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Universalismo e Particularização: Determinação e Indeterminação

Apresentamos aqui o sétimo e último texto referente à serie “A Educação do Olhar e a Leitura de Imagens – Desafios Éticos pra os Museus” do Professor Christian Ingo Lenz Dunker

Resumo

Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.

 

7 Universalismo e Particularização: Determinação e Indeterminação

 

Partimos da curadoria como escuta do conflito entre sistemas simbólicos e chegamos ao museu como lugar de articulação entre formas estéticas e contradições sociais.

Como nos lembra Axel Honneth a experiência da formação encontra-se entre a dialética do amor e da amizade e a dialética das leis da ética. Reunir os afetos comunitários e as demandas sociais com a força instituinte e institucional do museu, convoca afetos atinentes ao espaço da formação cultural: respeito. Por isso a resposta museológica não pode ser apenas uma resposta normativa, que olha para o passado e o dá por resolvido, criando uma regra de decisão para o futuro. Ora, um futuro pensado deste jeito, como correção do passado, jamais encontrará a verdadeira experiência de reparação (amendment), no sentido psicanalítico, ou de cura, no sentido clássico da palavra.

Isso pode se tornar mais exasperante, confirmando as piores experiências de exclusão simbólica, cognitiva e comportamental. Convidar alguém a exprimir seus sentimentos e externalizar suas opiniões, como se todos os discursos fossem igualmente legítimos e válidos, como se não houvesse diferença entre cultura erudita e popular, é um erro que reproduz a violência simbólica que visa teoricamente superar. O reconhecimento institucional é importante e insuficiente. É preciso também o reconhecimento como experiência de partilha da indeterminação e da determinação. Ninguém consegue estranhar-se sem que antes tenha sido capturado pelo litoral de saber onde se encontra. E se no caso das populações excluídas, este litoral é dado pela experiência escolar, isso deveria ser reconhecido antes da extração compulsória do lugar à voz.

A experiência produtiva de indeterminação não é apenas a negação da determinação, imposta pelos sistemas simbólicos hegemônicos e pelas suas gramáticas reificadas de colocação de conflitos ou de solução da demanda bífida de renovação formal e de transformação social. Isso é angústia ou anomia, mas não empuxo a mudar a si e ao mundo.

Um bom exemplo de como a indeterminação pode se tornar uma força produtiva, quando associada com a forma estética está no trabalho do chileno Alfredo Jaar.

Percorrendo as ruas destruídas pelo desastre nuclear de Fukushima ele percebe a profusão de giz e lousas, espalhadas em torno das escolas. Aulas que nunca mais serão dadas. Alunos que jamais verão seus professores. Com os resíduos de giz ele faz uma espécie de tanque, onde a memória da violência e da perda, remete simultaneamente ao que poderia ter sido e ao que será, por sua reconstrução como obra. Articulação semelhante se encontrará na obra que reúne um milhão de passaportes finlandeses, para indicar o déficit de acolhimento de estrangeiros naquele país. Passaportes produzidos com verdadeiro papel moeda, e que ao final serão queimados em um ato que reverbera o desperdício e o acúmulo de recursos não partilhados. A meterialidade do espaço, separado por uma parede de vidro, através da qual se pode enxergar os passaportes, mas não possuí-los, interpela aqueles que serão excluídos para sempre de uma nova morada. Sem hospitalidade, sem hospedeiro e mesmo assim uma escuta empática dos refugiados na Europa de nossos dias.

Para uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Helsinki em 1995, Alfredo Jaar mandou imprimir um milhão de falsos passaportes finlandeses. Depois da exposição, teve de destruí-los por ordem das autoridades responsáveis pela imigração.

Durante muito tempo os museus foram lugares reverenciais, assemelhados às catedrais medievais, feitas para produzir o sentimento de apequenamento e de culpa. Lugares nos quais o corpo do frequentador mostra seu passaporte de classe e exibe seu acúmulo de capital cultural diante da suposta inveja dos passantes adjacentes.

Mas não é suspendendo esta história, que é a história dos próprios construtores de história, que vamos concorrer para a emancipação do olhar e para a invenção de mundos ainda impensados pela ciência e pelos discursos reprodutivos.

