Page 40 - ARTE!Brasileiros #60
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reforçando, assim, uma generalização. Em uma decla- divergente, no caso, práticas artísticas que condenam
ração pública, em setembro, eles pediram que filmes do as políticas xenófobas do Estado de Israel.
coletivo Subversive Film não fossem mais exibidos: “O A carta dos artistas teve apoio do Comitê de Seleção
que há de altamente problemático neste trabalho não da documenta, composto por um time internacional
são apenas os documentos fílmicos, que contêm peças de curadores de grande respeitabilidade, composto
antissemitas e antissionistas, mas também os comen- por Amar Kanwar, Charles Esche, Elvira Dyangani Ose,
tários dos artistas inseridos entre os filmes, nos quais Frances Morris, Gabi Ngcobo, Jochen Volz, Philippe
legitimam o ódio a Israel e a glorificação do terrorismo em Pirotte e Ute Meta Bauer. A nota de apoio, que também
o material de origem através de sua discussão acrítica.” se contrapunha a que obras fossem censuradas, foi
A programação que cita esta nota é o Tokyo Reels divulgada no próprio site da mostra . O grupo também
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Film Festival, assim chamado porque exibia uma série apontou para a questão de fundo: “Rejeitamos tanto o
de filmes recentemente restaurados, que estavam veneno do antissemitismo quanto sua instrumentaliza-
sob a guarda do diretor japonês Masao Adachi, dando ção atual, que está sendo feita para desviar as críticas
visibilidade a um arquivo praticamente desconhecido ao Estado de Israel, no século 21, e sua ocupação do
de uma ação solidária e anti-imperialista entre Japão território palestino”.
e Palestina. Como em toda tática de guerra, aquela que foi
Contra essa proposta de censura do Comitê, levanta- empregada nesta documenta buscou apagar qualquer
ram-se os artistas da própria documenta em nota divul- discussão que apontasse para suas qualidades. Muita
gada pelo e-flux intitulada Estamos Bravos, Estamos gente, inclusive, que sequer viu a mostra, passou a
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Tristes, Estamos Cansados, Estamos Unidos – Carta afirmar que não havia arte na mostra, como se leu em
da Comunidade lumbung. textos rasteiros que circularam por aí. Trata-se de um
Além de se opor a todo tipo de censura, a carta evidente equívoco para quem passou por lá.
explicita a estratégia de guerra cultural: “É óbvio para Primeiro, porque esse debate de falta de arte é total-
nós que o mesmo mecanismo de passar a bola de mente equivocado. Desde a antológica mostra Live In
cyberbullies e blogueiros racistas para os principais Your Head: When Attitudes Become Form, organizada
meios de comunicação, para atacantes racistas no por Harald Szeemann, em 1969, a materialidade não é
terreno, para políticos e até para acadêmicos, está uma questão de fato, mas a vida na cabeça, sim. E, nesse
sendo reproduzido em cada situação”. sentido, a mostra tinha uma vitalidade como poucas que vi.
Para o conjunto dos artistas, a acusação de antis- Esta edição da documenta merece ser comemorada
semitismo merece ser vista sobre outra ótica: “É no como uma de suas edições mais complexas, que teve a
contexto da documenta quinze, e nas especificidades coragem de ignorar solenemente o mercado de arte, que
do contexto alemão, que vemos que o posicionamento deu visibilidade a uma imensa quantidade de artistas
de artistas palestinos é o ponto em que nossas lutas pouco conhecidos, especialmente do sul global, e que
anticoloniais se encontram e se tornaram um foco de criou, com o lumbung, uma nova chave para se pensar
ataque. Racismo anti-muçulmano, anti-palestino, anti- a arte contemporânea.
-queer, transfobia, anticiganismo, capacitismo, castismo, Não por acaso, o curador Charles Esche aponta que
antinegro, xenofobia e outras formas de racismo são essa edição será lembrada como uma das primeiras
racismos com os quais a sociedade alemã deve lidar mostras do século 21 que “aceita que o capitalismo se
além do antissemitismo”. tornou simplesmente destrutivo e não tenta reformar
A questão que essa polêmica toda em torno do ele”. E completa: “Ela aponta como a vida pode sobre-
antissemitismo reforça é como a falta de diálogo aca- viver e prosperar em face à hostilidade de um sistema
bou impondo uma lógica punitivista, que começou mundial econômico e social catastrófico.”
com o encobrimento do painel, seguiu com a saída da
diretora-geral e depois com as propostas do Comitê 1 e-flux.com/notes/480764/from-a-so-paulo-jewish-collective-frankfurter-
Científico, de forma a acabar encobrindo todo o debate allgemeine-zeitung-s-false-rumors-about-documenta-and-antisemitism
do conteúdo da mostra. Há hoje quem defenda na Ale- 2 e-flux.com/notes/489580/we-are-angry-we-are-sad-we-are-tired-we-are-united-
manha que a documenta não deve mais ser realizada. letter-from-lumbung-community
É a lógica da guerra cultural, onde é preciso eliminar o 3 documenta-fifteen.de/en/press-releases/the-statement-of-finding-committee/
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