Nova sede da galeria Gomide & Co, com projeto do escritório AR Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti
Nova sede da galeria Gomide & Co, com projeto do escritório AR Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti

Nesta quarta-feira (8/3), a Gomide & Co abre sua nova sede com a exposição Não vejo a hora, de Lenora de Barros. Na esquina da Avenida Paulista com a Angélica, o novo espaço expositivo marca os dez anos de atuação de Thiago Gomide como galerista em São Paulo, em seu terceiro e maior endereço na cidade. Concebido pelo escritório AR arquitetos (Marina Acayaba, Juan Pablo Rosenberg e Ana Flavia Piacentini), com lighting design de Fernanda Carvalho, o projeto preza pela gentileza urbana, numa arquitetura que dialoga com a cidade, acolhe o público da galeria e é convidativa aos transeuntes.

Segundo Gomide, um dos grandes trunfos da nova sede é manter exposições em curso e o acervo num mesmo lugar. “Antes, se um colecionador vinha nos visitar, interessado por algum dos artistas que representamos, mostrávamos imagens das obras e tínhamos de marcar outra visita ao endereço onde elas estavam guardadas. Perdíamos a agilidade”, conta o galerista, que em seu primeiro endereço, na Rua Oscar Freire, mantinha 80% de seu acervo em outro andar, do mesmo prédio. Quando se mudou para a galeria anterior, na vila concebida por Flávio de Carvalho (1899-1973), perto da Alameda Lorena, Thiago ainda mantinha seu acervo no prédio da primeira galeria.

“Agora, temos um ambiente confortável, uma sala de reunião e outra de espera em que a visita do colecionador se torna mais construtiva. O tempo que ele fica aqui dentro é 20 vezes maior do que nos outros endereços”, conta Thiago, que investiu também no projeto de interiores, com móveis criados pela designer Cláudia Moreira Salles e, last but not least, obras do acervo da galeria, de artistas como, León Ferrari, Mira Schendel, Lygia Clark, Sergio Camargo e Antonio Dias.

O escritório AR Arquitetos, que assina o projeto da nova Gomide & Co, já havia feito também o retrofit do Edifício Rio Negro (rebatizado como Rosa), finalizado em 2020, e que agora abriga a galeria. E fora também responsável pela arquitetura da Bergamin & Gomide, em seu primeiro endereço, na Oscar Freire. Alguns elementos da nova Gomide & Co já estavam então presentes na reforma, como a escadaria externa, que funciona como uma sequência de bancos ao longo da fachada na Angélica, seja para transeuntes ou, agora, os visitantes do novo espaço. Assim como a transparência, outro aspecto marcante do andar térreo.

O arquiteto Juan Pablo Rosenberg destaca a luz natural, que banha o espaço interno da galeria, e a possibilidade de se abrir para a rua a nova sede, durante vernissages, mais um componente de “gentileza urbana” do projeto. “Na esquina das avenidas, mantivemos uma permeabilidade visual, tanto para convidar o público a entrar no espaço expositivo, quanto para os passantes descobrirem que ali existe uma galeria”, afirma o arquiteto. Para ele, a chegada da Gomide & Co pode dar um novo sopro de vida àquela área, como mais um destino do circuito cultural da Paulista.

“Quanto mais degradado um lugar está, mais ele tende a se desagradar. Quando você deixa o lugar bem iluminado, habitado, frequentado, a tendência é que o entorno fique mais bem cuidado e preservado”, avalia Rosenberg, que chegou a sugerir a Thiago que extrapole as fronteiras da galeria e realize, na praça em frente, happenings, performances etc., extensões do que acontece na própria Gomide & Co. A ideia é mesmo ótima.

TRAJETÓRIA

Mineiro de Belo Horizonte, Thiago Gomide gostava de artes visuais desde garoto, achava que viria a ser artista. Estudou arquitetura na capital mineira, pensando numa profissão “para sobreviver”, caso a desejada carreira nas artes não decolasse. Acabou não concluindo o curso, mas, muito jovem, teve já sua primeira experiência no mercado secundário com uma loja em que vendia mobiliários modernistas, um negócio que surgiu de  maneira um pouco insólita.

Sua mãe, a arquiteta Meire Gomide, havia feito um projeto para a Casacor em 1997, na capital mineira, para o qual pedira a ajuda do filho e fizera questão de comprar uma grande quantidade de móveis originais de grandes mestres, como Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues e José Zanine Caldas, entre outros, a preços então bem baixos. Terminada a Casacor, a arquiteta propôs vender ao filho aquelas peças pelo mesmo valor que havia pago, e ele poderia comercializá-las em BH por preços mais elevados, já que ela as havia reformado.

Surgia daí a tal loja, em que Thiago, que tinha muitos artistas e fotógrafos entre seus clientes, ocasionalmente trocava os móveis por obras. O negócio, no fim das contas, era mais lucrativo. Ele começou a frequentar leilões e galerias, a comprar arte. Leu uma reportagem a respeito um documentário do cineasta Zelito Viana sobre acervos de colecionadores mineiros. Na matéria, aparecia uma obra do artista plástico Tunga True rouge (1997) ilustrando a coleção de Bernardo Paz. Havia rumores de que Paz estava construindo galpões e comprando muitos trabalhos de arte.