O museu empático deve construir uma experiência transformativa de reconhecimento, entre o público e a obra, mas também entre o público e ele mesmo, e entre o museu e o público. Os afetos são decisivos aqui, mas são também insuficientes, como vimos se não estiverem inscrito em um laço social e uma relação discursiva real.

Este é o desafio ético fundamental para os museus contemporâneos

Lugar, voz e linguagem: Empatia e Estranhamento

Artista do Museu do Inconsciente, presente na curadoria de Sofia Borges na 33a Bienal de SP

[Este é o quinto texto de uma serie de sete, elaborados pelo Professor titular em Psicanálise e Psicopatologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, que estamos publicando semanalmente. Sobe o título A Educação do Olhar e a Leitura de Imagens –  Desafios Éticos para os Museus“, já abordamos

1] Curadoria como sistemas simbólicos em conflito,
2] Forma estética e contradição social  
3] Formalização e Temporalidade
4] Arquitetura e Espaço: a Soberania das Imagens

5 Lugar, Voz e Linguagem: Empatia e Estranhamento

 

Lembremos que a empatia (Einfühlung) é um conceito desenvolvido por Vischer no contexto da teoria estética. Só depois disso ela foi traduzida ao inglês, como empathy, no contexto da psicologia de Titchner e reapropriada por Freud para descrever o tipo de laço ou de efeito que se espera entre psicanalista e psicanalisante. A empatia não é apenas um afeto pontual de afinidade e identificação. Isso é melhor descrito pelo conceito de simpatia, ou seja, caímos juntos em relação a um determinado objeto, gostamos das mesmas coisas, nosso gozo está referido ao mesmo traço ou ao mesmo tipo de letra.

Empatia é um percurso, um caminho, uma trajetória de leitura e escuta. Podemos distinguir quatro tempos desta experiência potencialmente transformativa:

  1. Ser afetado pelo outro, a ponto de que ele me convoca para assumir um ponto de vista que não é o meu e que desconfirma o semblante no qual eu me reconheço e do qual minha identidade depende. Aqui temos um tipo de experiência amorosa, uma maneira de fazer um, pelo traço comum, pelo mesmo.
  2. Mas assumir o ponto de vista do outro e retornar ao seu, descobrindo que eles são semelhantes ou convergentes isso é a simpatia ou identificação mimética, não é empatia. A empatia progride a partir disso quando além do ponto de vista do outro experimentamos o estranhamento que ele supostamente experimenta. Quando reconstruímos, como suposição e hipótese, o corpo que cabe nesta letra, o afeto que se produz a partir deste traço.
  3. O terceiro tempo da empatia advém quando o estranhamento e a não identidade que eu reconheço no outro, em relação a ele mesmo, convoca algo em mim. É a emergência da verdade deste estranhamento do lado do sujeito. Por isso o terceiro tempo da empatia é o tempo da diferença e do desencontro do outro, antes recebido e acolhido hospitaleiramente. Passamos do hospital para o hospedeiro, do amigo bem vindo para o alien perturbador.
  4. O quarto tempo da empatia é também a retomada do primeiro. Neste tempo devolvo algo ao outro, como que em retribuição pela transformação que ele desencadeou. É o tempo da resposta, que nunca poderá se esgotar em “gostei” ou “não gostei”, típicas do primeiro e do segundo tempo da empatia. Geralmente este quarto tempo é marcado por expressões tais como “mexeu comigo”, “não consegui esquecer” ou “tempos depois aquela imagem ficava voltando”. O quarto tempo é o tempo no qual a empatia dá luz à narrativa, quando tentamos passar adiante a boa piada recebida. Quando tentamos compartilhar aquilo que seria nosso, só nosso, conseguimos subverter a experiência de apossamento que caracteriza os modos mais simples de ver.

É o que a experiência recente do museu da empatia tentou realizar ao nos oferecer um repertório de sapatos, nos quais nos colocamos (segundo tempo), para escutar a história dos seus “donos”, (terceiro tempo), para enfim deixarmos para trás os sapatos e as histórias tendo nos transformados em outros repassando a experiência como estou tentando fazer agora, com este texto (quarta tempo).

