Início Site Página 134

Enquanto isso

Enquanto isso
Coleções, 1968/1973

Na bela sala oval da Biblioteca, fundada originalmente em 1925 como Biblioteca Municipal de São Paulo que mudou seu endereço em 1942, na gestão dPrestes Maia para o novo edifício, projetado pelo arquiteto Jacques Pilon, considerado um marco da arquitetura Moderna em São Paulo, se justapõem várias memórias.

Sala da Biblioteca

 

“O imaginário de Vilela, forjado na belicosidade da ditadura, encontra ecos no mundo pré-guerra, com as touradas de Lorca ou as urgentes questões do mundo contemporâneo. Conflitos passando por Iraque, Síria, ou Turquia… Seus trabalhos representam um chamamento de fúria e desejo, de atenção e movimento em direção ao desconhecido”, diz Rodrigo.

 

Vilela trabalha carvão, nanquim e óleo sobre papel e tecido com força particular, como se esses materiais lhe permitissem dizer o que quer. De repente uma lembrança, de repente um grito.

Na instalação Coleção 1968/73, de 2014, apresentam-se cento e dez livros de aço. Eles possuem, em seu interior, publicações censuradas pela ditadura e o manual de tortura Kubark, do Exército estadounidense, utilizado nos treinamentos de oficiais brasileiros, apresentam marteladas e cortes, como reatualizando o trauma interior.

Nem tudo é culpa nossa

Charles Cosac, fundador de uma das mais importante editoras de cultura e arte contemporânea no Brasil, a Cosac Naify, atual diretor da Biblioteca Mário de Andrade, escreve na abertura do catálogo da exposição sobre o título de Nem tudo é culpa nossa.

 “A força da obra de Vilela me dá a triste certeza de que fizemos praticamente tudo errado. Mas o torpor desse sentimento já não nos fere nem amua. De tão bruto, incisivo e exclusivo, acaba nos redimindo, fazendo acreditar que nem tudo é culpa nossa. Narrativa em preto e branco de uma sociedade sombria repleta de contradições, desigualdades e violências, sua obra parece refletir o sentimento de uma comunidade vulnerável, mas verdadeira. Não por acaso, dialoga concretamente com o entorno da Biblioteca, nossa Praça Dom José Gaspar. Esta que é registro fiel, hoje, da cena urbana paulistana”.

Visite!!


Serviço
27/11/2018 a 24/02/2019
Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, 94 Centro
bma.sp.gov.br  

 

Boicote Internacional à Bienal de São Paulo

ENQUANTO O ARTISTA QUISSAK JÚNIOR ERA AMEAÇADO DE PRISÃO PELA OBRA BANDEIRA NACIONAL, O AMERICANO JÁSPER JOHNS RECEBIA O PRÊMIO DE PINTURA, COM FLAGS, NA MESMA 9a BIENAL DE SÃO PAULO

C

omo uma ditadura pode modificar a fisionomia cultural de um país? O Brasil já experimentou desse veneno com o Golpe de 1964, quando o regime militar passa a ditar normas para todos os setores da sociedade e, as artes plásticas não fogem à regra.

Um dos torpedos é desferido na Bienal Internacional de São Paulo, em sua edição de 1967/1968, quando minutos antes da inauguração, a Polícia Federal retira a obra de Cybele Varela por julgá-la “ofensiva” às autoridades. O jovem artista Quissak Júnior é ameaçado de prisão por seu trabalho, cinco óleos sobre tela, moduláveis, representando a bandeira brasileira. Contrapondo-se a essa proibição, os Estados Unidos, com a maior sala na exposição, o Ambiente USA: 1957/1967, exibiram a bandeira americana em Three Flags, de Jasper Johns, um dos Prêmios Bienal de São Paulo, ao lado de César, Cruz Dias e Pistoletto.

Na edição seguinte, com a promulgação do AI5 (Ato Institucional no 5), a situação piora. O crítico Mário Pedrosa é ameaçado de prisão, assim como Mário Schenberg. Muitos intelectuais saem do País e outros são exilados.

No Rio, a polícia invade o MAM e fecha a exposição que reunia as obras dos brasileiros que participariam da 6a Bienal de Paris. O ministro das relações exteriores, José de Magalhães Pinto, em artigo publicado pela Folha de S. Paulo, dizia que as obras continham mensagem contra o regime e “pretendiam incompatibilizar o governo com a opinião pública”. Diante da repressão a participação dos brasileiros se restringe às áreas de arquitetura, urbanismo e música.

