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SEMINÁRIO ENTREVISTA NÉSTOR GARCÍA CANCLINI
e que conseguem fundos e público por meio de vias
não tradicionais. Ainda quanto à inteligência artificial,
é muito cedo para avaliar essa tecnologia, mas exis-
tem algumas evidências de que vão tirar o trabalho
de artistas. Vi há pouco notícias da Espanha, onde
os dubladores são muito importantes, que esses
profissionais estão perdendo empregos porque os
computadores podem simular a dublagem.
– No período em que foi foram feitas as
pesquisas para o livro, houve uma consolidação
das mudanças nos hábitos de consumo de cultura?
Em caso afirmativo, como isso afeta a instituições?
Canclini – Sim. Estamos diante de um campo de Capa do livro
publicado
investigação que necessita de maior estudo e de no Brasil ela
mais apoio dos recursos públicos para estimular a editora Edusp
investigação acadêmica independente. Entretanto,
há algumas pesquisas que eu gostaria de mencio-
nar em países como Argentina, onde em 2022 foi social na América Latina e da redução da capacidade
realizada uma pesquisa de consumo cultural por de consumo das classes média e baixa. As classes
parte do Sistema de Informação Cultural do país, médias estão descendo de patamar, um pouco ao
um sistema público, e que mostra um retorno a contrário do que ocorreu no primeiro governo Lula
visita a espaços físicos depois da pandemia. Às no Brasil, em que se dizia que 40% da população
vezes, números superiores às estatísticas de público havia saído da pobreza e ido para a classe média.
anteriores à pandemia. Mais visitas a museus, mais Agora está acontecendo o inverso. E não é um resul-
espetáculos presenciais, shows, feiras populares tado só do neoliberalismo, mas de uma complexa
etc. Vemos que não se perdeu a relação do públi- trama de processos de mudança no desenvolvi-
co apesar da conectividade da internet, mas que mento cultural. Isso é o que é necessário estudar
o retorno após o confinamento foi muito potente. um pouco melhor. E também há uma dificuldade
Continuam conectados, mas buscam uma relação das instituições públicas de cultura para adaptar
híbrida entre o acesso virtual e o acesso presencial. e adequar a sua comunicação ampla à sociedade,
assim como a participação dos artistas, criadores e
empreendedores nas novas condições que as novas
– Em que medida as iniciativas institu- tecnologias contemporâneas criam.
cionais e de política pública no campo da cultura,
citadas no livro, vêm sendo bem-sucedidas e por – Saindo um pouco do escopo do livro,
quê? Que problemas ainda permanecem à margem quais as implicações do cenário político convulsivo
das discussões e por quê? em todo o continente – e também no restante no
Canclini – Uma lista grande de perguntas que mundo - sobre instituições, artistas e políticas
requerem mais pesquisas. Sabemos que há uma públicas?
desestabilização institucional política e socioeconô- Canclini – Um aspecto que eu destacaria é que,
mica em toda América Latina, mas que isso ocorre assim como ocorreu uma desestabilização e um
de modos distintos. E isso afeta a cultura, porque, empobrecimento institucional, temos que mencio-
notoriamente, os governos de direita são menos nar a baixa capacidade das instituições de cultura,
sensíveis ao desenvolvimento cultural público e sociais, médicas, etc., de responder às demandas
tendem a ceder as iniciativas às empresas privadas. dos coletivos, das comunidades. E aqui destacaria,
Mas, isso também mudou nos últimos anos, em sobretudo, as demandas que cresceram nos últimos
parte por conta do triunfo de governos de direita anos, dos movimentos feministas, indígenas, afro-a-
em muitos países latino-americanos, em parte por mericanos, ecológicos etc. Existem avanços, como por
conta da deterioração geral da situação econômica e exemplo a descriminalização do aborto, a legitimação
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