2]:

  • A ausência de regulamentação do lobby; diante da falta de uma normatização clara sobre o que é permitido e o que é proibido no campo das relações público-privadas, as interpretações ficam a cargo das vontades e dos valores de procuradores, juízes e policiais de plantão, tudo agravado pela utilização indiscriminada das delações premiadas, dos acordos de leniência e dos vazamentos seletivos;
  • A possibilidade de que as doações de campanha sejam proporcionais às rendas e riquezas dos doadores. Esse tipo de jabuticaba só existe no Brasil, se não houver um teto universal para todos os doadores é evidente que os mais ricos sempre terão mais poder de decisão nessa democracia, ainda que como pessoas físicas, o que só reforça o surgimento de fenômenos como a ascensão de empresários na política;
  • A existência de uma cultura política fraca e de instituições políticas pouco sólidas, criando um clima muito favorável para a desqualificação e a criminalização da política em geral e para a construção de uma opinião pública muito suscetível ao moralismo e desejosa menos de justiça e mais de justiçamentos e linchamentos.

Em qualquer capitalismo mais organizado a mistura entre público e privado sofreu algum tipo de regulamentação mais contundente, no Brasil não, de forma que toda negociação passa a ser potencialmente tratada como relação espúria ou como crime, ao sabor do jogo de interesses do momento. Nesse ambiente, toda negociação, toda barganha, todo ajuste de interesses está passível de ser colocado numa sombra de avaliação moral, dando margens para perseguições políticas como a realizada pela Operação Lava Jato contra o PT e contra Lula.

É sintomático que as investigações tenham atingido outros partidos, como o PMDB e o PSDB, apenas quando a “delação preventiva” da J&F recorreu diretamente à PGR de Rodrigo Janot sem passar pela instância curitibana de Sérgio Moro. Ao realizar tal procedimento, evidentemente, para salvar a si próprio, à família e aos negócios privados, Joesley Batista revelou, ainda que indiretamente, os limites da Operação Lava Jato, parafraseando a expressão popular: o buraco é mais em cima. Os procuradores, juízes e policiais de Curitiba não tem um diagnóstico claro do problema que pretendem combater.

Passa ao largo da leitura desses jovens justiceiros elementos fundamentais para compreender e enfrentar a relação entre poder econômico e corrupção no Brasil: (i) historicamente, o arranjo institucional que permitiu o desenvolvimento da nossa economia se ancorou na articulação entre empresas estatais e empresas privadas; (ii) estruturalmente, o poder econômico monopoliza o sistema político em qualquer Estado-nacional relevante no sistema capitalista; (iii) dinamicamente, o poder econômico e o poder político são essencialmente interconectados, é possível melhorar a relação entre eles, mas não é possível isolá-los um do outro, ao menos não no capitalismo; (iv) tampouco se questionam que o comportamento político que está sendo investigado talvez seja a regra geral do sistema político e não a exceção partidária brasileira.

Entretanto, na concepção estreita e moralista dos operadores da Lava Jato, o problema da corrupção no Brasil é um mal recente, concentrado em pessoas más e antiéticas que precisam ser enfrentadas por pessoas boas e competentes. Tamanho reducionismo é risível, vexatório, e seria apenas uma piada de mau gosto se ele não tivesse se transformado no princípio que justifica a teoria do domínio do fato, a hipótese da flexibilização das provas, a priorização das convicções do MP sobre o direito de defesa de indiciados, e o expediente de se condenar acusados pela mídia antes do que pela própria justiça, tudo isso levado a cabo pela generalização da delação premiada, um instrumento propício para quem entende a corrupção como um problema pessoal ou moral e que vem substituindo a construção de outros mecanismos mais eficientes de combate à corrupção.

Com esse diagnóstico moralista e essa prática inquisitória a Operação Lava Jato cria um clima político instável, marcado ora pelo êxtase com a revelação da suposta verdade ora pela depressão com o desnudamento da realidade, enquanto isso ela coloca sob suspeita todas as instituições do país, o resultado em última instância tem sido o assombro e a desesperança da população com a política como um todo.

Em certa medida, os operadores da Lava Jato contam com a cumplicidade da opinião pública, que, se por um lado sempre desconfiou que as coisas funcionassem assim, posto que ela própria é dada aos pequenos delitos e ilícitos do cotidiano, por outro lado, ela ficou assustada e boquiaberta ao ver de forma nua e crua as entranhas “do sistema”. Aliás, enquanto a opinião pública não superar o choque do trauma e não der boas vindas ao deserto do real dificilmente nos recuperaremos de fato, e a avenida política seguirá aberta para outsiders de plantão e aventureiros de última hora.

A corrupção é um problema sistêmico que precisa ser enfrentado? Sim. Qualquer instrumento é válido para enfrentar a corrupção? Não. A Operação Lava Jato caminha na contramão da governança e da jurisprudência internacional e presta um desserviço ao Brasil jogando água no moinho daqueles que só repetem monotonamente feito uma cantilena: o Brasil é o país do patrimonialismo, onde o capitalismo não vingou. Não, o Brasil é um país capitalista como tantos outros, e se quisermos superar os reclamos e lamentos temos que enfrentar o choque de realidade que nos tem sido imposto pela conjuntura adversa e responder uma questão já enfrentada por outros países:

Que rumos daremos para as instituições políticas brasileiras de modo a mitigar o monopólio do poder econômico das grandes corporações e das famílias endinheiradas sobre o sistema político? Sobressaltos, moralismos e expedientes inquisitoriais não nos ajudarão nesse momento, isso a Operação Lava Jato já faz, assim como não nos ajudarão formulações genéricas sobre a democracia e platitudes etéreas sobre a falta do republicanismo brasileiro.

O tempo histórico exige mais do que pudemos oferecer até agora, exige medidas concretas de reconstrução e aperfeiçoamento das nossas instituições em outros patamares, sem regular e regulamentar a sanha do poder econômico e o assanhamento do poder político seguiremos aos tropeços, enfrentando golpes, rupturas constitucionais e quebras de pactos sociais.

*  William Nozaki é cientista político, economista e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

[1] A crítica contra o uso generalizado e indiscriminado do conceito de patrimonialismo pode ser encontrada em: Souza, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: Leya, 2015.

[2] Essa problematização pode ser encontrada de forma mais aprofundada em: Reis, Bruno. A Lava-Jato é o Plano Cruzado do combate à corrupção. Disponível em:< http://novosestudos.uol.com.br/a-lava-jato-e-o-plano-cruzado-do-combate-a-corrupcao/>.