Page 60 - ARTE!Brasileiros #56
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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
Barqueiro azul em Manaus, 1992
tintas do reino. Essa força não era algo que podia ser proteção e o transformando em um peito aberto à vida,
domado pelos padres. ao acaso. Às vezes, o momento da decisão de fisgar a
Do mesmo modo, instrumento de encantamento, o imagem não parece ser do fotógrafo, mas sim do retra-
espelho acompanha as usuais narrativas de sedução por tado. Nesse instante, tudo clica.
parte dos europeus na invasão do Brasil, utilizando-o A exposição reitera a efervescente pluralidade cul-
como arma colonizatória camuflada de presente. No tural da região paraense, chamando a atenção para as
universo criado por Luiz Braga, essa mesma fascinação desigualdades políticas existentes e para os estigmas
narcísica de quem se olha no reflexo da água ou do metal estéticos que erroneamente são atrelados à sua hete-
é presente nas casas interioranas, em espelhos defronte rogênea produção artística. Ao caírem as máscaras, ao
aos quais seus moradores se vestem com as melhores ruírem os espelhos e ao fenderem-se os escudos, parece
roupas e meticulosamente se penteiam para as festivi- que uma flecha atravessa o plano da fotografia e lacera
dades, eventos de alegria que Braga escolhe perpetuar. os retratados. Essa incisão nos corpos das imagens FOTO: CORTESIA DO ARTISTA / GALERIA LEME
Seu escudo, frágil e controverso, de nada o protege de Luiz Braga contestaria sua esperada visceralidade
senão de si mesmo, pois carrega um alvo em seu centro, dionisíaca e atestaria sua abrupta fabulação apolínea:
como a dizer “atire!”. Dessa forma, o olhar do retratado cortaria uma ferida aberta de cor onde se esperava carne,
o atinge, subvertendo o escudo como instrumento de irrompendo luz de onde se esperava sangue.
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