Nesse ano de 1969 a Bienal de São Paulo sofre seu maior revés, o “boicote internacional”, que começa com os artistas brasileiros e transcende as fronteiras, chegando aos Estados Unidos, França, México, Suécia e Holanda, onde muitos artistas aderiram ao movimento. Na Europa, a ação era liderada pelo crítico francês Pierre Restany, amigo de Mário Pedrosa, que na reunião no Museu de Arte Moderna de Paris, declara: ”O protesto cultural toma aqui uma súbita expansão, e isto é somente o início”. A petição de boicote contou com 321 assinaturas e teve adesão de Pablo Picasso. Pontus Hultem, sueco, um dos mais  atuantes críticos na época, responsável pela formulação do conceito do Beaubourg, de Paris, foi um dos militantes do movimento. O manifesto chegou a Nova York, com artigo no New York Times, criticando a censura brasileira nas artes. No Itália, o Corriere della Sera publicou: ”A Bienal está em perigo por causa da situação política do Brasil”. Eduard de
Wilde, diretor do Stedelijk Museum, de Amsterdã, foi um dos primeiros a aderir ao boicote e a Holanda, o primeiro país a se retirar e o último a voltar ao Ibirapuera.

Enquanto o artista Quissak Júnior era ameaçado de prisão pela obra “Bandeira Nacional”, o americano Jásper Johns recebia o prêmio de pintura, com “Flags”, na mesma 9a Bienal de São Paulo

Fora dos muros da Bienal de São Paulo, os artistas também militavam. Em 1967, Nelson Leirner e Flávio Motta, com humor e críticas veladas, fazem grandes de bandeiras de tecido, impressas em serigrafia, com imagens de literatura de cordel, futebol e carnaval, e vendem no cruzamento av. Brasil com rua Augusta, em São Paulo. Ambos são confundidos com ambulantes e as bandeiras confis cadas. No mesmo ano, Antonio Henrique Amaral lança o álbum de xilogravuras O meu e o Seu, com forte sátira aos militares. A partir de 1968, com a edição do AI-5, artistas utilizam metáforas alusivas ao regime. Cláudio Tozzi, além do painel Guevara Vivo ou Morto, trabalha a série Parafusos, referência à dura realidade vivida pelos brasileiros na época. Em 1971, Tomoshige Kusuno, convidado da II Bienal de Antuérpia, é proibido de fotografar sua obra ambiental no gramado próximo ao pavilhão da Bienal, considerada pelos militares “ocupação de área de segurança nacional, pela proximidade ao quartel”.

S/T, Claudio Tozzi, 1971. Liquitex Sobre Duratex, 115x104cm

Apesar da marcação sob pressão, os artistas às vezes conseguiam driblar os censores. No Salão Nacional de 1971, o mais importante da época, Antonio Henrique Amaral, recebe o prêmio Viagem ao Exterior, com a série Brasiliana, telas de grande formato, com forte crítica ao regime, tendo bananas como tema. Regina Vater também recebe o mesmo prêmio com a série Nós, de 1972.

Quem viveu este período, com certeza, não quer ver a história se repetir, muito menos os artistas plásticos que, ao longo da história, são alvo constante de qualquer regime de exceção.

Silêncio e apagamento em torno do AI-5

Antonio Dias, The Last Bedroom , 1968, óleo sobre tela, plástico, 61 X 50 cm, Coleção Marta e Paulo Kuczynski

OBRASIL TEM UM ENORME PASSADO PELA FRENTE”: a frase de Millôr Fernandes nunca pareceu mais atual e resume com precisão a sensação de parte significativa do público que se reuniu na última semana de outubro no Instituto Tomie Ohtake para debater o futuro do País, às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República. O encontro, organizado em torno da exposição “AI-5 – Ainda não terminou de acabar”, desempenhou uma dupla e profundamente conectada missão: discutir o conteúdo da exposição em cartaz no centro cultural até o último dia 4 de novembro e ao mesmo tempo atualizar essa reflexão até os dias de hoje, evidenciando os nexos entre a herança do período ditatorial e o retrocesso repressivo vivenciado na atualidade.

