Fernando Henrique Cardoso (Foto: Renato Araujo/ABr)

Por volta de 1980, Fernando Henrique Cardoso tomou uma decisão importante. Ele tinha sido eleito suplente de senador em 1978, com votos que iam da esquerda para o centro. Estava no horizonte da época montar-se um “partido popular”, que uns queriam que fosse uma grande coalizão dos setores progressistas, outros desejavam que fosse mais de esquerda – como acabou sendo, chamando-se Partido dos Trabalhadores.

Parte dos que apoiaram FHC em 1978 foi criar o PT. Mas FHC fez outra escolha. Penso que sua análise foi a seguinte: a direita brasileira é golpista. O que melhor posso fazer pela democracia é convencer a direita de que ela pode ganhar e conservar o poder dentro das regras democráticas. A oportunidade era de ouro: a ditadura, que a direita implantou em 1964, estava indo para a falência. Com o esgotamento do regime de força, dava para civilizar a direita. Era uma missão, uma tarefa histórica – que FHC cumpriu anos depois. Porque, ao se eleger presidente, ele submeteu a direita tradicional, egressa da ditadura, à liderança dos que combateram o regime militar e que formavam o núcleo do PSDB.

Além disso, é claro que não caberiam no mesmo partido FHC e Lula. Estava ficando claro que o sindicalista seria a escolha preferencial das esquerdas. Para FHC, era melhor capitanear um campo moderado, que atraísse a direita, embora lhe deixando uma posição subalterna.

O surgimento de uma direita despudorada, agressiva, preconceituosa marca a dificuldade dos tucanos de continuarem liderando, a partir do centro, a direita.

A outra opção, por volta de 1980, era dar voz a quem não tem voz, aos novos protagonistas da cena política, a começar pelos trabalhadores em greve, liderados pelo jovem Lula, e pelos membros das Comunidades Eclesiais de Base. Essa tarefa, também uma missão histórica, ficou com o PT. E assim sucedeu que gente que esteve no mesmo palanque em 1978, que trabalhou junto anos a fio, se dividiu. Nas eleições de 1994, quando muitos queriam PT e PSDB formando uma chapa para mudar o País, o PT ficou liderando a pequena esquerda, enquanto os tucanos chefiavam uma ampla coalizão de centro-direita.

O que essa divisão causou de bom? O enfrentamento sempre repetido, às vezes por pessoa interposta, entre FHC e Lula tirou o espaço de qualquer aventureiro, no caso de direita, que quisesse concorrer à presidência. Collor foi o último a ocupar esse espaço – por sinal, ocultando cuidadosamente sua trajetória de apoio à ditadura. Os saudosos do regime militar não passariam de 10% numa eleição. Isso valeu durante vinte anos, de 1994 a 2014.

Mas essa missão histórica do PSDB continua – ou acabou? É crescente, dentro do partido, o número de pessoas, algumas delas bem votadas, que são hostis à pauta básica dos fundadores do PSDB, que defendia os direitos humanos às vezes mais até do que o PT. Dos principais nomes dentro do partido, apenas FHC e Serra estão perto dos princípios do PSDB. Alckmin é relativamente indiferente ao que eu chamaria de valores humanistas tucanos, Aécio mais ainda e Doria nem se fala. Uma das maiores realizações da vida de FHC – civilizar, democratizar a direita – entrou em crise séria.

 

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