Page 70 - ARTE!Brasileiros #57
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ENSAIO EXPOSIÇÕES








            Exposições como Por um sopro de fúria e esperança,
            no MuBE, apontam como é importante criar
            ambientes que potencializam obras em exibição




            potenCialiZar as obras em exposição é uma das   tempo, o site do museu elenca todas as obras em ima-
            principais tarefas da curadoria e, nesse sentido, gestos   gens e seus devidos créditos, o que permite a quem
            radicais são bem-vindos quando buscam ir além da   tem mais compulsão em identificar autoras e autores,
            representação, ao permitir uma experiência de fato.  tenha seu desejo realizado.
            Por um sopro de fúria e esperança – uma declaração   Há assim uma relação ética entre o que está exposto
            de emergência climática é um dos melhores exemplos   e o contexto. Alagar um museu traz ainda uma forte
            recentes desse gesto ao alagar o Museu Brasileiro   carga de crítica institucional a um circuito de arte mar-
            da Escultura e da Ecologia (MuBE) para tratar sobre a   cado pela hipocrisia: colecionadores ocupam espaços
            catástrofe climática em curso no planeta, que tem entre   determinantes em instituições de arte, moldando essa
            seus principais promotores o atual governo federal.  cena e adquirindo tudo que surge como transgressão,
               A mostra tem curadoria de Galciani Neves e Natalie   ao mesmo tempo em que suas empresas seguem em
            Unterstell, mas a instalação cenográfica Inundação é   políticas anti-civilizatórias.
            assinada por Ary Perez e Flavia Velloso. Ao encher de
            água o piso do museu e permitir que se caminhe apenas   surreal
            sobre estruturas de madeira, cria-se uma experiência   A história das exposições está repleta de gestos radicais
            que aproxima o público de uma realidade não muito   desse gênero, como a instalação de Marcel Duchamp
            distante da que é denunciada em muitas das cerca de   na mostra The First Papers of Surrealism (os primei-
            cem obras em exposição.                         ros artigos sobre surrealismo), realizada em 1942 na
              Trata-se, é evidente, de uma mostra com caráter  Whitelaw Reid Mansion, em Nova York. Lá, em meio
            militante, que ocorreu simultaneamente à cop26, a   a considerada maior exposição de obras surrealistas
            Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Cli- nos Estados Unidos, Duchamp espalhou mais de 1.600
            máticas ocorrida em Glasgow, na Escócia, no início   metros de barbante, criando um ambiente repleto de
            de novembro passado, com resultados abaixo dos   teias, que dificultavam o caminhar dos visitantes. Essa
            esperados, ampliando assim os alertas de um futuro   atmosfera surreal tinha, afinal, tudo a ver com o tema
            difícil para o planeta.                         da mostra.
               Se por um lado o negacionismo dos dados científicos,   No mesmo ano e cidade, outra mostra dedicada ao
            em grande parte incentivado por grandes corporações   surrealismo, desta vez na galeria Art of this Century,
            e o agronegócio, faz com que muita gente desdenhe das   de Peggy Guggenheim, criava também um ambiente
            necessidades de atenção à sustentabilidade, a mostra   de estranhamento com iluminação dramática e um
            é exemplar ao criar um ambiente, em um dos bairros   ensurdecedor som de trem passando, que ocorria a
            mais privilegiadas e elitistas do país, que atesta que o   cada dois minutos. São dois bons exemplos de estra-
            futuro distópico já chegou e não apenas simbolicamente,  tégias criadas, antes mesmo do conceito de curadoria,
            como é o caso da exposição.                     para potencializar os trabalhos expostos, evitando o
               É notável que esse gesto radical - programado para   higienizado e neutro cubo branco.
            as primeiras semanas da exposição, mas que já não
            existe mais de dezembro a 30 de janeiro, quando ela                                                   FOTOS: HÉLIO CAMPOS MELLO | EDUARDO ORTEGA / MASP
            será encerrada -, tornou praticamente impossível saber
            de quem são as obras na mostra. Mas quando se trata
            de emergência climática, parece coerente que autorias              Acima, Por um sopro de fúria e
            individuais sejam “prejudicadas”, pois é disso que se              esperança – uma declaração de
            trata afinal: o possível fim de uma espécie. Ao mesmo              emergência, no MuBE; abaixo, Maria
                                                                               Martins: desejo imaginante, no MASP
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