Page 24 - ARTE!Brasileiros #59
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DEMOCRACIA E REPARAÇÃO ENTREVISTA KADER ATTIA
Convido as pessoas que vão para uma exposição para apenas
estarem vivas e presentes, e não para instagramar suas vidas
escritora norte-americana] Shoshana Zuboff contando a mesma história. Por isso, pro-
fala em seu livro The Age of Surveillance vavelmente, é muito importante para nós
Capitalism. Trata-se da extração de dados, estarmos conectados com a fisicalidade
que na verdade constitui este mercado da da arte. Porque se trata de um campo de
atenção, esta economia da atenção e o criação, produzido pela humanidade, que
torna extremamente poderoso. deixa muito mais espaço ao observador
Mas o processo de extrair dados nes- do que a vigilância computacional.
tas grandes companhias, como Facebook Quando você está olhando uma obra de
e Google, é apenas a parte mais visível arte, que seja por um segundo, você está
dessa extração de dados, que depois aprendendo. Está ativo, e não passivo. A obra
são vendidos. O que nós produzimos não está extraindo qualquer coisa de nós.
constantemente, todos os dias, isso Para mim, é extremamente importante
é um comportamento que é vendável entender que, se eu me importo com o pre-
neste mercado de atenção. Nós somos sente, eu na verdade me preocupo com a
as cobaias desta economia de atenção. atenção. Eu convido a uma reapropriação da
Como poderíamos lutar contra isso? Os atenção. Convido todas as pessoas que vão
artistas, os amantes da arte, aqueles que para uma exposição para apenas estarem
acreditam nela? vivas e presentes, e não para instagramar
Eu me voltei aos estudos de Marshall suas vidas, achando que eles estão consu-
McLuhan, que disse uma vez algo muito mindo algo, mas elas não estão. Elas estão
importante: no fim das contas, um traba- apenas alimentando a máquina. A velocidade
lho de arte opera apenas com atenção. E com que se manipula o Instagram é baseada
o artista está roubando atenção. Então em nossa confiança. Tudo é confiança.
decidi que não trabalharia com arte digital Então, acho que temos que voltar ao
na bienal porque isso seria uma armadilha espaço como um terreno comum, onde
também. Você quer criticar esta ideia, realmente nos encontramos, um espaço
mas acaba apresentando o trabalho de onde uma pessoa é tocada emocional-
alguém a quem admira. Há artistas que mente por um trabalho. Ficando com raiva
trabalham com isso, como o matemáti- de uma obra, por exemplo. Isso significa
co David Chavalarias, Omer Fast e Zach que você está vivo. Você não está passivo,
Blas, que falam da vigilância digital, mas desativado por um governança que tenta
há também obras do passado, que estão extrair de você.
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