Mais uma vez, constatou-se que o silêncio e o apagamento em relação aos feitos no período da ditadura são profundamente responsáveis pelo retorno virulento de políticas de negação dos fatos históricos, de hostilidade em relação a práticas culturais que se propõem a expor as feridas do passado e do presente, e pelas tentativas crescentes de forjar narrativas que reconstroem e modifi cam esse passado, transformando as vítimas em algozes e os algozes em heróis. Estudantes, artistas, críticos e editores presentes na Assembleia foram unânimes em concordar que o silêncio é o principal responsável por
esse fantasmagórico renascimento das ações repressivas. E não apenas em relação ao passado mais recente. Tal fenômeno se repete em processos históricos mais longos,
como a escravidão e o genocídio indígena, negados por não terem sido devidamente expurgados. Esse diagnóstico compartido repete de certa forma aquele já esboçado na
exposição “Osso”, realizada no mesmo espaço também com curadoria de Paulo Miyada e que é assumidamente o ponto de partida da mostra sobre o AI-5.

O desejo de refletir sobre esse momento terrível da história brasileira, de suspensão de direitos e perseguição política por parte do aparelho de Estado, não é fruto apenas do aniversário de 50 anos do Ato Institucional n.o 5, mas sim da sensação de que era preciso tratar dessas questões latentes. Ele nasce tanto da experiência de reunir obras contemporâneas interessadas em lidar com esses fantasmas como do esforço em criar um espaço de reflexão simbólica sobre a violência social intensa no país. “Osso” – tanto a mostra como o debate que suscitou – unia duas pontas importantes: a expressão artística de questões sociais e políticas e a denúncia em relação a um caso específico de injustiça contra Rafael Braga, enquadrado injustamente na lei anti-terrorismo por carregar produtos de limpeza.

Tal esquecimento negociado não ocorreu em países como Argentina e Chile. Ao invés da anistia “conciliadora”, os países vizinhos julgaram e encarceraram aqueles que tomaram o poder pelas armas. E continuam nesse movimento de expurgo, como comprova o atual processo encaminhado no Chile contra os militares envolvidos numa ampla rede de corrupção. Do ponto de vista da arte, o paralelo é o mesmo. Enquanto o que se viu no
Brasil foi um silenciamento em relação à produção mais crítica dos anos 1960, o predomínio de uma postura de autocensura institucional e o menosprezo por essas ques-
tões no período posterior, nos países vizinhos houve um esforço – tanto institucional como da sociedade civil – para instituir memoriais capazes de transmitir à população os feitos trágicos do período militar. É bem verdade que temos em São Paulo o Memorial da Resistência, mas seu alcance e dimensão ficam muito aquém da gravidade dos fatos sobre os quais se debruçam.

Os memoriais têm sentido para além do campo simbólico. São ações efetivas que impedem o apagamento da memória, mas são também testemunhos de como a arte é vital para a elaboração desses traumas. O projeto desenvolvido por Nuno Ramos para o Parque de la Memória, em Buenos Aires, e que ainda está por ser construído, parece tocar com precisão no nervo dessa questão da visibilidade/esquecimento. A proposta, uma das 18 vencedoras do concurso realizado em 2000 envolvendo mais de 600 projetos de 44 países, é ao mesmo tempo singela e contundente: o artista propôs recriar parte do “Olimpo”, temido centro de tortura da capital argentina, porém invertendo sua aparência arquitetônica. Aquilo que é opaco, como as paredes, seriam feitos em vidro, enquanto as aberturas, como
portas e janelas, passariam a ser de mármore negro, explicitando assim o caráter oculto e terrível das perseguições do regime.

Autor de algumas das obras mais contundentes sobre a situação social e política do país, como 111 – trabalho que se debruça sobre a chacina do Carandiru, em 1992 –, Nuno se diz assustado com a “loucura discursiva” que vivemos no País. Sua resposta a essa violência veio na forma de uma série de performances, trabalhos quase teatrais, desenvolvidos nos últimos meses. Essas apresentações, que entrelaçam discursos, narrativas televisivas, debate político, tragédias (como “Antígona”) e alegorias (como “Terra em Transe”) estão disponíveis no youtube. “Momentos muito agudos trazem reflexões mais imediatas”, diz o artista, enfatizando a importância de lidar com as coisas no calor da hora, expressa no título “Aosvivos”, que dá nome a trilogia das peças.

Talvez o aspecto que mais assuste Nuno seja o insuportável grau de violência de nossa sociedade, “essaviolência anônima, contra o anônimo”. “Matam 63 mil pessoas por ano, com índices sempre crescentes, passando pelos vários governos, e a gente tolera”, lamenta. No entanto, ele pondera que não devemos deixar a arte levar a culpa, acreditar que por causa do acirramento das tensões ela deveria tomar para si o papel de responder sempre aos acontecimentos. “Arte tem que ser boa, como for”.