Ato contínuo, Thiago ligou para o colecionador, que o convidou para um almoço, em que anunciou estar fazendo “o maior museu do mundo”, na verdade o que viria a ser o Instituto Inhotim, inaugurado em 2006, na cidade mineira de Brumadinho. Era 2002, e Thiago resolveu fechar a loja de móveis, após se oferecer para trabalhar com Paz: “Quero ajudar você a construir seu sonho”, disse Thiago ao colecionador.

Lá, conta Thiago, ele fez de tudo, “todo mundo que tinha um problema me procurava para resolver”. Mas ele teve também seus primeiros contatos com o grand monde da arte, de grandes exposições, como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, a feiras, como a Art Basel. Em dezembro de 2007, pediu as contas e veio para São Paulo, onde no ano seguinte começou a trabalhar na Bolsa de Arte, de Jones Bergamin, o Peninha.

De lá, por sugestão e ensejo do próprio Peninha, juntou-se à filha do galerista, Antonia Bergamin, com quem viria a abrir, em 2013, a sua primeira galeria em São Paulo, a Bergamin & Gomide. Como sua experiência na Bolsa de Arte era com mercado secundário, manteve o mesmo perfil na nova galeria, até 2019, quando incorporaram o primário. Em maio de 2021, Antonia e Thiago se mudaram para casa na vila dos Jardins. Um mês depois, ela saiu da sociedade, e Thiago rebatizou a galeria como Gomide & Co.

A NOVA SEDE

A nova Gomide & Co passa a integrar o corredor cultural da Paulista, onde estão a Japan House, o Sesc Avenida Paulista, o Itaú Cultural, o Masp e o Instituto Moreira Salles, entre outros. A galeria tem de 600 metros quadrados contra 140 metros quadrados da primeira e 100 metros quadrados da anterior e fica no térreo do Edifício Rosa, cujo retrofit também foi projetado por Juan Pablo Rosenberg e Marina Acayaba, do escritório que leva seus sobrenomes. Dentro, Gomide passa a contar com um pé-direito duplo, de 5 metros, que pode acomodar obras de até 4mx10m.

Nas sedes anteriores, o galerista não dispunha de uma parede tão alta, ou do distanciamento necessário para expor trabalhos de grandes dimensões não pendentes. Em 2019, por exemplo, quando apresentou uma mostra dedicada ao catalão Antoni Tàpies, Thiago não pôde exibir uma de suas criações, justamente por falta de espaço.

As mudanças na Gomide & Co não se limitam à nova sede, no entanto. Em fevereiro, a galeria anunciou que Luisa Duarte crítica de arte, curadora e pesquisadora com mais de 15 anos de trajetória na arte contemporânea estava se unindo a seu time como diretora artística. “Ela vem principalmente para a gente ampliar o programa primário, de representação de artistas, aumentar dos atuais oito para 20. E fazer com que a galeria não se limite às obras caríssimas do mercado secundário, mas possa atender, por exemplo, a um casal jovem, de menos de 30 anos, que quer comprar algo de no máximo R$ 10 mil”, explica o galerista.

“Temos também um time de artistas que demandam um pensamento, uma coerência e um tempo de discussão, acerca de suas produções, que é diferente do meu tempo”, complementa Thiago, que divulgou outra novidade: a chegada à galeria de Fabio Frayha, ex-diretor do MASP, um administrador especializado no universo das artes visuais, que passa a atuar como seu sócio.

LENORA DE BARROS

Em 2022, Lenora de Barros apresentou, de abril a julho, a instalação Retromemória no Museu de Arte Moderna de São Paulo, esteve envolvida na 59ª Bienal de Veneza e com a exposição Minha língua, aberta em outubro e que fica em cartaz na Pinacoteca até 9 de abril. Sua nova mostra, Não vejo a hora, já fora programada para abrir o calendário expositivo da Gomide & Co em 2023, na nova sede.

De dezembro a fevereiro, Lenora se concentrou nos trabalhos que apresenta agora. Gomide conta que fez um único pedido à artista: “explore bem a fachada”. “São 150 metros virados para a Angélica, e é isso que vai possibilitar a gente trazer a cidade para dentro da galeria, um tipo de espaço com que as pessoas costumam ter certa preocupação quanto a entrar ou não. É para entrar, sim. E a Lenora veio com a ideia de um painel de LED com palavras ligadas ao tempo, como retardar, antecipar, perene, atraso etc., de um poema que teve como inspiração uma brincadeira infantil que fazia com sua mãe, Electra [Barros, mulher do artista plástico e designer Geraldo de Barros]”, conta.

Em Não vejo a hora, Lenora apresenta 12 trabalhos, em sua maioria inéditos, cujo denominador comum é uma elaboração sobre o tempo. A mostra abrigará fotografias, vídeo, instalação sonora e até uma mesa de pingue-pongue, em que a artista joga e  convida o público a jogar também, com as relações entre linguagem, temporalidade e corpo.

SERVIÇO

Não vejo a hora, de Lenora de Barros
Abertura: nesta quarta-feira (8 de março), às 18h
Nova sede da Gomide & Co Avenida Paulista, 2644 São Paulo (SP)
Visitação: até 13 de maio; segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábados, de 11h às 17h
Entrada gratuita


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