No contexto contemporâneo das chamadas lutas por reconhecimento estamos às voltas com a demanda de inscrição de séries simbólicas em conflito: gêneros, raças, classes, línguas, culturas. Demandas de sofrimento que pedem pela inscrição no espaço público. Demandas dirigidas aos museus porque eles são e penso que deveriam continuar a ser, instâncias de sanção e de autorização de posições de fala. Mas, pelo exposto anteriormete, ser reconhecido pelo museu não é apenas ser catalogado, fazendo parte do acervo em seu modo próprio de lembrar e esquecer. A demanda precisa ser reconhecida não apenas em seus objetos representativos, mas também em sua gramática própria, vamos dizer assim, em seu pensamento “museológico” próprio. Por isso ter lugar, inclusive ter lugar de fala, pode ser inócuo se do outro lado não construímos um lugar de escuta. E ter um lugar de fala é fundamental, mas em certo sentido porque ele é só um lugar, um ponto de vista, que pode ser reduzido novamente a uma elite particular. O que se demanda não é o reconhecimento protocolar do lugar de fala, mas também da voz. A voz a que traz o corpo e o corpo que se transforma no percurso empático.

Aqui a confusão é frequente entre o expressivismo, que demanda a autonomia do singular, e a irredutibilidade da experiência, como reposição e completamento da identidade, que é uma estratégia decisiva das formas de corpo segregadas e a experiência transformativa que se pretende em relação ao poder modificador de mundos da memória, desde que articulada ao desejo.

A “Tragédia” encenada pela curadora Sofia Borges na 33a Bienal de São Paulo conta com diversos artistas dialogando entre si

Nos detalhes escondidos do corpo, presentes na obra de Sofia Borges, que nos traz meias caras, bocas recortadas em detalhes grotescos, percebemos a função decisiva da metáfora como impulsionadora e formadora das narrativas de sofrimento, logo de sua transformação.

Atividade Interna, Maria Laet, 2017

É uma estratégia de certo modo oposta a de Maria Laet, que enquadra o litoral feito de linhas e rasuras que o mar impõe à areia de uma praia. Crítica dos muros e fronteiras? Alusão ao fato de que sem marés e fronteiras indeterminadas o que temos é fratura e quebra.

Se Sofia Borges trabalha com a narrativa narcísica do sofrimento, Maria Laet escolha a narrativa esquizoide. Na primeira está em jogo meu reconhecimento de identidade, propiciado por uma imagem que opera em espelho. Na segunda está em pauta minha experiência de unidade. Ser idêntico não é o mesmo que ser um.

2 livros para ler agora

Confira dois livros para ler agora, selecionados pela ARTE!Brasileiros para a Série “Imperdíveis”.

Livros para ler agora

Por Tatiana Marotta

Clarice Lispector -Todos os Contos
Organização de Benjamin Moser, Rocco, 654 páginas

Pela primeira vez, todos os contos da escritora Clarice Lispector estão reunidos em um só livro. O volume é organizado pelo americano Benjamin Moser, autor de Clarice, uma Biografia e divulgador da obra da escritora nos EUA. Moser estará na Flip deste ano, lançando o livro Autoimperialismo.

TRECHO

“E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha ao encontro da minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara.”

AUTORA

Uma das maiores escritoras brasileiras, Clarice Lispector publicou o primeiro livro aos 23 anos: Perto do Coração Selvagem. Também escreveu, entre contos e romances, A Hora da Estrela, popularizado no cinema.

Exames de Empatia
Leslie Jamison,  tradução de Rosaura Eichenberg,  
Globo Livros, 296 páginas

Reunião dos melhores ensaios da escritora. São textos que mesclam passagens autobiográficas, reportagem e insights filosóficos.  Com enfoque feminista, tratam da dor física, violência e privações extremas.

TRECHO

“Empatia não é apenas lembrar-se de dizer deve ser realmente difícil – é imaginar como trazer a dificuldade à luz para que possa ser percebida. Empatia não é apenas escutar, é fazer as perguntas cujas respostas precisam ser escutadas. Empatia requer investigação, tanto quanto imaginação.”

