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Nem toda fotografia é reparadora como
pretendeu, por exemplo, a Bienal de Berlim,
ao expor uma obra com registros de prisioneiros
torturados em Abu Ghraib, no Iraque
por simonetta persiChetti
O OBSCENO DA IMAGEM
nos últimos meses, imagens naquele momento, além do fato polvorosa criticando a atitude de
jornalísticas de grande impacto bárbaro em si, é que os soldados todos: da revista, da fotógrafa e do
foram utilizadas pelo seu alcance haviam registrados aquelas casal. O problema da matéria não
midiático. Foi o caso, na recente cenas com uma estética que são as fotos em si, mas sim o
Bienal de Berlim, da polêmica muito se aproximava de álbuns contexto, a publicação para a qual
exposição do artista francês Jean- de férias: eles, sorridentes, diante foram realizadas, uma revista de
Jacques Lebel, Poison Soluble. A dos prisioneiros. moda. Talvez, se elas tivessem sido
obra, criada em 2013, é um labirinto Na contemporaneidade, em feitas para a capa de uma revista
de imagens recortadas e que os museus cada vez mais de informação, o debate não teria
ampliadas das torturas sofridas por trabalham histórias do passado, sido tão acalorado.
prisioneiros iraquianos na prisão de evitando um apagamento No Instagram também
Abu Ghraib. Por conta disso, 15 histórico, a espetacularização surgiram registros realizados por
artistas iraquianos se retiraram e nem sempre é sinal de sucesso, um professor, um pedido de seus
removeram seus trabalhos da mas muitas vezes causa de alunos ucranianos, para que
Bienal, acusando os curadores do naturalização de um evento, fossem fotografados em meio aos
uso indevido das imagens. como o das torturas, ou até escombros de sua escola no dia
Só para lembrarmos do fato: mesmo de alienação. da sua formatura. A justificativa
em 2004, em meio à Guerra do No mesmo mês, julho deste foi a de se fazer um ensaio-
Iraque, o mundo se espantou ano, outra polêmica envolvendo protesto contra a guerra, numa
quando as primeiras páginas dos imagens: a revista Vogue contratou estética de redes sociais.
jornais estamparam prisioneiros a reconhecida fotógrafa Annie Não é de hoje que filósofos e
iraquianos sendo torturados por Leibovitz para retratar o casal estudiosos da comunicação falam
soldados americanos. O presidencial da Ucrânia, que posou sobre a cada vez mais crescente
complexo penitenciário de Abu em frente aos escombros de onda do entretenimento midiático.
Ghraib ficava a 32km de Bagdá e guerra e dentro do palácio oficial Aliás, este processo se
era administrado pelos norte- em que residem. Imediatamente, potencializa na virada do século 20
americanos. O que mais chocou as redes sociais entraram em para o século 21, quando o ataque
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