Resgate

Voltar atrás e rever esses movimentos esque- cidos pelas instituições, pela crítica e pelo circuito artístico é algo vital, se quisermos encontrar caminhos que bloqueiem aqueles que defendem o fim do caminho democrático no País. Nesse sentido, a exposição AI-5 pinça na nossa história recente dois projetos de grande importância – simbólica e conceitual – que merecem ser reavaliados nos dias de hoje, quando buscamos novas saídas. O primeiro deles é o plano elaborado por Mario Pedrosa para o novo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, depois que este foi destruído pelo fogo em 1978 (qualquer semelhança com o caso do Museu Nacional não é mera coincidência). Logo após o desastre, Pedrosa sugere reestruturar o museu em torno de cinco eixos vitais para a compreensão da arte brasileira, com núcleos dedicados às artes negra, indígena, popular, do Inconsciente e contemporânea. O segundo é a tentativa liderada por Aracy Amaral de reorientar a Bienal de São Paulo, transformando-a numa espécie de polo latino-americano, capaz de estimular a troca, a produção e a exibição da arte regional como forma de fortalecimento político e cultural. Ambos não saíram do papel, mas são – juntamente com o resto da produção de seus autores – fontes vitais de realimentação nesse processo de resgate de modelos capazes de orientar o processo de resistência diante das tentativas de esfacelamento da cultura nacional.

A maior performance da História do Brasil

Um sentimento intenso de cumplicidade permeou os que participaram da ação performática. FOTO: Felipe Campos Mello

Dia 28 de outubro, segundo turno das eleições. O mesmo dia dramático que elegeu um presidente impulsionado por informações falsas foi palco da maior performance coletiva na história do país: centenas ou milhares de pessoas — é um movimento impreciso — saíram de casa para votar com um livro na mão.

Não se sabe de onde veio a ideia, há que diga que foi o cantor Criolo o primeiro a sugerir – ele foi votar com Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa -, mas o fato é que o livro aca- bou se tornando o símbolo silencioso de quem se opunha ao candidato das armas. Nos anos 1970, Marina Abramovic resumia em três as orientações de como uma performance deveria se desenvolver: sem ensaio, sem duração determinada e sem repetição. O que ela e os artistas daquela época queriam era evitar a representação, a encenação, criando ações que fossem experiências reais, tornando a arte uma vivência sem mediação. A votação com livros foi uma ação que obedeceu a todos esses princípios. Senti a necessidade de sair com o livro, sem saber muito o que fazer com ele no percurso da votação, mas logo que me aproximei do colégio onde voto, na Vila Madalena, em São Paulo, percebi que muitos outros me acompanhavam. O sentimento de cumplicidade foi intenso. Não troquei palavras com ninguém, não parecia necessário, mas dei e recebi olhares afetivos, sorrisos constantes, sinais de cabeça positivos. Foi emocionante. Não houve gestos exagerados, tudo foi comedido, como uma coreografia a que, mesmo sem ter sido prevista, ocorria de forma natural. Como em um coro, afinal, a impressão era que junto como Vida Capital, de Peter Pal Pélbart, o livro que escolhi, eu não estava isolado, mas participava de uma sinfonia pela afirmação de valores humanistas e a rejeição ao fascismo. Caminhar com um livro se tornou um ato transgressor.

 

 

Cada um ou cada uma que encontrei levava o livro de uma forma. Alguns segurando o livro no peito, deixando claro quem estava homenageando, outros com uma rosa no meio da publicação. Muitos postaram a foto nas redes sociais, alguns com o comprovante de votação, outros em família.

Como nas performances dos anos 1970, a foto com o livro se tornou o registro de uma ação que não pode ser esquecida e que passa a ter tanta importância como a ação em si. Como não houve ensaio, cada um fez como pode e como quis, totalmente performático. Alguém ainda criou a hashtag #bibliografia- 28outubro2018, creio que foi Daniela Name ou Jorge Menna Barreto, para marcar os posts no Instagram e no Facebook de quem participou da performance.

São muitos os marcados, desconhecidos e famosos, especialmente atores e atrizes como Camila Pitanga, Denise Fraga, que votou com Teatro Completo, de Bertolt Brecht, Silvia Buarque, com Raízes do Brasil, de seu avô Sergio Buarque de Hollanda, ou Deborah Secco com A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, para citar apenas três casos.

Alguém ainda propôs que os livros fossem doados ao Museu da Maré, aos cuidados de Luiz Antonio Oliveira (avenida Guilherme Maxwell, 26, Maré, Rio de Janeiro, Cep 21.040-212). É uma linda iniciativa, eu gostaria de fazer, mas o autógrafo pessoal do Peter no livro me impede. Penso comprar outro igual para mandar.