AUTORA

Professora assistente na Universidade de Columbia, Jamison é colunista do The New York Review of Books e colaboradora da Harper’s e The Believer, entre outras revistas.

 

Construção de Series Históricas e Leitura Crítica das Imagens

Man Ray, Volta à Razão,1923

 

Leia também:
1] Curadoria como sistemas simbólicos em conflito,
2] Forma estética e contradição social  
3] Formalização e Temporalidade
4] Arquitetura e Espaço: a Soberania das Imagens
5] Lugar, Voz e Linguagem: Empatia e Estranhamento

Resumo

Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.

 

6.Construção de Séries Históricas e Leitura Crítica de Imagens

 

Até aqui estamos nos desviando dos operadores clássicos de leitura de imagens: o autor e a obra. A crítica das neovanguardas dos anos 1960 insistiu na dissolução da unidade destas categorias: a obra é aberta, sua descontinuidade com o mundo é problemática, sua intrusão na vida é um problema insolúvel. Problema conexo é a reação ao excesso de biografismo e de psicologização da leitura da obra pela vida de seu autor. O sujeito que se critica aqui é sobretudo o sujeito soberano, auto-idêntico e reflexivo, possuidor e mestre de sua produção assim como Hitchcock parecia controlar todos os detalhes de seus filmes.

Ora, este uso da psicanálise traz o que ela tem de pior, que é a reprodução de uma narrativa mestre a partir da qual se pode fazer hermenêutica de obras de arte. Em alguma medida isso parece ser inevitável, mas o que se observa em críticos mais recentes, como Didi-Huberman e Hal Foster ou Kosalind Krauss, é que a psicanálise é antes de tudo uma estratégia de leitura de formas, não de conteúdos.

 

Ela, como tantos outros discursos e experiências está interessada centralmente no sofrimento e na transformação, no modo como contradições vivenciais, como o trauma, mas também o sofrimento narcísico com a identidade, o sofrimento em estranhamento com o sintoma, o sofrimento derivado do bloqueio, fracasso ou limitação de nosso trabalho de imaginarização ou simbolização retorna como real.

Este é o problema central na série já aludida de telas sobre o desastre do Césio 137 e sua interpolação no contínuo de trabalhos e Siron Franco. O fio condutor não precisa ser a vida, mas pode ser apenas a recorrência, construída pelo destinatário das variações que se compõem no tempo. Como antropofagia dos seus primeiros trabalhos, se reúne com a resposta aos ataques terroristas em Paris, ou ao desastre de Goiânia? Não precisamos encontrar uma lógica, uma coerência ou um encadeamento necessário, como faziam Wolflin e Vasari.  Mas uma escuta empática da obra produzirá, como uma espécie de efeito secundário, estruturas de unidade, sobrepostas ou não, às estruturas de identidade.

Este é o exercício aberto da leitura como construção de corpos políticos. Tarefa na qual psicanálise, pensamento museológico, mas também tantos outros discursos e agenciamentos estão agrupados.

 

1º Edital OMA de Curadoria premia curadora de Brasilia

Imagem: Divulgação

Iniciativa da Galeria OMA, o 1º Edital OMA de Curadoria abrangeu todo o território nacional. A excelente oportunidade para jovens curadores premiou “Métricas da cidade de Brasília”, de Gisele Lima.

Gisele Lima (Divulgação)

A brasiliense é graduada em Teoria, Crítica e História da arte pela Universidade de Brasília. Sua proposta é uma mostra coletiva com outros artistas brasilienses, Gustavo Silvamaral, Guilherme Moreira e João Trevisan.

Gisele destaca o pensamento em torno da matemática do sensível, as cores e formas singulares na arquitetura da capital brasileira. Além disso, chama atenção à reverberação na noção de pertencimento a um cenário marcado pelo modernismo e a convivência política.

