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instituições doCUmEnTA QUinzE
GUERRA CULTURAL
O que está por trás das polêmicas
da documenta quinze
por fabio CYpriano
as DisCussões que polarizaram os 100 Dias da uma onda contra a exposição Queermuseu: Cartografias
documenta quinze, em Kassel, encerrada no fim de da Diferença na Arte Brasileira, no Santander Cultural
setembro passado, precisam ser observadas em um de Porto Alegre, encerrada quase um mês antes do
contexto mais amplo, dentro de um conceito criado, prazo previsto, por conta de denúncias de apologia
em 1991, pelo sociólogo James Davison Hunter no livro à pedofilia e zoofilia. Ainda em 2017, outra exposição
Cultural Wars, lançado nos EUA, e inédito no Brasil. sofreu uma avalanche de protestos: o 35º Panorama
Lá, ele aponta como fundamentalistas evangélicos, da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São
judeus e católicos conservadores se reuniram em uma Paulo, por conta da performance La Bête, de Wagner
batalha pelo controle da cultura secular norte-ameri- Schwartz, apresentada na sua abertura.
cana, como ocorreu contra a exposição dedicada ao Nestes dois casos, as mostras sofreram ataques
fotógrafo Robert Mapplethorpe, na Corcoran Gallery of deliberados para se desmoralizar, por meio de acusa-
Art de Washington, em 1989, censurada após denúncias ções exageradamente falsas e descontextualizadas, a
de pedofilia. cultura em geral, por ser um campo identificado como
De certa forma, tiveram início aí batalhas em torno de de esquerda.
narrativas que descontextualizam as obras de arte para, Não por acaso, essa onda conservadora foi fun-
por meio de um discurso apelativo, criar a impressão de damental para as eleições de 2018 e, agora, de 2022,
que a cultura estaria a serviço de desconstruir padrões no Brasil, e seguiu como plataforma do atual governo
morais, em sua maioria contra a noção tradicional de federal, que tratou a cultura com descaso – acabando
família e nação. inclusive com o Ministério da Cultura – além de reduzir
Desde então, as ações dentro do que passou a se em muito a abrangência da Lei Rouanet.
chamar “guerra cultural” foram ganhando força, inclusive O que essa questão tem a ver com o debate antis-
aqui no Brasil, em ocasiões às vezes isoladas, como o semita na documenta quinze? Tudo. Desde antes da
cancelamento da mostra de Nan Goldin, no Oi Futuro, no abertura da mostra, em junho, grupos da direita alemã FOTO: CORTESIA DA ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE
Rio, em 2011, ou a censura à obra Desenhando com Terços, já se manifestavam em Kassel ameaçando artistas que
da artista Márcia X, na mostra Erótica – Os Sentidos da defendiam a Palestina. Contudo, foi na própria abertura
Arte, no Centro Cultural Banco do Brasil carioca, em 2006. que o tema ganhou dimensão por conta do imenso
Já em 2017, essa guerra ganhou contornos mais mural Justiça do Povo.
organizados, especialmente por conta do grupo mBl Exibido sem traumas, em 2002, na Austrália, agora ele
(Movimento Brasil Livre), que criou nas redes sociais fora instalado próximo à tradicional sede da documenta,
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