Há pelo menos 20 anos acompanho a cena da performance, assisti a dezenas delas, incluindo a histórica “A artista está presente”, de Abramovic no MoMA, em 2010, mas nunca havia realizado uma. Ter levado o livro para votar foi um dos momentos mais livres da minha vida. De usar meu corpo como resistência e constatar que tantos outros estavam na mesma sintonia.

Agora, quando vejo alguém na rua caminhando com um livro, e essa situação tem sido muito recorrente, inclusive de muita gente lendo livro enquanto caminha, chego a ter a sensação de que o dia 28 ainda não acabou, e que a performance ainda não se encerrou. Em verdade, tenho certeza que ela vai continuar.

 

Debate sobre gestão aponta para união do segmento cultural como estratégia

Encontro Novas Estrategias Gestao Cultural Painel Advocacy por Jean Paz
Encontro Novas Estrategias Gestao Cultural Painel Advocacy por Jean Paz

O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc desenvolveu painéis de discussão sobre a gestão cultural no país e atividades práticas. O evento foi uma parceria entre Sesc São Paulo, Santa Marcelina Cultura e Consulado Geral dos Estados Unidos da América, com consultoria de Cláudia Toni.

A arte enquanto transformação

Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo, iniciou o painel apontando para o momento político e econômico brasileiro em que evidenciam-se questões sobre cultura e gestão. Ainda que hajam intenções, formulações, ativismo global atuações do campo da cultura, Danilo explica que não há um projeto claro para a cultura na pauta de discussão. “Os recentes candidatos raramente abordaram o tema ou deram a ênfase necessária”, lamenta.

Para ele, é preciso observar como transformar os ímpetos em estratégias de ação no dia a dia, além de colocar a união das instituições enquanto fundamental para que os agentes sociais percebam a potência que há na cultura.

De acordo com a última pesquisa BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), 20% do investimento social das empresas vai para Arte e Cultura. O Censo Gife, aponta que mais da metade de seus associados (51%) mantém ou apoia projetos na área de Arte e Cultura. Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) comenta que os percentuais de origem empresarial ou de institutos e fundações se mantém estáveis.

Entretanto, os doadores individuais brasileiros, como mostra a Pesquisa Doação Brasil, preocupam-se com questões que pareçam mais concretas e ligadas ao seu dia-a-dia. Saúde, crianças, idosos, fome e pobreza, por exemplo, têm mais apoiadores. Isso significa que a cultura brasileira não estabelece a relação direta entre tais questões e a influência direta da arte e cultura.

Os participantes da mesa colocaram a cultura como elemento vital na transformação social. “Para mim, são duas faces da mesma moeda”, disse Danilo.

Envolvidas para além de uma relação de afinidade eletiva, o debate pautou a independência e comunhão das duas áreas interdependentes. “Educação e cultura estão na base de quaisquer medidas que busquem prover suporte infraestrutural e quadros especializados para transformar o país em regime de crescimento socialmente responsável e devidamente sustentável. Ninguém faz nada sozinho”, finaliza.

O cenário ideal reúne as instituições com o intuito de viabilizar projetos e sustentar a cultura na agenda brasileira.

Questões e estratégias para a mudança da visão popular

Para Fabiani, embora pareça uma má notícia, há um

Imagem: Paula Fabiani / Por Jean Paz

grande espaço a ser conquistado. “É preciso fazer com que o doador individual compreenda a importância da Arte e da Cultura na sua vida e na sociedade”, explica.

Os participantes da mesa buscaram levantar as estratégias utilizadas fora do país. Acima de tudo, a aplicabilidade e necessidade do advocacy – termo que implica na reivindicação de direitos -, enquanto ferramenta indispensável para o engajamento cultural. “No Brasil, a melhor possibilidade é executá-lo e reunir instituições em torno de um objetivo comum em defesa própria”, colocou Pedro Hartung, do Instituto ALANA.

Para isso, Fabiani conta que pesquisas evidenciam a existência de um desafio de comunicação entre doadores, potenciais doadores e instituições. “Não conseguimos traduzir do setor para fora os problemas sociais mais profundos que podem despontar pela ausência do terceiro setor”, explica.

Como exemplo efetivo de comunicação, a profissional cita a campanha internacional do programa Médicos Sem Fronteiras, que utiliza-se de linguagem objetiva. Ao apresentar os os passos dados com o dinheiro investido, explica, torna o apelo mais visual e inteligível.

Além disso, o crescimento do PIB não deve ser o único fator considerado. O índice de progresso social — que observa cultura, desigualdade social, entre outros —pode ser uma ferramenta na hora de mostrar os impactos cruzados das ações culturais, econômicas e políticas.