O 1º Edital OMA de Curadoria

A OMA Galeria consolidou-se como um dos principais espaços de arte contemporânea do Brasil. O edital, oficialmente anunciando durante a SP-Arte/Foto, em agosto, tem o intuito de estimular jovens curadores. A proposta selecionada fecha o calendário anual de exposições da galeria. O prêmio previsto é de 5 mil reais ao projeto, a fim de dar suporte à curadoria e os artistas integrantes da mostra.

“Ficamos surpresos com a qualidade e quantidade de inscritos”, comenta o galerista Thomaz Pacheco. A Galeria destaca a importância desse tipo de ação frente a demanda de profissionais. “Não tínhamos a real dimensão do alcance do edital em âmbito nacional”, explica.

A mostra “Métrica” está prevista para o fim de novembro.

Feira de Arte de Bogotá reúne 70 galerias na capital colombiana

Com a participação de 70 galerias de 20 países, acontece nesta semana na capital colombiana, entre os dias 25 e 28 de outubro, a 14a edição da ARTBO (Feira de Arte de Bogotá). A feira, que se consolidou como uma das mais importantes da América Latina, é o principal evento em uma semana que movimenta a cena artística da cidade.

Além da ARTBO, são realizadas no mesmo período as feiras do Milhão e Barcu, o recém-lançado projeto Espacio Odeón Intensivo e uma série de exposições em grandes instituições (como o Museu de Arte da Universidade da Colômbia), espaços independentes (como o FLORA ars+natura) e galerias de arte.

As casas brasileiras que participam da 14a edição da ARTBO são as galerias Eduardo Fernandes, Luisa Strina, Portas Vilaseca e Vermelho, na seção principal, e a Superfície, na seção dedicada à jovens galerias. Na área voltada à projetos individuais de artistas, participam a paulistana Carla Chaim, pela Galeria Raquel Arnaud, e o paraense Emmanuel Nassar, pela galeria portuguesa Kubikgallery.

A ARTBO, realizada desde 2004 e dirigida por María Paz Gaviria, foi uma importante impulsionadora não só do mercado de arte, mas também da cena artística colombiana, em um país que ainda lidava de modo intenso com os traumas dos conflitos com guerrilha e narcotráfico. Nos últimos anos, diversas galerias e espaços dedicados às artes visuais proliferaram não só por Bogotá, mas também por cidades como Medellín e Cali.

A 14ª Bienal Naïfs do Brasil no Sesc Piracicaba

Mostra no Sesc Piracicaba, com curadoria de Armando Queiroz, Juliana Okuda Campaneli e Ricardo Resende, fica em cartaz até 25/11.

Com o tema “Daquilo que escapa”, a bienal deste ano apresenta bordados, desenhos, esculturas, gravuras, pinturas, vídeos, entre outras técnicas, produzidos por artistas em todo o Brasil.

Confira entrevista com Margarete Regina Chiarella, agente de cultura e lazer do Sesc SP.

 

SERVIÇO

14ª Bienal Naïfs do Brasil

SESC PIracicaba: Rua Ipiranga, 155, Centro.

De 18 de agosto à 25 de novembro.

Terça à sexta-feira das 13h30 às 21h30. Sábado e domingo, das 09h30 às 18h.

Entrada gratuita. Informações: 3437-9292.

 

Um jovem que fugiu à ditadura do tempo

Santídio Pereira, Sem título

Santídio Pereira tem 23 anos, nasceu em Curral Cumprido, bairro rural de um pequeno município piauiense de Isaías Coelho, onde passou toda sua
primeira infância. A vinda para São Paulo, não obstante, não interrompeu
sua relação com o tempo.

Sua segunda exposição na Galeria Estação, em São Paulo, Um olhar da memória, apresenta xilogravuras, técnica antiga que requer um tipo de relação diferente e mais demorada com a matéria, que sangra a madeira, e que coincide com a maneira com que Santidio enxerga seu passado. Camadas de memória aparecem na sua obra. Caburés, garrinchas, lambus, juritis, pássaros e plantas da caatinga, se misturam em tons que tornam seu trabalho menos figurativo.

