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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
Acima, detalhe da obra de Chico da Silva pertencente a coleção Gilberto Chateaubriand, MAM-Rio. Ao
lado, vista da sala dedicada aos painéis pintados por Chico da Silva e integrantes da Escola do Pirambu
o artista em vida nunca foi associado a uma ideia de autenticidade poética do artista. A manchete anuncia:
“futuro”, mas sempre fixado a uma imagem de passado, “Suíço decreta a morte artística de Chico da Silva”. 1
primitivo e bestializado, e com uma difícil adequação Chico nunca se recuperou artisticamente dessa
ao presente, ao agora, à ideia torpe de modernidade campanha produzida pelo crítico europeu, que não
que se anunciava. o respeitava como humano capaz, tratando-o como
A própria boca de Chico também foi a boca da rein- um primitivo. Chabloz não descobriu Chico da Silva:
venção da linguagem, da concepção de novas palavras, foram os muros da Praia Formosa que germinaram o
das criações dialéticas, que desnorteavam o interlocutor: visionário artista, e foram seu tino, sua força e coragem
sua boca com dentes de ouro conferia a seu corpo a de atravessar adversidades na vida e na arte, que o
mais completa modernidade. A boca de Chico nunca configuraram como um descobridor de si mesmo.
foi a do passado nem a do presente, a sua boca sempre Após o ataque, Chico foi constantemente internado
esteve no futuro, e anunciava: até o céu da boca é de ouro. devido ao alcoolismo, a problemas psiquiátricos e aos
Outro movimento importante na saga de Chico é a sinistros de uma sociedade também colonizada que
criação da Escola do Pirambu. O lugar reunia artistas não conseguiu sequer respeitá-lo. Atualmente, sua
colaboradores com os quais Chico compartilhou sua obra passa por um novo processo comercialmente
técnica, cuja reprodução logo contaminou a ideia do especulativo, mas Chico morreu pobre em 1985, tor-
“gênio” e do “original”, fundamentais ao mercado de nando-se personagem que merece ser desmistificado RERODUÇÕES DO CATÁLOGO DO MUSEU
arte. Essa diluição da autoria na Escola do Pirambu não e humanizado.
passou isenta de punição. Em uma matéria no Jornal 1 Egídio Serpa, Suíço decreta a morte artística de Chico da Silva,
do Brasil, o próprio Chabloz acusa o esvaecimento da Jornal do Brasil, 24 out. 1980, caderno B, p. 1.
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