“Trazer números facilita o diálogo pelas questões de caráter profundo e importante”, explica Samuel Figueiredo, fundador da Instituição Baía dos Vermelhos. “Além do ponto de vista econômico, medir o bem estar populacional amplia o debate”, finaliza.

 

Marcos Amaro apresenta “Desconstruções e articulações” no MARGS

Imagem: Stefânia Sangi

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul apresenta, até 17/02/2019, a exposição “Desconstruções e articulações”, do artista Marcos Amaro. Presidente da Fundação Marcos Amaro, a obra do colecionador foi curada por Fábio Magalhães.

A proposta inicia-se na desmontagem de aviões que estão paralisados, transformados pelo artista em grandes esculturas. O ar catastrófico remete à ação provocada pelo tempo. A ressignificação daquilo que perdeu sua função primária rege a exposição itinerante.

Amaro incorpora também outros objetos e materiais banalizados e descartados. Ao colocá-los enquanto parte da obra, confere a cada um deles novos sentidos sem deixar de lado a memória. Os fragmentos de cada um dos materiais reorganizados por ele, fazem referência a seus significados e usos anteriores.

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS é uma das mais importantes instituições culturais de seu Estado. Com mais de 3.660 obras de arte, que abrangem a primeira metade do século XIX até os dias atuais, o acervo enfatiza a produção de artistas gaúchos.

Curadoria

Fábio Magalhães, curador da exposição, desenvolve trabalhos com a mídia da Pintura e suas obras surgem de metáforas criadas a partir de condições psíquicas e conclusões do imaginário pessoa. Seu método criativo parte da fotografia e materializa-se em pintura. Seu trabalho compõe um vasto currículo.

Alberto Manguel e Lepage se juntam em exposição no Sesc Av. Paulista

A impressionante exposição imersiva A Biblioteca à Noite, iniciativa do escritor argentino Alberto Manguel com cenografia do artista multimídia Robert Lepage e do coletivo Ex Machina já passou pelo Canadá, pela França e pela Rússia. Até fevereiro de 2019, o público poderá conferir a exposição no Sesc Avenida Paulista, prédio inaugurado recentemente pela instituição.

Por conter atividades de imersão, a visitação do público requer que um agendamento prévio. São duas salas, sendo a primeira uma recriação da biblioteca de Manguel na França, na qual o visitante é introduzido à ideia do universo que é o ambiente bibliotecário. A segunda coloca o visitante, por meio da realidade virtual 3D, para conhecer 10 bibliotecas, reais ou imaginárias, sendo uma delas a biblioteca de Nautilus, do livro Vinte e Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne.

Além da experiência imperdível da imersão, o público também tem disponíveis uma série de atividades vinculadas à mostra, passando por vários núcleos (literatura, audiovisual, tecnologia, etc), como oficinas de encadernação e de criação de vídeos 360°.

Confira no vídeo a entrevista com Lilian Salles, supervisora do núcleo de Artes Visuais, e saiba mais sobre A Biblioteca à Noite.

O trabalho de ser livre

Gildo Xavier, João Pessoa, Retrato de Famílias, 2017, acrílica sobre tela

A arte ajuda a se libertar e a lidar com o sofrimento. Há alguns anos vivemos uma grande reviravolta no Brasil e no mundo com a convocação de diferentes forças, tanto políticas, como religiosas e sociais, que optaram por ideários e estratégias ideológicas já ultrapassadas há mais de 50 anos.

De repente, nossa falta de soluções econômicas, nossa decepção com a administração do Estado e o comportamento de partidos e instituições e o fracasso das elites, incapazes de dividir nada, se tornaram terreno propício para a escolha pelo atraso, ao contrário de países desenvolvidos que tiveram o papel de zelar pelo cidadão comum, produzindo certo avanço na democracia e nos costumes.

É interessante ver que, apesar de tudo ter começado como um argumento de certos grupos isolados que enalteciam a luta contra a corrupção, rapidamente isto se mostrou “secundário” e até falso.

As máscaras caíram, como na pintura de Andre Griffo, nas páginas desta edição, e o verdadeiro discurso apareceu: “a ideologia é pior que a corrupção” disse nas midias o ciais Jair Bolsonaro, Presidente eleito no Brasil por 1/3 dos votos no país.
Não tenha a menor dúvida, o que importa é a ideologia. A ideologia de cada um é nosso capital cultural, o que pensamos sobre… no que acreditamos… o que valorizamos e a quem. O quanto nos indignamos com o sofrimento que nos é impingido e aos outros. Quais são nossos valores? Nossa ética. E, é verdade, dependendo de tudo isso, você até também vai ser um corrupto.

