Page 34 - ARTE!Brasileiros #57
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INSTITUIÇÕES INSTITUTO BRENNAND
Transformada em instituto, oficina do
falecido artista Francisco Brennand ruma
em direção ao futuro e se equilibra entre
a tradição do fundador e o crescimento
para além da sua figura automitologizada
por miguel groisman
“MAS O BARRO E A ÁGUA
CONTINUAM A GIRAR NOS
CASEBRES DOS OLEIROS”
QuanDo seu pai lhe entregou as Chaves Da velha Agora, meio século depois da ocupação do artista, a
fábriCa, o artista Francisco Brennand confessou que oficina transformada em instituto organiza uma grande
ali entrava para nunca mais sair, e assim o fez. Foi em 11 exposição que mostrará cerca de 200 itens - entre pin-
de novembro de 1971 que Brennand, aos 44 anos, decidiu turas, esculturas, gravuras, serigrafias e documentos
ocupar as ruínas da Cerâmica São João da Várzea - um - garimpados do acervo permanente do instituto (que
complexo de 15 km - e torná-la seu ateliê. conta com mais de 3 mil obras), de coleções privadas e
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Falecido em dezembro de 2019, Brennand tomou museus. “Eu nunca me preocupei com unidade porque
duas providências antes de morrer: “Confeccionou a a sensação que eu tenho é de vários, nós somos vários”,
sua própria urna funerária num conjunto de esculturas chegou a atestar o artista.
chamado de Templo do Sacrifício; e transformou a Batizada Devolver a terra à pedra que era: 50 anos da
Oficina Brennand numa instituição privada com fins Oficina Brennand, ela ficará em cartaz até outubro de 2022.
públicos. Se assegurou que as terras onde se localiza Seu recorte curatorial tem por base os pilares conceituais
a oficina não pudessem ser vendidas nem ter a finali- “Natureza”, “Território” e “Cosmologias” – tópicos que
dade alterada. Desta maneira, sua obra não poderia também norteiam o programa da nova fase do instituto
ser esquecida”, como nota a marchand Cecília Ribeiro e marcam a produção do artista. Nesta proposta, o pilar
Peirão. A criação da urna está intrinsecamente ligada à “Natureza” permite pensar o ecossistema como identidade, FOTOS: BRENO E GABRIEL LAPROVITERA / CORTESIA OFICINA BRENNAND
sua profunda relação com o local. À Folha de S. Paulo, mas também oferece uma oportunidade para eliminar a
em 2013, chegou a confessar: “Eu lido com fogo há mui- suposta dicotomia entre natureza e cultura. Ao mesmo
tos anos… quero me transformar naquilo que é, vamos tempo, sua escolha está ligada ao fato de que “é impos-
dizer, uma cerâmica, então eu vou ser cremado, volto sível pensar em natureza sem pensar em território, sem
pra essa urna, parte de minhas cinzas ficará nessa urna pensar em cosmologias”, afirma Júlia Rebouças, atual
e o restante será jogado lá na casa do [engenho] São diretora artística da instituição, que divide a curadoria
Francisco, onde eu vivi, de onde veio a minha família”. da mostra com a venezuelana Julieta González.
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