Page 25 - ARTE!Brasileiros #60
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nos termos do debate, qual seja, o de mostrar que as
condições do campo de concentração foram dadas por
um acontecimento que antecede o dispositivo
biopolítico do século 19, qual seja, a colonização e, por
consequência, a experiência da escravidão: “Qualquer
relato histórico do surgimento do terror moderno
precisa tratar da escravidão, que pode ser considerada
uma das primeiras manifestações da experimentação
biopolítica”, escreve ele, em Necropolítica.
A forma da plantation, por si só, já mostra bem
o quanto o regime de escravidão constitui um
permanente estado de exceção. Nela, o escravo
é desumanizado a tal ponto que só aparece como uma
“sombra personificada”, desumanização que
corresponde a uma tripla perda: a do seu “lar”,
a dos direitos sobre o seu corpo e a dos seus direitos
como “cidadão”.
Sem fala e sem pensamento, o escravo é um objeto,
uma coisa, uma mercadoria, que pertence ao senhor.
Entretanto, a esse processo crescente e avassalador de
desumanização, o escravo responde, resiste, por meio
de uma reapropriação de si, em especial por meio da
música e de seu próprio corpo. Surge aí, em meio
a esses paradoxos fundados na figura desumanizada
do humano, uma espécie específica de terror, que torna
o caminho entre a senzala e a plantation propriamente
dita, uma experiência que tangencia, o tempo todo,
a da morte. A colônia é assim um lugar do permanente
exercício de um poder à margem da lei e onde
a “paz” nada mais é do que o rosto sinistro de uma
“guerra sem fim”.
Cabe a nós perguntarmos em que medida a análise
Marina Camargo, América-Látex (Pós-Extrativismo), de Mbembe pode nos ajudar a entender a nossa própria
exposta no 37° Panorama da Arte Brasileira – Sob as
Cinzas, Brasa, no MAM São Paulo história, marcada pela escravidão e pelo racismo. Sem
esquecermos que a escravidão atingiu também as
populações indígenas e que o trabalho escravo é uma
prática ainda existente no País. Parece que um passo
necessário a ser dado de antemão é o reconhecimento
que ainda vivemos, em diversos aspectos, num estado
de coisas marcado pelas experiências do terror e da
morte iniciadas na experimentação biopolítica que foi
a colonização.
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