Detalhe da obra Pregação, 2017, de Antonio Obá exposta no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Foto: Patricia Rousseaux

Na arte, a capacidade de criar e falar é infinita. Por isso, também a arte é passível de censura. À arte nada escapa. A arte tem a capacidade de fazer pensar, antes de obedecer. E tem a capacidade de criar disrupções molestas seja quando é explícita ou quando é sutil. O fato de entrarmos em contato com a obra já é mobilizador.
Não obstante, em momentos agudos de enfrentamento, a arte se torna um canal libertador e muitos artistas escolhem a obra e seu trabalho como forma de militância. Não por nada, de um jeito ou de outro, nossas edições deste ano trazem exposições e coletivas plenas de significados.

Hoje, nos perguntamos. Quem decidiu que este é um País de brancos? Os brancos. Quem decidiu que este é um País de indivíduos sem autonomia na escolha de gênero? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças. Quem decidiu que a escola não vai ser um espaço democrático para discutir as diferentes ideologias? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm, sim, uma determinada ideologia. Quem decidiu que o Estado não é mais laico? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm uma determinada ideologia e que defendem sim, uma religião só. Na contra mão, nós, vamos em frente, com tudo aquilo que aprendemos, acompanhamos e respeitamos do que é produzido e criado na diversidade deste país.

Como símbolo, está aí na capa, Rubem Valentim, brasileiro, negro, pintor da década de 50/60, maravilhoso, seja como construtivista ou exímio representante da sua “ideologia”. E dentro da edição uma coletânea de textos, artigos, memórias, exposições e obras que representam em toda sua magnitude uma enorme quantidade de trabalho pelo desejo de liberdade. Boa leitura!

Fundação Edson Queiroz lança seu Catálogo Coleção

Foto: Iara Morselli

Na noite de ontem, 26/11, o Itaú Cultural recebeu o corpo representante da Fundação Edson Queiroz no evento de lançamento de seu Catálogo Coleção. Composto por dois livros, a edição traz 870 obras de mais de 300 artistas, majoritariamente brasileiros, e delineia cinco séculos de arte e história brasileiras.

O projeto

Idealizado por Airton Queiroz, irmão de Lenise Queiroz Rocha, atual Presidente da Fundação, o projeto é produto do desejo de sistematizar o trabalho realizado há anos no espaço da Universidade de Fortaleza. A Universidade privada fundada por seus pais, organiza mostras de arte abertas ao público no seu prédio.

A coleção conta com dois volumes. Foto: Iara Morselli

Lenise explica que seu irmão Airton foi o grande responsável pelo acervo atual. “Ele sempre acreditou no ensino através da cultura.” Viabilizar o acesso à cultura no Ceará gera um enorme impacto. Fora do eixo Rio-São Paulo, são menores as possibilidades do segmento. “Através da arte se aprende com mais facilidade, porque ela envolve emoção.

 

A arte e o futuro

A reprodução de um vídeo Institucional da Fundação Edson Queiroz abriu o evento, elucidando a atuação da Instituição em sua comunidade. Eduardo Saron apontou para a relevância do material publicado por ela. “Vivemos em um país que só se preocupa em inovar. É importante, mas impossível inovar sem conservar as memórias do Brasil”, opinou.

Max Perlingeiro enfatizou o conceito de coleção viva, fazendo referência às mais de 800 obras e os tantos artistas que compõem o volume. O organizador contou que, ao ser questionado sobre a impressão dos livros na era mais tecnológica já vivida, respondeu que era importante fazê-lo. “As bibliotecas existem e resistem”, acrescentou, colaborando com o posicionamento de Saron.

O historiador Pedro Corrêa do Lago apresentou 30 obras selecionadas ao público. “Confesso que algumas delas foram escolhidas pelo meu coração”, iniciou. Suas áreas de estudo, como os “artistas viajantes”, somaram-se aos aspectos de relevância, no sentido de preservação da história brasileira, por ele considerados.

Obras documentais e o retrato de Maurício de Nassau iniciaram a linha cronológica. As pinturas de Frans Post das terras brasileiras ganharam destaque. “O Brasil foi o primeiro país das Américas a ser pintado por um artista europeu profissional”, comentou.

