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ENTREVISTA DANILO SANTOS DE MIRANDA



            No início da pandemia muito se falou sobre a neces- Europa, você afirmou que se lá a epidemia estava
            sidade de aprender algo com o que estava aconte-  sendo grave, aqui seria ainda pior. De fato, chega-
            cendo, ou seja, uma ideia de que deveríamos sair   mos agora a cerca de 620 mil mortos. A pandemia
            deste período sabendo lidar melhor com o mundo   escancarou ainda mais as desigualdades globais?
            à nossa volta. Agora, quando vemos um avanço       Sem dúvida nenhuma. Há um desequilíbrio enorme,
            grande na vacinação e a retomada de grande parte   isso é notável. Se olharmos o que ocorreu aqui, mas
            das atividades, você acha que de fato aprendemos   também em países da Ásia, da África e outras partes
            algo? Mudamos nosso modo de ser ou voltamos        mais pobres do mundo, sobretudo no hemisfério sul,
            para o mesmo lugar?                                é bem diferente do que acontece no hemisfério norte.
               Falando institucionalmente, no Sesc-sp nós fizemos   Isso vale para economia, para política, cultura, diplo-
               um grande esforço nesse sentido. Muitas coisas que   macia… e vale também para a saúde. É muito grave.
               acumulamos neste período - de informação, modos   E pensando internamente, em nosso país, há
               de fazer e de encarar as coisas - vão ser incorporadas   também uma desigualdade muito grande. Nós temos
               nos nossos hábitos. Agora, falando de modo amplo,   na cidade de São Paulo 100% da população adulta
               eu não gosto da expressão “retorno ao normal”.   vacinada, enquanto em outros lugares do Brasil
               Porque o normal já era problemático demais, nós   há ainda situações muito inadequadas, números
               já enfrentávamos uma situação de aperto econô-  muito abaixo disso.
               mico, de dificuldades para financiar muitas ações…   Agora, de lá para cá as coisas caminharam de uma
               Não digo no Sesc, internamente, mas do ponto da   forma um pouco imprevista. Aqui no Brasil de fato
               sociedade, especialmente no mundo da cultura. Já   chegamos a uma situação gravíssima, inclusive um
               havia constrangimentos graves antes da pandemia.   descontrole total no começo deste ano, mas de lá
               Então voltar ao normal significa voltar para aquilo?   para cá - mais por força da sociedade, da imprensa e
               Não nos interessa. Então vamos retomar nossos   de políticos de outros níveis que não o federal - nós
               hábitos, mas também buscar esse caminho novo,   conseguimos um processo de vacinação bastante
               que não tem nada a ver com o período pandêmico,   amplo. E isso hoje nos coloca numa situação até
               mas tampouco com o período anterior. Queremos   de certa vantagem sobre uma boa parte da própria
               mudanças mais profundas.                        Europa, onde há um negacionismo muito maior
                 Porque acho que, apesar de tudo, nesse tempo   em relação à vacina. Então as coisas mudaram um
               nós enriquecemos o nosso entendimento das coi-  pouco e é por isso que podemos ter também essa
               sas, sob determinados aspectos de convivência,   perspectiva de reabertura no Sesc. Ao mesmo tempo,
               de solidariedade, de consideração com o outro, da   temos razão de sobra para ter muita prudência ao
               dependência mútua entre nós. São coisas que foram   pensar, por exemplo, nas festas de fim de ano, no
               incorporadas, mesmo que de um jeito muito forte,   carnaval e até mesmo nas propostas de liberação
               quase forçado, e nós precisamos ter mais consciência   do uso de máscara em espaços abertos. No Sesc,
               de que vivemos em uma sociedade onde a solida-  por enquanto, vamos exigir as duas doses de vacina
               riedade deve ser incorporada - independentemente   e máscara, para os funcionários e para os visitantes.
               de posições de caráter político ou religioso, mas do
               ponto de vista puramente humano. E nesse aspecto   Lembrei de uma entrevista sua em que você fala
               alguns pontos ficaram muito exacerbados. A ques- que nós vivemos uma realidade muito materialista,
               tão ambiental, a questão da diversidade, a questão   onde as coisas são colocadas apenas do ponto
               de gênero, do respeito mútuo, tudo isso vem junto.  de vista do desenvolvimento econômico, mas
               Não são coisas novas, mas começaram a ser mais   que, cada vez mais, se percebe que a busca pela
               exigidas de nós respostas a tudo isso. Então uma   qualidade de vida depende de muito mais coisas.
               grande quantidade de instituições, organizações   E aí você fala de educação e cultura em um sentido
               e empresas estão mais atentos a isso, no mundo   amplo, sendo elas as bases do trabalho do Sesc-sp.
               inteiro. Governos também, mas aí não é o nosso   Poderia falar um pouco sobre isso?
               caso. Somos uma exceção, um absurdo total.          Para nós, o conceito de cultura sempre foi muito
                                                               amplo e muito vinculado à questão educacional.
            Em conversa que tivemos no começo da pande-        Nesse sentido, os conceitos de cultura e educação
            mia, quando o epicentro dessa crise estava na      até se confundem, porque significam a preparação

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