Luisa Duarte, curadora da exposição, lembra em seu texto para o catálogo, que para o artista há uma clara diferença entre ver e enxergar: “O ver estaria relacionado a um olhar apressado, próprio de um ritmo contemporâneo marcado por uma atenção distraída, enquanto que o enxergar seria aquilo que suas gravuras demandam, ou seja, uma mirada capaz de se demorar em um mesmo objeto, pacientemente.”

Santidio não se contaminou com a aceleração do tempo do capital e da capital. E parece ter se mantido fiel as suas raízes, tanto do ponto de vista da sua percepção
como das suas marcas mnêmicas, como da sua memória inconsciente. Freud comentava, em cartas a Wilhelm Fliess, bem no comecinho de sua obra, que estes três fatores juntos não seriam nem mais nem menos que o necessário para criar: criar a vida como uma obra psíquica.

Você sonha com o quê?

Gabriel Sierra, CCCC, 2018. FOTO: Edouard Fraipont

A natureza dinâmica e fragmentária da arte se abre a todo tipo de delírios e pode neutralizar simplificações e mesmices. A galeria Luisa Strina dá um sopro poético no congestionado circuito de arte deste mês com a mostra Você sonha com o quê?,  uma indagação de como a arrogância do mundo pode ser questionada com devaneios e imaginação. A curadora mexicana Magali Arriola monta um jogo a partir da obra A Flor Mohole, do filipino David Medalla e Espaços Virtuais do brasileiro Cildo Meireles. No utópico Projeto Mohole, 1957/1966, o artista imagina plantar uma flor no centro da Terra para fazer ressurgi-la “com pétalas, rolando na crista de uma onda chegando à costa”, em diferentes formas e locais.  Já Espaços Virtuais de Cildo, da década de 1960, questiona como nos aproximamos do espaço e de que como a geometria pode modificar nossa relação com ele, centrada na obra A Penteadeira, de 1967.

A coletiva utópica e orgânica que toca nos conceitos de dentro/fora, cima e embaixo, reúne obras de Marcel Duchamp, Pierre Huyghe, Laura Lima e Zé Carlos Garcia, Marie Lund, David Medalla, Cildo Meireles, Theo Michael e Gabriel Sierra. O conjunto revela os limiares de percepção que conectam luz e sombra, explora dramaticidade e poesia como a que se desprende de Pássaro, 2015/2018, escultura de Laura Lina e de José Carlos Garcia.  No MMMMM… Manifesto, 1965, Medalla sonha com esculturas que “migrem, em massa, para o Polo Norte”.  Laura Lima fala do Pássaro, inserida no desejo de fazer uma obra pública. “Percebi como a arquitetura está muito presente em meu trabalho e, quando coloquei esse pássaro agigantado, pensei mais como escultura e não como uma performance”.

David Medalla, ‘A Flor Mohole’.

Laura imaginou situação de cataclismo em relação ao povo, como se colocasse um pássaro sobre um pequeno bonsai. “Pensei num pássaro caído no meio da cidade e imediatamente elegi José Carlos Garcia, para trabalhar comigo. Ele   faz esculturas com asas, pássaros, é um grande escultor. Garcia diz que esse projeto revela por onde o pássaro entrou, onde ele bateu e morreu. Para ele, esse cenário é uma grande paisagem que cada espectador vai fazer na sua cabeça. “Cada um aponta para um lugar, para achar sua paisagem onírica”, comenta.

Devaneios giram também em torno da obra do colombiano Gabriel Sierra, que se vale de matéria orgânica para reinventar planetas, um trabalho que funciona como um experimento. “Me interessa como vemos o espaço em que habitamos. Para expandir criatividade e ideias, as pessoas buscam mais espaço, como metáfora da suposta falta de espaço, como se o planeta Terra fosse insuficiente para a criatividade”. Com o curioso título CCCC (chispa, corpo, casa, cosmo) ele faz uma alusão ao espírito que habita esses territórios. Está em jogo a liberdade de pensar sem fronteiras. “É uma forma de escapar do território que conhecemos na Terra”. De cada obsessão de Medalla e observação de Cildo fica um trabalho, uma experiência, um modo de vivenciar o espaço. Seja real, onírico, distante ou profundo.