A aquarela precedente ao quadro panorâmico da cidade de São Paulo, encomendado por D. Pedro, também presente na mostra “Brasiliana”, no Itaú Cultural, além de quadros de Debret, de Araújo Porto Alegre (seu aluno), Victor Meirelles, Belmiro de Almeida, Portinari, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Antonio Bandeira, entre tantos outros, foram comentados por ele. Corrêa do Lago enfatizou a importância de cada um dos trabalhos no delineamento da história brasileira por meio da arte.

Os impactos da arte

A Presidente da Fundação comentou que impactos positivos podem ser observados a partir dos projetos que desenvolvem junto à comunidade local, como a Escola de aplicação Yolanda Queiroz, Projeto Jovem Voluntário, entre outros.

“A arte tem o poder de integrar, ela proporciona aos artistas e seus consumidores a possibilidade de se expressar”, finaliza.

Crítica: Como abordar o caos

“Além de uma vasta produção crítica e acadêmica na área, Maria Angélica também contribuiu para a formação de nomes importantes da arte contemporânea brasileira, como Cinthia Marcelle, Paulo Nazareth e Marilá Dardot”

Há uma intensa delicadeza e grande sensibilidade nos textos do livro “Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes” (Cobogó, R$ 56), lançado agora no início do ano pela argentina radicada no Brasil Maria Angélica Melendi.

O título, mais adequado impossível para o atual momento do país, na verdade refere-se a um período mais amplo, que tem início nos anos 1960, por conta das ditaduras latino-americanas. Ela mesmo sai da Argentina em 1975, um ano antes da intervenção militar que tirou do governo a presidenta Isabelita Perón, para viver em Belo Horizonte, onde desenvolveu carreira acadêmica.

Professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Melendi segue lá coordenando o grupo de estudos em arte contemporânea Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes, que dá nome ao novo livro, iniciado há 20 anos na Escola Guignard, da UEMG.

Entre a Escola Guignard e a Universidade Federal, Melendi exerceu grande influência em uma geração de mineiros e mineiras nas artes que inclui Julia Rebouças, Cinthia Marcelle, Lais Myrrha, Sara Ramo, Marilá Dardot e Paulo Nazareth, entre tantos outros.

A publicação é uma reunião de 19 ensaios, escritos a partir dos anos 1990, selecionados pelo também professor da Federal de Minas Gerais, Eduardo Jesus, divididos em cinco sessões: Estratégias do Pensamento; Políticas da Memória; Arquivos; Monumentos; Espaços da Memória. A maioria deles foi publicado em revistas e coletâneas, especialmente estrangeiras, mas alguns são inéditos.

A delicadeza do livro está, em primeiro lugar, no respeito com o qual Melendi trata de cada obra de arte, o que não se vê em muitos ensaístas contemporâneos, que frente à uma produção complexa, muitas vezes preferem ironiza-la. Outra particularidade importante no trabalho da autora é a relação das chamadas artes visuais com outras produções culturais como a literatura ou a arquitetura.

No texto “Sobre as ruínas do futuro”, por exemplo, Melendi parte de uma estrutura de concreto na Alemanha, construída em 1942, para testar o solo de Berlim, transformando-se em uma estrutura abandonada, uma ruína, “o membro amputado de um corpo que nunca vingou”. A essa ruína ela vai agregando várias outras, seja a cidade de Brasília “congelada e imutável”, seja a cidade de Havana pelas obras de Carlos Garaicoa na 26ª Bienal, de 2003, ou mesmo uma intervenção de Seth Wulsin em um edifício abandona de Buenos Aires, chegando a obra de Ai Weiwei na documenta XII, de Kassel, em 2007. Essas sobreposições de histórias, ao contrário de muitos textos acadêmicos, não visam uma síntese, mas constroem-se em mosaico.

Com tal estratégia, Melendi acaba criando pequenos inventários de temais relevantes para a produção artística como o uso de mapas, não por acaso o tema do primeiro ensaio “Da adversidade vivemos ou Uma cartografia em construção”. Nele, a professora reúne desde o icônico “Mapa Invertido” da América do Sul, desenho de Joaquim Torres-Garcia, de 1946, ao desconhecido mapa de Marcel Duchamp, “Adieu à Florine”, de 1918, quando o pai da arte conceitual deixa Nova York para viver em Buenos Aires. O grande ponto de interrogação sobre a América do Sul não deixa de ser um contraponto divertido frente à inversão de Torres-Garcia.

Assim, em cada texto, Melendi agrega ao tema, muitas vezes brutal como a violência da ditadura militar, obras, autores e casos que permitem ao leitor perceber como artistas vem abordando questões essenciais como a memória, o corpo, ou arquivos. Para compreender a arte contemporânea é um livro essencial.