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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO










































            Sem título, 1984



            o nordeste brasileiro foi um grande fornecedor de   novamente pelo projeto colonizador quando Jean Pierre
            mão de obra para aventuras econômicas no Norte do   Chabloz, enfeitiçado pela poética do artista local, o
            Brasil: entre milhares de nordestinos fugidos da seca   introduz à tinta guache e ao papel, fazendo-o abandonar
            em direção ao Éden amazônico, a cearense Minervina   o suporte da parede.
            Félis de Lima migrou para o Acre por volta de 1919 para   Entre 1930 e 1940, o suíço promove a presença de
            trabalhar na extração da borracha. Minervina casou-se   Chico em salões nacionais, como na Galeria Askanasi,
            com um indígena peruano e com ele teve Francisco   no Rio de Janeiro. Já nos anos 1960, Chabloz articula,
            Domingos da Silva, nascido entre 1922 e 1923.   no recém-inaugurado mauc/ufc (Museu de Arte da
               Ali, por meio das missões religiosas que acolhiam   Universidade Federal do Ceará), um lugar onde o artista
            os fluxos migratórios, a “civilização branca” exercia   criaria um ateliê, receberia um salário e permaneceria
            sua violência em um modelo colonial de catequização,  durante três anos. A mística construída por Chabloz em
            exploração e manipulação da fé. Nos primeiros dez anos   torno desse personagem indígena atingira seu ápice
            de vida, o menino Chico da Silva viveu entre esse con- em 1966, quando Chico participou da Bienal de Veneza.
            texto opressor e a floresta, com suas lendas e liberdade.  Um elemento constante na obra de Chico da Silva é
               Com pouca perspectiva de sobrevivência, Minervina   a boca. A boca aberta para o bote, a boca aberta para o
            regressa para sua cidade natal, Quixadá, no sertão do   alimento, a boca que acolhe e abriga, a boca que come
            Ceará. Nessa paisagem árida, de subsistência castigada   e transforma, a boca que devora, a boca da noite, a boca
            pela seca, o pai de Chico é mordido por uma cascavel,  do estômago. Nas pinturas, são inúmeros os embates,
            cujo veneno lhe é mortal. Após a perda, mãe e filho   bem como as animalidades que utilizam a boca como
            se assentam, por volta de 1940, em Pirambu, bairro   arma, como defesa, como prelúdio de perigo.
            periférico de Fortaleza.                           Chico ativa uma cosmologia particular na qual ele-  RERODUÇÕES DO CATÁLOGO DO MUSEU
               É nos muros da Praia Formosa, em Fortaleza, que   mentos da vida, do cotidiano, do imaginário amazônico e
            Chico da Silva compõe imagens de seres impossíveis   indígena são protagonistas. Se hoje sua criação de mun-
            e narrativas orais amazônicas. Ele é, então, capturado   dos seria classificada como “fabulação especulativa”,

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