Movimento independente lança “Manifesto da Literatura pela Democracia”

Imagem: Divulgação

O escritor, crítico literário, e tradutor de diversos títulos – alguns presentes nas indicações da categoria “Imperdíveis“, Julián Fuks, publicou em suas redes sociais o “Manifesto da Literatura pela Democracia”, por ele escrito.

O texto posiciona a classe literária assinante frente à fragilidade democrática instaurada pelo cenário político do país, que aproxima-se do 2º turno eleitoral.

“Diante do descalabro que parece iminente nestas eleições, me pediram que escrevesse este ‘Manifesto da Literatura pela Democracia’, a ser subscrito por escritores e escritoras e demais profissionais do livro”, escreveu Julián.

Nomes como Raduan Nassar, Chico Buarque, Lygia Fagundes Telles, Luis Fernando Veríssimo, Roberto Schwarz, Diamela Eltit, Mia Couto, Bernardo Kucinski, Gregorio Duvivier, Alberto Martins,  Maria Betânia Amoroso, Mirna Queiroz, entre muitos outros, assinaram o Manifesto. Para assinar, acesse o link.

Fuks chama também para um ato na Tapera Taperá, em São Paulo, no dia 26/10, às 19h. “Para reunirmos forças e palavras, e para enfrentarmos juntos esse horror que nos afronta. Cedo ou tarde, a democracia, a liberdade, a empatia, hão de se impor”, finaliza.

Confira o texto na íntegra:

 Manifesto da Literatura pela Democracia

“Se o país não estivesse imerso em tanta fúria, tanto ódio, tanto grito, se por um instante se instalasse algum silêncio, talvez todos ouvissem o sinal de alarme: algo está em perigo. Funcionam os hospitais, os tribunais, as delegacias, abrem-se as repartições, mas não há nenhuma normalidade em nossos dias, nenhuma tranquilidade é possível. Em pouco tempo caminharemos às urnas com as mãos desarmadas, exerceremos com liberdade o ofício do voto, e ainda assim o alarme soará por toda parte: a democracia está em perigo.

A democracia não se resume à possibilidade de depositar um voto na urna; supõe, antes disso, o direito de todos e todas, pleno e absoluto, à existência. O candidato Jair Bolsonaro fere a democracia porque defende o desaparecimento de muitos: de seus adversários, que anseia por banir da política; dos ativistas, que quer extirpar do país; de quilombolas e índios, que pretende privar de suas terras; da comunidade LGBT, intimidada a conter em público seu afeto; dos jornalistas críticos, constantemente ameaçados por ele próprio ou por seus seguidores.

A democracia não sobrevive apenas com um respeito momentâneo às normas; sua preservação requer um compromisso constante com o Estado de Direito. Bolsonaro vem ferindo a democracia há décadas, em seu louvor às opressões da ditadura, em sua defesa insistente da tortura e do extermínio. Ameaçou a democracia no passado, e sua candidatura a ameaça no futuro, com o aceno a medidas autoritárias. A cada declaração ou insinuação, o sinal de alarme soa mais alto.

A cultura ele também quer abater, mas a cultura não se abate. A literatura ele quer calar, mas a literatura não se cala. Contra a censura, contra o desprezo, contra o desdém, contra a imposição de falsas verdades e de equívocas certezas, escritores e escritoras sempre souberam se erguer. Eis o ativismo da literatura, o ativismo que ele não poderá extirpar: a literatura será sempre um dos grandes antídotos para a desumanidade e a indiferença.

Por isso aqui nos erguemos, escritores e escritoras, críticos e críticas, editores e editoras, exercendo nosso ofício da palavra, ouvindo como outros o ruído das sirenes. Por isso clamamos por uma união de todos e todas que prezem pela democracia, que valorizem a existência da diversidade e do dissenso. A literatura, afinal, tem como ideal e como fim a aproximação ao outro, a compreensão de suas aflições, de seus suplícios, o encontro entre diferentes. E ainda que resista às circunstâncias mais adversas, como resistimos e resistiremos, a liberdade há de ser sempre o seu maior instrumento.”