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exposição São PAUlo
Dezenas de obras do pintor, desenhista, escultor
e ensaísta pernambucano foram reunidas sob a
curadoria da crítica e historiadora de arte Aracy Amaral
por leonor amarante
UM TRIBUTO A
JOSÉ CLAUDIO
olhanDo pelo retrovisor, o repertório artístico de do modernismo Pernambuco: “regional como opção,
José Claudio da Silva impõe-se pelas conquistas obtidas regional como prisão”.
ao longo de mais de sete décadas. Aos 90 anos, o artista A obra do muralista mexicano Rivera também era
expõe cerca de 150 obras entre pinturas, desenhos, inspiração para o grupo que já começa a fazer arte
carimbos, que ocupam toda a galeria Nara Roesler, em pública. Para Aracy, José Claudio nasce para a pintura
São Paulo. A extensa mostra, realizada com releituras no Ateliê Coletivo, quando era um jovem e entusiasta
tenazes e encontros disciplinados, consegue o feito da atmosfera artística do local. Como o artista já repe-
de reunir três amigos de longa data, e tudo começa tiu em várias entrevistas, ele considera o Ateliê como
quando a crítica e historiadora de arte Aracy Amaral divisor de águas na história da pintura pernambucana.
passa o réveillon no Recife e vai à casa do artista, como Motivado por um impulso renovador, José Claudio
faz sempre que está na cidade. “Gosto de estar com estava ansioso pela vida de artista e, ao fixar-se em
José Claudio, ouvir suas histórias de vida”, diz. Ao voltar Salvador, de 1953 a 1954, e conhecer Mario Cravo Júnior,
a São Paulo, ela recebe o convite de Nara Roesler para Jenner Augusto, Carybé e suas obras, ele muda sua
assumir a curadoria. vida. Espírito inquieto, o artista segue depois para São
Um prodígio de energia e método, Aracy, com idade Paulo onde trabalha como assistente de Di Cavalcanti
próxima à de José Claudio, arregaça as mangas e sai e frequenta a Escola de Artesanato do mAm SP, sob
a campo. Garimpa obras em museus, coleções parti- orientação de Lívio Abramo.
culares, galerias, dentro do um arco temporal entre os A relação de José Cláudio com a capital paulista vem
anos de 1950 e 1990. Curar uma exposição faz do crítico de longe. Aracy destaca o período em que ele colabora
intermediário transformado em autor, pelo processo com o Suplemento Literário do jornal O Estado de S.
de seleção das obras e analogia entre elas. A lógica de Paulo, sob a orientação de Arnaldo Pedroso D’Hor-
Aracy é a lógica do saber acumulado. Sem tropeços, ta. A obra do jovem José Claudio, naquele momento,
encontra achados como a expressiva série Aventura encontra-se ao mesmo tempo na fronteira de alguns
da Linha (1955), trabalhada com nanquim sobre papel, movimentos de arte que ele não ignora e na técnica
pertencente ao acervo do mAm SP; Simetria (1982), dan- desenvolvida por ele com gestos originais.
ça erótica/sensual desenvolvida no solo, com toques Nessa época desponta o desenhista delicado, atento
matisseanos, e a releitura de obras de Almeida Júnior, à linha do nanquim que, segundo Aracy, surpreende na
entre tantas outras. disciplina assumida em sua múltipla observação de
O percurso de José Claudio é feito pela paixão por exposições e bienais. Nos trabalhos transparece certa
seu território, a mesma paixão do “homem situado” influência da obra de Lívio Abramo, Grassmann, ou da
nomeado por Gilberto Freyre, isso exemplifica sua abstração linear, quase abstrata, de Pedroso d’Horta. FOTOS: FLAVIO FREIRE / CORTESIA GALERIA NARA ROESLER
participação no Ateliê Coletivo, dirigido por Abelardo Por insistência de amigos, o artista inscreve-se e é
da Hora, e que levava em conta a luta do povo oprimido, aceito na 4ª Bienal de São Paulo, em 1957, recebe o Prê-
destacando as atividades rurais e urbanas a partir do mio de Aquisição, além da bolsa da Fundação Rotellini,
cotidiano do trabalhador. Ele sabia que estava pisan- na Itália, onde vive por um ano, e viaja a vários países.
do em campo minado por conhecer a famosa frase Essa foi a primeira de uma sequência de participações
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